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Um pedido para uma estrela

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Mensagem por Hong Wang Dom Jul 17, 2011 8:50 am

Já havia começado essa história logo depois de ter terminado a para o concurso da LUG, mas não havia finalizado-a. Agora fiz isso e decidi postá-la aqui~

Certo, vocês vão perceber que essa história tem romance homossexual (Mesmo que de forma bem delicada), por isso coloco indicações para maiores de 16 anos.

Acho que farei uma série - até porque tenho outra história do Hong envolvendo vários outros personagens, que comecei a escrever com a Cecília Phantomhive.

Apreciem a leitura.

Um pedido para uma estrela

A neve caia, cobrindo toda a cidade de Lutie com o seu véu branco. Macio e gelado, facilmente atraia as crianças a brincar com ele, jogando bolas uns nos outros e marcando a delicada superficie com o que chamavam de "anjo de neve".

Um sorriso discreto surgia em um recém chegado, que caminhava em passos lentos pela cidade, observando aquela tranquila população. Em um mundo caótico, era confortante ver que ainda existiam pessoas que viviam pacificamente.

Sendo um alvo fácil graças a sua mente distraída, uma sensação fria abateu sua nuca, fazendo-o virar-se para trás e buscar o responsável. Seus olhos castanhos focaram-se naquele rapaz agasalhado da cabeça aos pés, mexendo com perícia na neve e lançando-a sem maior dificuldades, acertando todos que se aproximavam.

- Está se divertindo, não é? - Indagou o rapaz, batendo de leve nos cabelos para remover os resquícios do gelo.

- E 'cê não? Em Morroc, até as nevascas dos bruxos perdem o efeito antes de atingirem o solo! - Retrucou o outro, movendo-se com dificuldade graças aos três casacos que utilizava.

- Pensei que odiasse o frio.. - Sorriu com suavidade, aproximando-se do outro e tirando-lhe das mãos as bolas de neve. - Precisamos ir.

- Não acabe com a minha diversão! - Disse descontente, mas logo rindo e concordando, seguindo pelo caminho indicado.


Não era sempre que um arruaceiro de Morroc e um templário de Payon podiam viajar dessa forma - sem muitos compromissos -, talvez por isso que estivessem tão felizes. Recentemente o padre Bhamp havia dado uma folga para Hong, principalmente depois dele ter viajado com Matt para Glast Heim e ter ficado preso com o companheiro por quase duas semanas, e o lugar da viagem, inicialmente Al de Baran, logo foi substituída pela agradável Lutie.

Segundo relatos, o turismo estava em baixa na região pela época fria e com grandes ventavais, fazendo eles conseguirem se estabelecer na região sem muitos gastos. Na casa de uma doce senhora, encontraram uma boa pensão onde puderam obter camas macias e alimentos quentes para a sua estadia.


Enquanto Hong acomodava-se em um quarto, removendo sua armadura e guardando os itens que trazia, Matt direcionou-se para o banheiro, onde rapidamente tomou um banho e livrou-se daquelas pesadas vestes.

- É incrível que a água não congele no encanamento.. - Comentou enquanto secava os cabelos loiros em uma toalha, vestindo apenas uma calça marrom poída e um colete vermelho.

- Vista-se direito, uma corrente de ar nessa temperatura pode matar uma pessoa - disse Hong, terminando de dobrar as roupas dentro das gavetas.

- Certo, certo.. Ei, 'cê é bom em guardar as coisas, hein? - Falou com certa admiração, jogando-se na cama encostada na parede e fitando o teto, preguiçoso.

- Meu irmão é mercador, é natural que eu saiba organizar espaços para armazenar o máximo no menor espaço.

- Eu sei, mas ainda assim.. Tô elogiando! - Suspirou, fechando os olhos momentaneamente e aproveitando a sensação de calor de um corpo recém saído do banho quente.

- Ah, obrigado - Respondeu com calma, fechando as malas e gavetas, pegando uma muda de roupa já separada e encaminhando-se para o banheiro. - Tomarei banho, depois podemos comer algo.

Um sorriso malicioso nasceu nos lábios do arruaceiro. Existia uma terrível tendência em si a maliciar coisas simples e aquela era uma grande oportunidade de fazê-lo. Jogou rápido o corpo para frente, sentando-se na cama e cruzando as pernas sobre ela, fitando o templário de cima à baixo.

- Podemos comer agora.. - Sugeriu com maldade. - Quer que eu tome banho com você?

Hong, que já adentrava o banheiro, fitou o arruaceiro com ingenuidade, sem compreender a insinuação. Ele queria comer naquele momento? E por que tomaria banho se já havia o feito? Ainda mais ele que parecia resistir aos atos de higiene em locais frios - se bem que a casa que estavam possuía calefação.

- Se quiser, pode descer antes - concordou, entrando no banheiro e fechando a porta.

O loiro encarou o vazio por longos segundos, não crendo que havia ouvido tal sugestão. Hong tinha mentalidade de um noviço ou o que? Não era a primeira vez que insinuava algo e ele não compreendia.. Qual era o problema afinal? Noviços não tinham senso de humor? E até as afrontas que fazia, ele só ficava em silêncio ou desculpava-se. Um templário precisava ter mais orgulho e atitudes! Aquele jeito dele nunca o levaria longe!


Depois de quase meia hora no banheiro, Hong saiu e notou o quarto vazio, suspirando de forma pesada. Ele não havia o esperado, não era? Sabia que suas crenças eram diferentes das de Matt, enquanto ele preocupava-se apenas com comer ou não, Hong preferia fazer refeições acompanhado, até por ter vindo de uma família grande.

Em passos lentos, aproximou-se da cama do arruaceiro e levou a mão até ela, tocando-a e sentindo-a ainda quente. Ele havia saído há pouco? Deveria ter demorado demais.. Sentou-se no chão, ainda com as mãos na cama, tombando o corpo para a frente e deixando a testa tocar no colchão, podendo inspirar a flagrância deixada pelo outro no local. Era ácida, algo um tanto cítrico como laranja ou limão, um odor atípico para si, apesar de estranhamente agradável.

Matt engoliu a seco ao observar àquela cena. Tinha usado sua arte de se ocultar para ficar escondido em um canto, próximo a porta do banheiro, planejando dar um susto em Hong quando ele saísse, mas agora observava em silêncio o templário agir de forma estranha. Será que isso era violação de privacidade? Mas o que ele fazia afinal mexendo na sua cama? Ou tinha percebido que estava escondido? Se era isso, por que ele não dizia nada?

Hong ergueu-se depois de algum tempo, ajeitando os lençóis e arrumando a cama antes de dirigir-se para a porta, saindo para descer o andar e buscar a cozinha. Imaginava que Matt e a dona do estabelecimento já estivessem lá e iria fazer-lhes companhia.

Em passos sorrateiros, o gatuno saiu de seu esconderijo e foi até a cama, abaixando-se próximo dela e cheirando-a, querendo se certificar que o outro não havia aproximado-se apenas por ter sentido um odor desagradável.

- Droga.. - Tampou o rosto, afastando-se um pouco atordoado da cama. - Está com o cheiro dele agora..


Quando o arruaceiro chegou a cozinha - onde a dona do local já havia preparado a mesa para o jantar -, notou Hong fitar-lhe com preocupação, sem ter a mínima ideia do que tinha ocorrido. O arruaceiro respondeu de forma monossilábica que estava pronto para jantar, além de esquivar-se das perguntas a respeito do local que estava um pouco antes.

- Comam, meninos.. - Disse a velha senhora, fazendo um gesto com a mão para que eles se servissem. - De sobremesa, fiz bolo de nozes, vocês gostam?

- Nunca comi - respondeu Matt, movendo os ombros em sinal de descaso enquanto provava daquela comida. Não podia dizer que era ruim, mas não estava acostumado com refeições tão pesadas com carne, pão e massas de trigo.

- Sim, agradeço pela gentileza - falou Hong, provando da comida e sorrindo de forma discreta. - Está deliciosa, muito obrigado pela refeição.

- Fico feliz que tenha gostado - sorriu pelo elogio, voltando a arrumando a cozinha.

Não era sempre que compartilhava comidas tão quentes com viajantes - que normalmente esperavam a época mais quente do ano para visitar Lutie -, por isso esforçava-se para agradá-los. Era fácil notar que o moreno era muito educado e cheio de cortesia, mas suspeitava que não houvesse total sinceridade nas palavras dele, enquanto o loiro mostrava-se mais direto, só que consequentemente rude. De certo modo, era interessante pensar naqueles dois trabalhando juntos.

- Amanhã o Noel deve recebê-los e sei que ganharão presentes caso tenham sido bons meninos esse ano.

- Eu nunca ganho nada - comentou Matt com descaso, continuando a comer sem dar muita importância ao que era dito.

- Espero que sim, mas nosso objetivo é explorar as cavernas. Dizem que há uma fábrica repleta de monstros sagrados em seu interior - disse Hong com admiração, expondo o foco deles naquele local.

- Mas não esqueçam de passear na cidade, sei que ela tem tantas coisas maravilhosas quanto as cavernas - pediu, ciente que os jovens que vinham ali só buscavam se aventurar no único perigo existente na região.

- Vamos sim! Viajamos pra cá pra ver tudo! - Respondeu Matt com animação.

Depois da refeição e de algum tempo discutindo com a dona do local, os rapazes retornaram para o quarto, onde ficaram em suas camas, conversando sobre banalidades enquanto ouviam o vento atingir a janela - parecendo uivos de dor naquela noite de tempestade.

- Todas as noites daqui são assim, né não? - Disse Matt, debruçado sobre a janela fechada, só podendo contemplar flocos brancos baterem no vidro e a escuridão do lado de fora.

- Lembram-me um pouco das noites em Payon - concordou de forma muda, erguendo-se da própria cama e indo até a janela também. - Sequer podemos ver as luzes dos vizinhos.. A tempestade está mesmo forte.

- Ué, em Payon tem tempestades de neve? - Arqueou de leve uma das sobrancelhas, fixando os olhos azuis no outro.

- Mas chove a maior parte do ano.. Graças as chuvas que as árvores que cercam a cidade crescem tanto - explicou, tocando a ponta dos dedos no vidro da janela e sentindo-o gelado.

- Ei, Hong.. - O loiro esticou a mão até o rosto do outro, segurando-o pelo queixo e virando-o para si, chamando assim a sua atenção. - Hoje, depois do seu banho - começou a falar, queria perguntar o porque daquela atitude estranha do outro e até entender porque isso deixava-o atordoado desse jeito. - Eu..

- Você..? - Hong fitava-o fixamente, mantendo os lábios entreabertos e esperando que ele prosseguisse com o que dizia.

Um som do lado de fora do quarto roubou-lhes a atenção, Hong desvencilhou-se da mão que tocava-lhe o rosto e direcionou-se até a porta, abrindo-a e notando a responsável no corredor, fuçando em uma cômoda do local, visivelmente atordoada.

- A senhora está bem? - Indagou com preocupação, aproximando-se da senhoria, estranhando desta estar remexendo as próprias coisas naquela hora da noite.

- Ah, desculpe-me, acordei-o? Eu normalmente coloco o relógio de meu finado esposo na cabeceira de minha cama.. É um relógio de bolso de ouro, você viu? Ele não está no meu quarto - comentou a senhora com uma leve preocupação, retornando a abrir as gavetas e buscá-lo.

- Não. Quer que eu o ajude a procurar?

- Ah, de modo algum.. - Respondeu, movendo as mãos em negação e achando um simples relógio de latão na cômoda. - Vou usar esse por enquanto.. Estava com ele antes do jantar, podia jurar que havia deixado-o no meu quarto. Envelhecer é triste, sabe? Esquecemos das coisas muito rápido - disse com tristeza, saindo andando com o relógio substituto. - Tenham uma boa noite, meninos..

Hong manteve o olhar na mulher até que ela descesse as escadas e fosse pro seu quarto, que ficava no andar de baixo. Logo depois virou-se para o arruaceiro, que aguardava-o na porta do quarto, olhando sem entender o que acontecia.

- O que houve? - Perguntou quando Hong se aproximou.

- O relógio dela sumiu, um relógio de ouro, é uma lembrança do marido dela. Você viu-o? - Perguntou, parando na frente do outro e encarando-o sério.

Por mais que quisesse acreditar que Matt havia parado com os roubos, não podia deixar de suspeitar dele, ainda mais pelo sumisso dele pouco antes do jantar. Esperava que ele tivesse o mínimo de educação e devolvesse qualquer coisa que tivesse pego sem ser visto ou causar mais alvoroço.

- Não - respondeu sem dar muita importância, fechando a porta e voltando para a própria cama. - Quer dormir?

- Sim.. - Respondeu Hong pensativo, dirigindo-se para a própria cama e esperando que se ajeitassem para desligar o lampião de gás.


No decorrer da noite, os uivos do vento tornaram-se mais frequentes e a temperatura baixou de forma tão brusca que nem mesmo o aquecimento foi o suficiente. O único som ouvido no local era o do vento, que escapava pelas frestas da construção e fazia com que uma corrente gelada atravessasse todos os cômodos.

As orbes safira abriram-se facilmente no frágil sono de um larápio. Encolhendo-se pelo frio, voltando o olhar para o lado e buscando o companheiro, que ainda encontrava-se adormecido, agora com as cobertas um pouco desalinhadas. Ele não sentia frio? Como podia dormir tão bem? Moveu-se entre a coberta, observando-o a distância enquanto inspirava aquele maldito odor de flores noturnas que havia empesteado sua cama, fazendo-o perder todo o sono.

Que tipo de pessoa tinha aquele cheiro afinal? Haviam tantas pessoas com cheiro de flores e perfumes, mas nunca tinha conhecido alguém de aparência simples que se assemelhasse tanto a tal "dama da noite" - uma flor pequena, branca e pouco chamativa que só de noite mostrava-se com o seu odor doce e intenso. Era uma analogia ao Hong? Além dele não ser muito alto - não que pudesse julgá-lo pequeno, deveriam ter uns seis centímetros de diferença apenas - não chamava a atenção se a pessoa não o conhecesse profundamente.

Continuou a encarar o templário, responsabilizando-o pelo maldito cheiro doce em sua cama, o frio intenso que sentia e o som horrível do vento que rompia sua linha de raciocínio. Era injusto que só ele dormisse bem naquele lugar, parecia uma pedra que estava alheia ao sofrimento dos outros.

Tais pensamentos fizeram um sorriso arteiro surgir nos lábios do loiro, que logo saltou para fora da cama e ignorou o frio do piso, indo até a cama do outro e puxando-lhe discretamente a coberta para tirá-la a parte superior do corpo do companheiro. Fazê-lo sentir um pouquinho de frio não faria mal a ninguém, não é? No máximo ele teria um ou dois pesadelos.

Sua atenção voltou-se para aquelas vestes marrons que ocultavam-o completamente do pescoço para baixo. Ele realmente gostava de agir e vestir-se como um noviço, não era? Se não fosse pelas roupas, todo mundo veria o quão magro e fraco ele era.

- Uhm.. - Um gemido baixo escapou dos lábios de Hong.

O corpo do espadachim virou-se para o lado do arruaceiro, encolhendo-se devido ao frio. Imediatamente o arruaceiro usou a arte de ocultar-se, mas logo percebeu que havia sido uma reação natural e o outro não tinha acordado, voltando a aproximar-se.

Ele estava com frio? Tinha que ficar com frio para sofrer um pouco! Matt deixou seu rosto próximo ao do outro, observando o rosto dele adormecido e aquela expressão de desconforto. O que ele queria? Fazer uma cena de donzela desprotegida para que parasse? E mesmo que o rosto do clérigo não se assemelhasse em nada a uma garota, acabou puxando novamente a coberta e cobrindo-o direito, insatisfeito por tê-lo ajudado.

- Deveria ter te deixado sozinho lá na torre do relógio.. Você só sabe atazanar a minha vida - disse com desgosto, levando o indicador ao rosto do outro e cutucando-o.

Um espadachim não deveria ter um sono mais leve? Todos os lugares que eles iam, se deixasse, Hong dormia direto até amanhecer, mesmo que houvessem monstros a espreita deles, ele continuava com o sono pesado. E, segundo Hong, nem sempre foi assim, mas agora sentia-se mais seguro para dormir porque não viajava sozinho.

- 'Cê é estranho, sabia..? - Comentou em voz baixa, passando as mãos nos fios castanhos e empurrando-os para longe daquele rosto. - Nunca te vi rir ou chorar, mas se esforça sempre tanto..

A respiração do outro alterou-se, indicando que ele estava para despertar. Imediatamente Matt usou suas habilidades de esconder-se, invadindo as trevas do quarto e ficando em silêncio para não incomodar mais o outro.

Piscando de forma preguiçosa, Hong acordou e focalizou os olhos na cama do lado, notando-a vazia. Logo depois sentou-se, olhando para todos os lados do quarto e não encontrando sinais do companheiro de viagens, ficando sério e acomodando-se novamente na cama, adormecendo sem demora, aliviado ao pensar que Matt talvez tivesse ido devolver o relógio para a dona da casa.


Pouco antes de amanhecer, o sono leve do gatuno foi interrompido novamente com o som de alguém no quarto. Buscando o responsável, logo encontrou o templário vestindo um pesado casaco e calçando suas grevas, pronto para sair do local. Normalmente Matt apenas ignoraria e voltaria a dormir, mas não pode conter a própria curiosidade, decidindo falar com ele.

- Onde vai? Aqui não tem igreja.. - Disse sonolento, lutando para manter os olhos abertos.

- Na verdade há sim, fica ao noroeste caso queira encontrar-me mais tarde.

- Você vai pra igreja nessa hora? - Riu baixo, só um fanático religioso para sair naquele frio e escuridão para rezar.

- A tempestade parou.. Falta uma hora para amanhecer, quero ir lá fora - disse, terminando de prender as grevas e arrumando a cama de forma superficial.

- Espera.. Vou com você - respondeu de forma preguiçosa, levantando-se e espreguiçando-se, logo sentindo o frio e voltando a encolher-se nas cobertas.

- Não precisa.. As dez horas estou de volta - Hong negou, não iria fazer nada importante e, se fosse seguido, o arruaceiro provavelmente ficaria entediado facilmente.

- Não, já disse que vou! - Respondeu chateado, não gostava que as pessoas ficassem dando palpite sobre o que dizia que faria.

Saltando de forma dificultosa na cama, o loiro pós-se a se arrumar, colocando seus três grandes casacos, calça de lã e as botas, vestindo-se de forma ligeira e logo encarando, o menor, com sono. Aonde ele queria ir afinal? Foi até o banheiro para jogar água no rosto, mas ao sentir a temperatura da água vinda da pia, desistiu e voltou pro quarto.

- 'Tô pronto, vamos?

Hong apenas concordou, saindo de forma discreta da casa para não acordar a senhora que lá residia e caminhando pela cidade escura e repleta de neve - essa mais fofa e gelada que na noite anterior. As respirações quentes de ambos chocavam-se no vento e tornavam-se visíveis no ar e quase que imediatamente as extremidades dos membros deles tornaram-se rosadas pelo frio.

Emburrado com tudo aquilo, Matt seguiu Hong em silêncio em passos lentos, vendo-o parar próximo a grande árvore no centro do local e fixar o olhar nela, admirando-a sem nada dizer. O que diabos era aquilo? Ele tinha chamado-o para ver a árvore? Se fosse para vê-la ligada, podiam fazer isso no início da noite, não precisavam chegar lá antes da alvorada.

- O que 'cê veio fazer aqui afinal? - Falou finalmente, aproximando-se do religioso e olhando-o entediado.

- Ver as estrelas.. - Respondeu, olhando bem para o alto do céu, mas só encontrando em seu campo de visão escuras nuvens.

- Ah.. Antes de virmos pra cá falaram que as estrelas de Lutie eram as mais bonitas, né? Mas viemos em uma temporada ruim, há muita nevasca nessa época - comentou, fazendo sentido o motivo de Hong sugerir Lutie para a viagem deles.

- Em Payon as árvores ocultam o céu, não é possível vê-las exceto no castelo real em pequena parte do ano, mas eu nunca pude ir lá.. Já em Prontera há tanta luz da cidade que elas ficam foscas no céu..

- Em Morroc o céu é bem brilhante e no nascer do sol parece que a areia está pegando fogo! - Comentou de forma animada, pois aparentava que Hong gostava desse tipo de coisa.

- Deve ser maravilhoso - comentou, virando-se para o companheiro. - Matt, há algo que desejo te perguntar.

O arruaceiro ficou sério quando percebeu que a atenção do templário estava em si. Ele tinha algo importante a dizer? Concordou com a cabeça, deixando os olhos fixos nas orbes castanhas.. Indiferente do que fosse, seria o próximo a falar também, tinha coisas que queria saber e era um bom momento para perguntá-las.

- Você roubou o relógio de nossa senhoria? - Indagou com seriedade, precisava de uma resposta para certificar-se de que ele havia devolvido-o naquela noite.

- Que?! - Fitou-o alarmado. Aquela pergunta era séria? Hong achava que havia roubado alguma coisa? Claro que sempre foi um ladrão excelente, mas não tinha feito nada para ele perguntar uma coisa dessas. - Não, não roubei! - Respondeu, ofendido.

- Certo, desculpe-me - disse, desconfortável pela reação negativa que o outro teve com sua pergunta.

- Depois de tudo que passamos juntos, você ainda pensa que eu sou ladrão, não é? - Perguntou com irritação, cruzando os braços e focando-se na árvore em busca de distração.

- Não queria ofendê-lo - disse com preocupação, virando-se para seguir rumo a igreja da cidade. - Volte para pousada, nos veremos mais tarde.

- Eu não sou ladrão, Hong! E mesmo que eu fosse, isso não muda quem eu sou! - Reclamou quando o outro afastou-se. Ele nem havia respondido a sua pergunta, não é?

Era esse pensamento que o moreno tinha ao seu respeito? Que não passava de um ladrão que devia ser vigiado? A mulher mesmo tinha dito que perdeu o relógio, então por que ele desconfiava tanto de si? E qual era o problema daquele maldito espadachim afinal? Se fosse só isso, mas ele ainda vinha agindo estranho! Ficava todo sério sem motivo e agora até cheirava sua roupa de cama! Se tinha alguém que devia ser vigiado, esse era o Hong!

Matt até pensou em voltar para a pousada, mas preferiu ficar vagando pela cidade esperando que o comércio abrisse para comprar algo para comer. Já acreditava que mesmo perguntando ao Hong o que tinha ocorrido no quarto, ele não responderia, porque estava cheio de suas falsas preocupações com o ladrão! Chutou um punhado de neve em um degrau de uma calçada, sentando-se ali em seguida e encolhendo-se.

- O que você pensa de mim afinal? - Perguntou-se angustiado, sentindo os primeiros raios da manhã surgirem e os filetes de luz baterem contra o gelo, cintilando como no mar. - Até que isso é.. bonito - sorriu com satisfação.


Durante a manhã, enquanto vagava pela cidade, Matt encontrou uma loja de presentes da região, entrando nela e achando coisas bem interessantes. Bolinhas de gude, pratos de louça, chapéus de natal e muitas outras coisas estranhas.

- Também temos ótimos enfeites de natal, senhor.. Deseja vê-los? - Perguntou a vendedora, admirada por ter um freguês de fora naquela época do ano.

Depois de horas de passeio, o arruaceiro retornou para a pousada pouco antes do almoço, agora encontrando a dona do local junto do Hong. A mulher parecia confusa e atordoada, enquanto Hong corria de um lado a outro, como se buscasse algo.

- Aconteceu alguma coisa? Ei, Hong! - o loiro tentou chamar a atenção deles, vendo a mulher sorrir de forma fraca e triste.

- Minha filha esteve aqui mais cedo para pegar o presente de aniversário de minha neta, ela havia escondido aqui. Eu pensava que ela já tinha levado-o, mas ela acha que deixou-o aqui. Não havia muita importância, mas o jovem Hong pareceu determinado a procurá-lo - disse a mulher visivelmente desconfortável, não queria exigir tanto assim de um hóspede.

- De modo algum, vou achá-lo - respondeu Hong em um tom forte, atípico em sua personalidade, enquanto abria armários e organizava-os em busca do item.

- 'Tá.. - O loiro concordou, estranhando de forma absurda aquela situação. Hong queria achar tudo que aquela velha perdia? Será que pensava que achar iria compensar por tê-lo chamado de ladrão? Suspirou com um ar de graça, virando-se para a escadaria. - Vou lá no quarto me trocar e ajudo 'cês a procurarem - disse, subindo.

Mal havia retirado alguns dos casacos e as botas, Matt ouviu a porta do quarto se abrir, escondendo o objeto que tinha em mãos no bolso, assustando. Imediatamente seus olhos se fixaram nos de Hong, que mostravam uma surpresa que logo converteu-se em fúria.

- O que você tem em mãos? - Perguntou o moreno, caminhando em passos firmes até o outro. Tinha certeza que tinha visto-o esconder algo dourado no bolso, no tamanho muito semelhante a um relógio de bolso.

- Não é nada - respondeu, fechando mais a mão dentro do bolso e tentando voltar a atenção casualmente a janela.

- Está mentindo! - Retrucou irritado, aproximando-se do outro e tentando puxar-lhe o braço para ver o que ele escondia. - Mostre-me, Matt!

- Não, que isso?! Para!! 'Cê tá louco?! - Falou surpreso, fazendo de tudo para soltar-se e afastar-se do templário. O que era isso? Ele tinha enlouquecido para agir desse jeito?

- Mostre-me!! - Agarrou o pulso do arruaceiro com força, conseguindo tirá-lo do bolso, mas vendo que ele havia deixado o objeto escondido.

Em um movimento rápido, Hong alcançou o casaco que ele ainda vestia e tentou tirar o relógio do bolso dele, mas o arruaceiro reagiu, movendo o corpo e acertando seu joelho no estômago do espadachim, fazendo-o perder o equilíbrio e cair. Com o movimento, consequentemente, Matt caiu para o lado, ouvindo um estalo do bolso onde escondia o item dourado e ficando visivelmente transtornado com isso.

- Som de vidro.. - Disse Hong, não acreditando que isso estava mesmo acontecendo. O vidro do relógio havia se quebrado? Então era mesmo verdade? Como Matt pode roubar alguém que havia recebido-os com tanta educação?

- Seu.. - o gatuno fechou os punhos com força, tentando controlar a fúria.

Será que Hong tinha noção do que estava fazendo? Mesmo tendo pedido desculpas por acusá-lo de roubo, estava julgando-o como ladrão enquanto nenhum outro daquele lugar havia o feito. Como o seu melhor amigo podia fazer isso consigo? De tantas pessoas, por que tinha de ser justo Hong? E pensar que havia considerado-o um amigo de verdade.

- Deixe de ser estúpido! Se há alguém aqui errado, esse alguém é você! - Falou, abrindo a janela do quarto e saltando para fora dele, usando a arte de ocultar-se logo em seguida. A última coisa que queria naquele momento era ser seguido por aquele imbecil que acusava-o de roubo.

- Volte.. - A voz de Hong falhou, levantando-se as presas e indo até a janela, mas vendo que Matt já havia desaparecido. - Volte, seu ladrão!! Devolva o que roubou!! - Gritou para que o afanador escutasse-o aonde quer que fosse. - Como pode fazer isso comigo?! - Indagou com angústia, tentando ocultar os sentimentos que balançavam-o daquela forma.

Depois de alguns minutos se recuperando, Hong desceu sério até o andar de baixo, vendo a velha dona da pousada sorrir tranquilamente enquanto começava a mesa para o almoço. Olhou-a fixamente por alguns momentos, tentando imaginar como contaria tudo para ela, prendendo-se na esperança de poder usar dinheiro para reembolso-la pelos furtos cometidos por Matt, apesar de nada substituir as memórias que ela tinha sobre os itens perdidos.

- Desculpe-me.. Senhora, eu - antes que pudesse continuar, ela interrompeu-o.

- Veja o que achei em uma das gavetas? - Comentou a velha senhora com um papel em mãos, nota de um joalheiro local. - Quando eu era jovem não era tão esquecida assim.. O joalheiro veio buscá-lo ontem e eu me esqueci, acredita? E pensar que aquele velho relógio só me dá problemas, espero que ele seja consertado.

Hong ficou imóvel enquanto ouvia-a falando, aproximando-se dela e pegando o papel, checando os dados e confirmando o que era dito. Ela havia esquecido que tinha entregue o relógio ao joalheiro? Será que por isso que não se alarmou e cogitou a possibilidade de roubo? Deveria ter pensado melhor antes de acusar seu amigo, mas o que Matt tinha no bolso então?

- E.. o presente de sua neta? - Perguntou atordoado, esperando que não tivesse feito um julgamento incorreto com o companheiro.

- Esse eu não tenho certeza, mas acho que já levaram daqui.. De qualquer forma, é só um urso de pelúcia, se não acharem-o, podemos comprar um novo na loja - comentou com ânimo, terminando de colocar a mesa para três. - Seu amigo não vai descer pro almoço?

- Eu.. Acho que não.. - Disse Hong, puxando uma cadeira e sentando-se. Estava sem fome agora, sentia um terrível sentimento dominando-o naquele instante. - Eu vou esperá-lo no quarto, desculpe-me - pediu, levantando-se e voltando para o quarto.

Sabia que mesmo se corresse pela cidade procurando-o, Matt poderia facilmente ocultar-se caso não quisesse vê-lo, então o melhor a fazê-lo era esperá-lo no quarto onde estavam todas as coisas de ambos, pois era impossível que o maior fosse embora sem levar sua bagagem. Como desculparia-se agora? Estava sendo sufocado pelo sentimento de culpa.


Horas se passaram e as cinco horas da tarde, a velha senhora bateu na porta do quarto dos rapazes, abrindo-a e vendo Hong sentado na cama com o semblante preocupado. De princípio ela ficou apreensiva, mas logo achou melhor falar ao menino.

- Seu amigo ainda não voltou? Essa noite terá uma tempestade forte, todos vão se recolher antes das seis da tarde - comentou, dependendo de onde o outro havia ido, era melhor que fossem buscá-lo.

- Tempestade? - Perguntou alarmado, levantando-se rápido e pegando sua armadura, começando a vesti-la. - Vou procurá-lo, acho que sei aonde ele pode ter ido.. Se ele voltar antes de mim, por favor, prenda-o aqui - pediu, arrumando-se o mais rápido possível e saindo do local.

- Certo - concordou a velha senhora, decidindo que era melhor preparar um lanche para quando os meninos voltassem.

Hong correu vestindo sua pesada armadura pela cidade, buscando Matt com os olhos e perguntando a algumas pessoas se haviam o visto. Depois de muitas respostas negativas e sentindo o vento ficar mais forte, não restou-lhe dúvidas que o companheiro deveria ter dirigido-se até a caverna da cidade, provavelmente para jogar suas frustrações nos fracos monstros do local.


Pouco depois do sino da igreja badalar seis da tarde, o arruaceiro voltou a pousada por orientação das pessoas da vila. No momento a última pessoa que desejava ver era o espadachim, mas sabia que teria de enfrentá-lo em algum momento e deixar claro que não havia roubado nada.

- Ah, seja bem vindo.. Oh, o outro menino não está com você? - Perguntou a velha senhora preocupada, escureceria logo e temia que os garotos, por não conhecerem a regiam, se perdessem na neve.

- O que?! - Exclamou o gatuno, sem entender o que a velha tentava dizer.

Depois da explicação, Matt sentiu-se extremamente bem só de imaginar o arrependimento que dominava Hong naquele momento. Jantou junto da velha senhora, esperando pacientemente o retorno do templário para mostrar-lhe o quão imoral ele era e que jamais deveria pensar ter capacidade de julgar alguém sem provas concretas.

Quando deu oito da noite e ainda não tinha sinais do retorno do clérigo, um sentimento de desconforto dominou a casa. A dona do estabelecimento olhava fixamente o relógio de latão, enquanto o gatuno andava de um lado para o outro, parando apenas para brincar com uma das adagas que havia pego em sua bagagem.

- A tempestade está piorando.. - Comentou quando fitou a janela, podendo ouvir os uivos do vento.

- Eu vou dar uma saída, falou? - Disse, já ficando impaciente e indo buscar o seu casaco para sair daquele lugar e buscar logo o idiota que desaparecida na neve.

- Espere.. É perigoso! - Tentou argumentar, mas quando viu o gatuno descer as escadas com várias adagas presa em cintos na calça e os pesados casacos, soube que se alguém ali teria forças de sair naquele vento, seria aquele aventureiro experiente. - Se não encontrá-lo, volte para cá.. É possível que ele tenha pedido abrigo em algum lugar.

- Eu vou achá-lo! - Respondeu com confiança, abrindo a porta e sentindo um vento tão forte que poderia paralizá-lo no lugar, precisando de grande esforço para caminhar na neve.

Por horas o rapaz lutou contra a sua fraca resistência ao frio e andou pela cidade, batendo nas portas das casas e pedindo informação as pessoas. Como ninguém via um cara com uma armadura enorme andando por ali? Tentou até entrar na caverna, mas o gelo cobria-a completamente e, segundo informações dos moradores próximos, a entrada da caverna estava assim desde a nevasca da noite anterior. Estava decidido a sair da cidade pelo sul quando, próximo ao muro de uma escadaria, ouviu uma voz.

- O que você está fazendo nessa neve? Vá para casa.. - Pediu com tristeza.

Os olhos do ladrão focalizaram-se em um boneco de neve. Em meio a surpresa e a confusão, o arruaceiro aproximou-se dele, querendo verificar se o que via era real. Tinha ouvido comentários, mas não imaginava que o boneco de neve falante fosse mesmo feito de neve, muito menos que ele falasse.

- 'Cê fala?

- É claro que eu falo.. Não que isso interesse aos turistas, normalmente eles não perdem muito tempo falando comigo. Na verdade, posso contar o número exato daqueles que pararam para conversar comigo - disse deprimido.

Como se já não fosse esquisito um boneco que falasse, mais esquisito ainda era descobrir que tal boneco tinha depressão. Mas Matt, por mais que acabasse prestando atenção no que os outros diziam, decidiu focar-se no que importava no momento.

- 'Cê viu um templário por aqui? Um pouco mais baixo que eu, ele tem a pele amarelada e os cabelos castanhos.. Tipo, usa uma armadura enorme, mesmo tendo um corpo magrelo! - Começou a gesticular, tentando explicar a aparência do outro para que o outro pudesse ajudá-lo.

- Ah, sim.. Mais cedo um templário passou por aqui, ele estava interessado em ouvir as minhas histórias, mas logo virou-se e foi embora.. Ele parecia bem atordoado - comentou o boneco de neve, tendo uma excelente memória de quem passava por ali.

O loiro não teve dúvidas sobre quem se tratava, não era qualquer pessoa que parava no meio da rua para ouvir histórias de bardos - ou no caso, bonecos de neve falantes. Ainda mais, o físico de Hong não deveria ser o mais comum naquela região em uma época de pouco turismo.

- Pra onde ele foi? - Perguntou sério, não querendo mais enrolação.

- Ah.. Ele passou pela ponte, foi para o campo. Imagino que se ele quisesse sair da cidade, provavelmente levaria malas e lembrancinhas, mas ele carregava só uma espada e.. - Mal pode concluir sua frase e viu o arruaceiro sair correndo. - Fiquei sozinho novamente - lamentou-se.


Diante do vento e a neve, o arruaceiro viu-se enfrentando mais uma vez uma situação difícil por alguém que parecia não gostar de si - ou ao menos, não confiar. Depois de andar por um longo tempo, avistou uma sombra não muito distante, um corpo branco que lembrava um Sasquatch, porém percebeu que não era por seguir em sua direção.

- Hong?! - Correu até a sombra, não tardando em distinguir o templário que tinha o corpo coberto de neve e o rosto vermelho.

- Pelos céus.. Você está bem - disse Hong, aproximando-se rápido do arruaceiro e segurando-lhe o pulso, quase como se buscasse se certificar que ele estava mesmo ali. - Precisamos sair daqui, há uma tempestade - falava em tom elevado para ser ouvido diante do vento

- Não me diga?! - Ironizou, puxando Hong para que ele voltasse pelo caminho que tinha vindo. - Vamos!

- Não, a cidade é longe.. - Resistiu, puxando o loiro para o outro lado. - Há uma cabana desse lado, vamos ficar nela até a tempestade passar.

Sem questionar, Matt seguiu-o e logo avistou a cabana, invadindo-a e fechando a porta. O local estava quase caindo aos pedaços e era frio, mas era bem melhor do que se expôr diretamente ao vento e a neve, além de ter uma área em seu centro onde poderia ser acendida uma fogueira. Hong jogou a armadura no chão, livrando-se de parte do gelo que cobria o seu corpo.

- Tire o seu casaco, ele ficará molhado pela neve - ordenou para o outro, que obedeceu sem muita disposição.

- Barreira de fogo! - Conjurou e logo acendeu uma fogueira no meio do local, aproximando-se do mesmo para aquecer-se. - O que 'cê 'tava pensando ao jogar-se no meio da tempestade? Cadé todo aquele "bom senso", hein?

- Perdoe-me - desculpou-se. Sabia que seu excesso de desculpas já não devia soar mais sincero, porém ainda assim tentava. - Estava buscando-o, procurei-o pela cidade e não te encontrei.

- Eu estava na casa do velho Noel, ele estava me ajudando em umas coisas - disse aborrecido. Agora que havia reencontrado, tudo o que pensou em gabar-se já não parecia tão importante. - Quer saber? Esquece..

- Não.. - Hong virou-se para o outro, tombando o corpo para frente e reverenciando-o de forma que sua testa tocasse o chão. - Peço perdão pelas minhas ofensas.

- O que 'cê 'tá fazendo, hein? - Perguntou, aproximando-se do outro e forçando-o a parar com aquilo. - Quem 'cê é afinal? O que planeja sendo legal comigo e depois acusando-me de roubo? E pra que ficou correndo na neve? Achou que eu sou burro pra não saber voltar pra casa?

- Não, está errado.. - Hong ficou surpreso ao ouvi-lo dizer todas aquelas coisas. Não achava-o burro e muito menos queria enganá-lo.

- Desde que a gente se conheceu 'cê é assim comigo! Uma hora trata-me super bem e depois 'cê faz coisas estranhas, tipo encarar-me sem motivo, ou fuçar a minha cama e me acusar de roubo! - Sacudiu o outro pelo ombro, queria uma resposta naquele momento, estava exausto de prosseguir com aquela situação toda.

- Não.. - Negou suavemente com a cabeça, mas sabia que enquanto desse brecha, mais perguntas viriam. - A culpa é minha! Eu fui estúpido eu não ter acreditado no que você dizia! Mas você sempre esteve perto de mim e quanto começou a desaparecer, eu queria um motivo! Eu queria que você fosse o ladrão, assim como odiaria se você fosse! - Falou com um tom forte e magoado, desvencilhando-se do outro e afastando-se.

O movimento das chamas, que era a única iluminação do local, pareceu tornar-se mais intenso quando os olhos castanhos fixaram-se em si com tanto ressentimento. Nunca havia visto Hong mostrar emoções tão fortes e agora que mostrava, parecia que o mundo dele desabava. Por que ele queria que fosse o ladrão?

- Eu te ofendi pra 'cê 'tar querer me prender? - Perguntou desconfortável, não era uma questão apenas de confiança, correto?

- Já disse que está errado! - Gritou, usando ambas as mãos para ocultar o rosto, precisando respirar fundo para acalmar-se e continuar. - Eu queria fingir que havia um motivo para você se afastar de mim.. Preferia que você fosse um ladrão do que admitir que eu deixei transparecer o que estava sentindo e adquiri seu desprezo. Sinto muito por tê-lo ofendido de tantos modos, sei que seria mais fácil se nós fossemos apenas amigos, mas..

- Espera! - Interrompeu-o, ficando confuso com tudo o que era dito. - Nós não 'tá se afastando! Nunca me afastei de 'cê! - Retrucou, o que havia feito afinal para que ele pensasse que estavam se distanciando?

- Mas.. Você sempre esperou-me e ficou na vigília enquanto eu dormia, mas depois você começou a fazer coisas por conta própria e.. - Não entendia. Claro que entenderia se ele quisesse mais independência e não queria sentir-se obrigado a contar-lhe tudo, mas a mudança de comportamento foi brusca.

- Eu não me afastei! Eu só me escondi porque 'cê tava.. tipo, agindo estranho. Quando chegamos aqui 'cê cheirou a minha roupa de cama! - Justificou-se, achando que citá-lo amenizaria o fato de ter vigiado-o as escondidas.

- Isso.. - Se o rosto de Hong já estava corado pelo frio, tornou-se mais intenso depois dele acusá-lo de tal forma, forçando-se a virar os olhos para o fogo por não ter capacidade de continuar falando enquanto o olhava. - É inevitável.. Eu estou apaixonado por você, é natural que eu faça coisas estranhas.. - Disse angustiado, se tivesse tido escolha, nunca diria seus sentimentos de tal maneira.

- 'Cê.. 'tá apaixonado por mim? - Perguntou hesitante, ficando igualmente desconfortável. Será que aquela cabecinha de noviço tinha ideia do que dizia? Aquilo era uma declaração!

- Não tenho certeza, provavelmente sim - admitiu novamente, ainda com os olhos fixos no fogo. - Antes achava-o comum e até mesmo bruto, mas conforme estive com você, passei a achá-lo atraente.. Às vezes o meu peito dói por não poder estar próximo de você, outras por estar próximo de você e não conseguir dizer-te nada..

- Então.. - Não sabia o que dizer, precisava responder-lhe, não é? Mas não era fácil responder a alguém que dizia coisas tão determinado e cheio de sentimentos. - Desculpa, Hong, eu.. - "não sou bom com as palavras", ia dizer, mas não conseguiu.

Seus olhos fixaram-se nos gestos do forte templário que nunca caia em batalha. As mãos dele trêmulas pousaram sobre os lábios, tentando prender os gemidos que começaram enquanto seus olhos ganhavam um brilho especial pelas lágrimas. Como gotas de chuva, as lágrimas desceram pelas bochechas coradas, criando um rastro úmido que iluminava-se pelo fogo.

- Hong.. 'cê.. - Se não sabia o que dizer-lhe antes, menos ainda agora ao vê-lo daquele jeito.

Na noite anterior pensou que nunca havia visto-o rir ou chorar, mas agora via-o no pior dos estados e arrependeu-se sinceramente por querer vê-lo como ele realmente era. Esse era mesmo o Hong Wang que conhecia? Ele parecia tão fraco e infantil chorando daquele jeito.. Onde estava o homem que dava sorrisos singelos e era educado com todos? A pessoa a sua frente não parecia em nada com ele.

- Desculpa, não chora não.. - Pediu, tentando aproximar-se do Hong e vendo-o recuar em um soluço.

Agora os olhos castanhos estavam nublados pelas lágrimas, sequer conseguindo visualizar direito o preocupado rapaz a sua frente. As mãos do arruaceiro recuaram, imaginando que talvez fosse melhor deixá-lo quieto chorando. Era humilhante quando se chorava, não é? Ainda mais quando estavam em um local sem saída e precisavam ficar se encarando até a nevasca passar.

O som do vento e do fogo queimando se tornaram mudos comparado aos soluços e gemidos do rapaz que chorava. Matt não pode deixar de pensar se havia ou não algo errado naquilo. Homens fracos que choravam ou só choravam os homens muito fragilizados? Estava com muitas perguntas e nenhuma resposta. E pensar que nem conseguia consolá-lo.

- Desculpa, Hong.. - Repetiu, encolhendo-se e voltando os olhos ao fogo. - Por que 'cê tá chorando? Não é bom que 'cê chore assim..

- M-mas.. - A voz do templário falhou, tirando uma das mãos da boca e esfregando com as mangas da roupa os olhos, querendo secá-los. Tentou tomar fôlego e recuperar-se, ganhando um tom abalado, porém compreensível. - Eu não queria te contar o que eu sinto de forma triste.. Disseram-me que se nós fazemos um desejo a uma estrela, ele se realiza e..

Instintivamente Hong dobrou os joelhos próximo ao corpo, apoiando a testa nestes e retornando a chorar. Por que sempre que pensava nisso não conseguia conter as próprias lágrimas? Deveria estar parecendo tão estúpido desse jeito, por que agora não conseguia ter mais força se já havia enfrentado coisas piores?

Os olhos de Matt fixaram-se no menor, aguardando pacientemente que ele dissesse. Tudo bem que ele chorasse ou que suas palavras saíssem tremidas, iria ouvi-lo até o fim, conforme ele se sentisse preparado. Era doloroso para ele, não é? Se era assim, iria esperar que ele se recuperasse, sem sair dali até que ele falasse tudo o que queria.

- Eu implorei aos Deuses, mas não há estrelas no céu.. Eu só queria rir com você, falar o que eu sinto de forma feliz.. Eu estou com medo, isso machuca..! - Seu peito apertava de forma tão intensa, preferia ser mutilado do que enfrentar tais sentimentos.

Por que não tinha conseguido declarar-se sorrindo? Sabia que o destino deles não era que ficassem juntos, mas era forte, não era? Deveria enfrentar tudo com um sorriso para continuar ao lado dele. Diante de si, já avistava a solidão.. Não conseguiria voltar atrás, seu coração não permitiria que sorrisse como se nada acontecesse.

- Hong - o loiro puxou-o pelo pulso, forçando-o a olhá-lo e aproximando os lábios dos dele para beijá-lo. Era isso que ele queria, não é? Se o beijasse, resolveria todos os problemas e ele pararia de chorar.

- O que você está fazendo?! - Virou o rosto antes que o toque ocorresse, fixando os olhos no chão. Ele não havia entendido? Estava machucado e não tinha como sua dor desaparecer só por ele tentar enganá-lo.

- Desculpa - soltou-lhe o pulso e recuou mais uma vez. Tinha feito algo errado? Não era isso que ele queria? - É por gostar de mim? Isso te deixa triste? É por que eu não sou bom em nada? Por eu ser um arruaceiro? Eu gosto de ser como sou, mas se você realmente odeia, eu mudo.. - Ofertou, era a única coisa que poderia oferecer-lhe para cessar suas lágrimas e falava a sério quando sugeria isso.

- Você não entende?! - Perguntou confuso, secando as lágrimas novamente e olhando-o magoado. - Machuca-me estar com você, amando-o dessa forma, mas sei que me sentirei sozinho quando nos afastarmos!

- Por quê..? - Piscou os olhos surpreso, realmente não compreendendo o que ele dizia. - Por que temos de nos afastar, Hong..? Não quero me afastar! Você é o meu companheiro, não é? Protegemos um ao outro e lutamos juntos! - Disse com determinação.. Ele não podia falar sério, estavão sempre juntos, por que mudar isso agora?

- Não vou conseguir que tudo volte a ser como antes.. - Rebateu com tristeza. Também não queria se afastar, mas agora que amava-o era inevitável. Deveria ter ficado calado, mas não conseguiu, queria que ele soubesse o que sentia.

- Não precisa ser como antes. Nós podemos namorar.. Dá até pra casar se quiser, só não dá pra casar na igreja! - Não era simples? Então por que ele continuava chorando? Se bem que casar era exagero, um compromisso sério demais para ambos.

- Você fingiria que me ama só para ficar comigo? - Hong voltou os olhos para ele, fazendo as lágrimas cessarem e olhando-o perplexo. Ele não podia estar falando sério.

- Mas eu amo você.. Eu também fico te observando as escondidas e escondendo-me como se fosse algo errado, também me sinto confuso com você e fico cheirando as suas coisas - por que cheirar a roupa de cama parecia ser a coisa mais bizarra que já haviam feito?

- Espere! Você não está dizendo isso apenas para não perder a nossa amizade, está? - Não podia acreditar.. Tinha ficado chorando por um amor correspondido? Impossível.

- Eu teria de amar muito alguém para mentir dessa forma só para ficar perto dela.. - Falou de forma racional, dando um sorriso leve e aproximando-se do templário, tocando-lhe na cabeça para confortá-lo.

O constrangimento apenas intensificou-se e o frio pareceu-lhe irrelevante quando veio a carícia em sua cabeça. Sentia-se patético por ter agido de tal forma, deveria ter tido um pouco de educação e, no lugar de buscar criar intrigas, ter declarado-se de forma direta e clara, sem causar desconforto para ambas as partes.

- Hong.. - o arruaceiro chamou o nome do outro no ouvido em um sussurro, puxando-lhe o rosto e selando com suavidade os lábios.

O beijo que era para ser lento e agradável foi rompido de forma brusca, pois o templário rompeu logo o toque e cobriu os lábios com a mão, olhando-o surpreso. O que era isso? Ele estava roubando-lhe seu primeiro beijo de forma indiscreta e sem qualquer aviso?

- O que você fez?! - Exigiu explicações.

- Foi só um beijo.. - Comentou, não entendo o motivo daquela reação.

- Só porque ficaremos juntos, não significa que seja correto ocorrer.. intimidades físicas! - Explicou-se, não agradando-lhe em nada tal intimidade.

- Mas.. Se é assim, será como se fossemos só amigos..? - Por algum motivo, achava que namorar com o outro seria algo bem mais complicado que a amizade deles.

- Não, será diferente.. - Negou, sentindo-se ainda mais encabulado por ter de enfrentar tais perguntas.

- Diferente como..? - Se não houvessem intimidades físicas, o que diferenciaria da amizade? - Ei, vai ter sexo, 'né?

- Não.. isso é.. Vergonhoso! - Falou constrangido, não podendo crer que a conversa tinha seguido por tal rumo.

- Se eu desejar para uma estrela, meus desejos se realizam? - Perguntou, mudando radicalmente de assunto.

- É o que dizem e.. O que isso tem haver? - Questionou, perdendo-se em meio a tantas coisas que ocorriam sem explicação.

- Ah, então vou desejar pra essa estrela aqui - disse, tirando um enfeite de árvore de natal de vidro pintado de dourado em formato de estrela. Haviam várias rachaduras nele, mostrando que ele havia sido colado recentemente.

- Isso.. - Hong observou com um pouco de surpresa. Era isso o que ele escondia? E deveria ter sido colado depois de tê-lo empurrado por pensar que ele havia roubado o relógio.

- O Noel me ajudou a colar, comprei em uma loja da cidade.. Então.. - Ficou pensativo, mas logo sorriu de forma aberta. - Vou pedir para que façamos sexo!

- Espere.. Não deve-se desejar essas coisas, se quiser algo, teremos de estar de acordo - falou Hong, tomando a estrela que ele tinha em mãos e fitando-a. Como ele podia corromper uma estrela com um desejo daqueles?

- Quer fazer sexo comigo? - Perguntou com malícia, brincando um pouco com o menor.

- Matt.. Eu posso ficar com isso? - Ignorou a pergunta dele, com a atenção voltada a estrela.

- É claro, comprei pra você.. - Respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Foi desse modo confuso que dois amigos diferentes iniciaram uma relação igualmente diferente. E, depois de de ficarem aos cuidados médicos do povo de Lutie por terem uma febre de quarenta graus, os jovens rapazes iniciaram uma nova aventura, mas essa é uma outra história.

Fim.

Autor: Antonio Carriedo (Contos de bardo~)
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