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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 2:23 pm



Última edição por x Shiki em Dom Jun 13, 2010 4:40 pm, editado 4 vez(es)
Shiki ~
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty A Criação

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 2:36 pm

A Criação

Primeiro, havia o Caos, que era o Nada do Mundo, e isto era tudo quanto nele havia. Nem Céu, nem Mar, nem Terra - nada disto havia. Apenas três reinos coexistiam: o Ginnungagap (o Grande Vazio), abismo primitivo e vazio, situado entre Musspell (o Reino do Fogo) e Niflheim (a Terra da Neblina), terra da escuridão e das névoas geladas.
Durante muitas eras, assim foi, até que as névoas começaram a subir lentamente das profundezas do Niflheim e formaram no medonho abismo de Ginnungagap um gigantesco bloco de gelo.
Das alturas abominavelmente tórridas do Musspell, desceu um ar quente e este encontro do calor que descia com o frio que subia de Niflheim começou a provocar o derretimento do imenso bloco de gelo. Após mais alguns milhares de eras - pois que o tempo, então, não se media pelos brevíssimos anos de nossos afobados calendários - o gelo foi derretendo e pingando e deixando entrever, sob a outrora gelada e espessa capa branca, a forma de um gigante.
Ymir era o seu nome - e por ser uma criatura primitiva, dotada apenas de instintos, o maniqueísmo batizou-a logo de má. Ymir dormiu durante todas estas eras, enquanto o gelo que o recobria ia derretendo mansamente, gota à gota, até que, sob o efeito do calor
escaldante de Musspell, que não cessava jamais de descer das alturas, eis que ele começou a suar. O suor que lhe escorria copiosamente do corpo uniu-se, assim, à água do gelo, que brotava de seus poderosos membros - e este suor vivificante deu origem aos
primeiros seres vivos. Debaixo de seu braço surgiu um casal de gigantes e da união de suas pernas veio ao mundo outro ser da mesma espécie, chamado Thrudgelmir. Estes três gigantes foram as primeiras criaturas, que surgiram de Ymir; mais tarde, Thrudgelmir
geraria Bergelmir, que daria origem à toda a descendência dos gigantes.Entretanto, do gelo derretido também surgira, além das monstruosidades já citadas,uma prosaica vaca de nome Audhumla, de cujas tetas prodigiosas manavam quatro rios,
que alimentavam o gigante Ymir. Audhumla nutria-se do gelo salgado, que lambia continuamente da superfície, e, deste gelo, surgiu ao primeiro dia o cabelo de um ser; no segundo, a sua cabeça; e, finalmente, no terceiro, o corpo inteiro. Esta criatura egressa
do gelo chamou-se Buri e foi a progenitora dos deuses. Seu primeiro filho chamou-se Bor,e, desde que pai e filho se reconheceram, começaram a combater os gigantes, que nutriam por eles um ódio e um ciúme incontroláveis.
Esta foi a primeira guerra de que o universo teve notícia e incontáveis eras sucederam-se sem que ninguém adquirisse a supremacia. Finalmente, Bor casou-se com a giganta Bestla e, desta união, surgiram três notáveis deuses: Wotan (também chamado
Odin), Vili e Ve. Dos três, o mais importante é Wotan, que um dia chegará a ser o maior de todos os deuses. E, porque assim será, um dia, ele próprio disse a seus irmãos:
- Unamo-nos a Bor e destruamos Ymir, o perverso pai dos gigantes!
Os quatro juntos derrotaram, então, o poderoso gigante, e com sua morte, acabou também a quase totalidade dos demais de sua espécie, afogada no sangue de Ymir. Um casal, entretanto, escapou do massacre: Bergelmir e sua companheira, que construíram
um barco feito de um tronco escavado e foram se refugiar em Jotunheim, a terra dos Gigantes, onde geraram muitos outros. Desde então, a inimizade estabeleceu-se,definitivamente, entre deuses e gigantes, cada qual vivendo livremente em seu território,
mas sempre alerta contra o inimigo.
Dos restos do cadáver do gigantesco Ymir, Wotan e seus irmãos moldaram a Midgard (Terra-Média): de sua carne, foi feita a terra; enquanto que, de seus ossos e seus dentes, fizeram-se as pedras e as montanhas. O sangue abundante de Ymir correu por
toda a terra e deu origem ao grande rio que cerca o universo.
- Ponhamos, agora, a caveira de Ymir no céu - disse Wotan a seus irmãos, após haverem completado a primeira tarefa.
Wotan fez com que quatro anões mantivessem a caveira suspensa nos céus, cada qual colocado num dos pontos cardeais. Em seguida, das faíscas do fogo de Musspell,brotaram o sol, a lua e as estrelas; enquanto que, do cérebro do gigante, foram
engendradas as nuvens, que recobrem todo o céu.
Entretanto, após terem remexido a carne do gigante, com a qual moldaram a terra,os três deuses descobriram nela um grande ninho de vermes. Wotan, penalizado destas criaturas, decidiu dar-lhes, então, uma outra morada, que não, o Midgard. Os seres
subumanos, que pareciam um pouco mais turbulentos que os outros, foram chamados de Anões e receberam como morada as profundezas sombrias da terra (Svartalfheim).
Os demais, que pareciam ter um modo mais nobre de proceder, foram chamados de Elfos e receberam como morada as regiões amenas do Alfheim.
Completada a criação de Midgard, caminhavam, um dia, Wotan e seus irmãos sobre a terra para ver se tudo estava perfeito, quando encontraram dois grandes pedaços de troncos caídos ao solo, próximos ao oceano. Wotan esteve observando-os longo tempo,
até que, afinal, teve outra grande idéia:
- Irmãos, façamos de um destes troncos um homem e do outro, uma mulher! E
assim se fez: ele foi chamado de Ask (Freixo) e ela, de Embla (Olmo). Wotan lhes deu a vida e o alento;
Vili, a inteligência e os sentimentos; e Ve, os sentidos da visão e da audição. Este foi o primeiro casal, que andou sobre a terra e originou todas as raças humanas que habitariam por sucessivas eras a Terra-Média.
Depois que Midgard e os homens estavam feitos, Wotan decidiu que era preciso que os deuses tivessem também
uma morada exclusiva para si:
- Façamos Asgard e que lá seja o lar dos deuses! - exclamou ele, que, como se vê, era um deus de energia e vontade inesgotáveis.
Este reino estava situado acima da elevada planície de Idawold, que flutuava muito acima da terra, impedindo que os mortais o observassem. Além disso, um rio cujas águas nunca congelavam - o Iffing - separava a planície do restante do universo. Mas, Wotan,
sábio e poderoso como era, entendeu que não seria bom se jamais existisse um elo de ligação entre deuses e mortais. Por isso, determinou que fosse construída a ponte Bifrost (a ponte do Arco-íris), feita da água, do logo e do mar.
Heimdall, um estranho deus nascido ao mesmo tempo de nove gigantas, ficaria encarregado, desde então, de vigiá-la
noite e dia para que os mortais não a atravessassem livremente no rumo de Asgard. Para isso, ele portava unia grande trompa, que fazia soar todas as vezes que os deuses cruzavam a ponte.
A morada dos deuses possuía várias residências, as quais foram sendo ocupadas pelos deuses à medida que iam surgindo. O palácio de Wotan, o mais importante de todos, era chamado de Gladsheim. Ali, o deus supremo linha instalado o seu trono
mágico, Hlidskialf, de onde podia observar tudo o que se passava nos Nove Mundos e receber de seus dois corvos, Hugin (Pensamento) e Muniu (Memória), as informações trazidas das mais remotas regiões do universo.
Entretanto, se na mais alta das regiões estava situado o paraíso daquele soberbo universo, nas profundezas da terra, muito abaixo de Midgard, estava o Niflheim, o horrível e gelado reino dos mortos. Lá pontificava a sinistra deusa ú, filha de Loki, que se regozija
Com a fome, a velhice e a doença, e que tem i lado a serpente Nidhogg. Esta se alimenta dos cadáveres dos mortos e se dedica a roer continuamente uma das raízes da grande árvore Yggdrasil, um freixo gigantesco que se eleva por cima do mundo e deita suas
raízes nos diversos reinos, entre os quais, o próprio Asgard. Ao alto da copa frondosa desta imensa árvore, sobrevoa uma gigantesca águia, que vive em guerra aberta contra a serpente Nidhogg. Um pequeno esquilo - Ratatosk -, que passa a vida a correr desde o
alto da Árvore da Vida até as profundezas onde está a terrível serpente, é o leva-traz dos insultos que estas duas criaturas se comprazem em trocar sem jamais esgotar seu infinito estoque de injúrias.
Nesta árvore fundamental, diz a lenda que o próprio Wotan esteve pendurado durante nove longas noites, com uma lança atravessada ao peito, para que pudesse aprender o significado oculto das Runas, o alfabeto nórdico, que rege e governa a vida
dos deuses e dos homens. Quando seu martírio terminou, Wotan havia se tornado, definitivamente, o mais poderoso e sábio dos deuses, tendo o poder de curar doenças e de derrotar os inimigos com sua poderosa lança, Gungnir - ao mesmo tempo, sua mais
poderosa arma e local de registro de todos os seus acordos.
Yggdrasil é o centro do mundo, e, enquanto suas raízes continuarem a suportar o peso de seu prodigioso tronco e de seus ramos infinitos, o mundo estará firme e a vida será soberana, sob os auspícios de Wotan, senhor dos deuses.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Loki e o construtor do muro

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 6:42 pm

Loki e o construtor do muro


Durante muitos anos, os deuses viveram junto com os mortais até que, um dia,Odin, o maior dos deuses, teve a idéia de construir Asgard, a sua morada celestial. Era preciso que os deuses tivessem um local só para si, resguardado dos ataques dos seus
terríveis inimigos, os Gigantes. Nem bem, porém, haviam terminado de construir a cidade, depararam-se todos com um grande problema: é que, na pressa, esqueceram de construir também uma sólida muralha para se proteger de um eventual ataque de seus pérfidos inimigos. Odin e Loki estavam conversando sobre o assunto, tendo ao lado outros deuses, como Tyr e Heimdall, quando, de repente, viram passar perto um cavaleiro.
- Uma bela construção a que fizeram...! - disse ele, admirando a arquitetura da divina cidade. - Mas, onde está o muro que deveria protegê-lo?
Os deuses, constrangidos, foram obrigados a confessar que haviam esquecido desta parte.
- Ora, mas isto não é problema! - disse o forasteiro. - Sou o mais hábil construtor do mundo e posso erguer um belo e fortificado muro, se assim desejarem.
Um sorriso de satisfação iluminou a barba ruiva de Odin. Loki, também satisfeito acenou para o homem e lhe disse:
- E quanto tempo levará para terminá-lo?
- Em um ano e meio estará perfeito e acabado.
- Muito bem, pode começá-lo imediatamente! - disse Loki, aplaudindo o construtor.
- Esperem! - bradou Odin, interrompendo tudo. - O senhor disse que é o melhor construtor de todo o mundo, não é?
- Sim, honro-me de sê-lo!
- E, o que pede para realizar a sua tarefa? - quis saber o deus supremo, já imaginando que o hábil construtor não pediria pouco.
- Quero a mão da bela Idun em casamento - disse o outro, confirmando as mais negras previsões do maior dos deuses.
Idun era a deusa da juventude e cuidava do pomar onde brotavam as maçãs a juventude, graças às quais os deuses permaneciam sempre jovens e saudáveis.
- Ora, desapareça daqui! - disse Tyr, o mais valente dos deuses, brandindo o seu único punho para o atrevido.
Heimdall, o guardião da ponte Bifrost, que conduzia a Asgard, como não podia falar,protestou tocando sua cometa tão alto no ouvido do estrangeiro, que construtor sofreu um sobressalto e precisou de alguns minutos para recuperar inteiramente a audição. Quanto
aos demais deuses, já iam todos dando as costas, incluindo Odin, quando ouviram Loki dizer ao atrevido forasteiro:
- Muito bem, se puder construir em seis meses, o negócio está fechado! Todos os rostos voltaram-se, alarmados, para o imprevidente deus.
- Imporemos apenas a condição de que realize sozinho a sua tarefa e no espaço de um único inverno - disse ainda Loki, sem se importar com as censuras que faiscavam no olhar de seus colegas. Para estes, entretanto, disse à boca pequena:
- Não se preocupem: em seis meses, ele não terá construído nem a metade do muro, o que o obrigará a nos entregá-lo de graça!
- Trato feito! - disse o construtor, que pareceu muito satisfeito com a proposta. No mesmo instante, desceu de seu cavalo Svadilfair e meteu mãos à obra. Acoplando um trenó à cauda do cavalo, ele começou a empilhar e a arrastar enormes pedregulhos pela neve com tanta vontade e determinação, que todos os deuses empalideceram, menos Loki, que olhava para o homem com um sorriso irônico.
- Não se aflija, bela Idun! - disse ele à infeliz deusa, que vertia pelos olhos pequeninas lágrimas douradas. - São fanfarronices do primeiro dia; amanhã, ele á estará exausto e jamais conseguirá terminar o muro dentro do prazo estipulado!
Mas, no segundo dia, o ritmo não diminuiu; na verdade, aumentou e, ao fim do primeiro mês, o estrangeiro já havia construído um bom pedaço, grande o bastante para deixar em pé os cabelos de Odin.
- Loki, seu idiota...! - disse ele, chamando o responsável pelo iminente desastre. - Se a coisa for neste passo, antes mesmo dos seis meses, ele terá concluído o maldito muro e perderemos Idun e as maçãs da juventude! Não lhe passou pela cabeça, cretino, que este construtor pode ser um gigante disfarçado a tramar a nossa destruição? - indagou Odin a Loki, que cocava a cabeça, com um ar culpado.
Idun, por sua vez, observava noite e dia, com desolação, a movimentação do construtor e cada pedra que ele depositava a mais sobre o muro, era um golpe cavo que soava em seu peito. Seus olhos estavam sempre postos sobre as costas suadas do
infatigável construtor e de seu portentoso cavalo que arrastava no trenó, sem um minuto de descanso, os grandes pedregulhos.
O tempo passou e faltavam agora somente cinco dias para a chegada do verão e um pequeno trecho para que o muro estivesse concluído.
Odin fez um sinal para que Heimdall fizesse soar a sua trompa, convocando os deuses para uma reunião de emergência.
- E agora, seu tratante? - disse Odin, tão logo avistou Loki adentrar o salão. - Já que foi esperto o bastante para nos meter nesta enrascada, trate de arrumar um jeito de nos tirar dela, caso contrário, você irá para o sombrio Niflheim, onde sofrerá torturas tão cruéis
que nem mesmo sua filha Hei o reconhecerá!
- Verei o que posso fazer, poderoso Odin - disse Loki, o qual, se era imprevidente a ponto de se meter a todo instante em enrascadas, não era menos hábil em se safar destas mesmas situações.
Loki internou-se numa grande floresta e, naquela mesma noite, enquanto o construtor trabalhava com a ajuda de seu cavalo, ele retornou de lá transformado numa belíssima égua branca. Postando-se diante do cavalo do construtor, a égua começou a relinchar melodiosamente (tanto quanto um eqüino possa ter alguma melodia), o que fez com que Svadilfair arrebentasse, afinal, os freios que o mantinham preso ao trenó e
seguisse a égua floresta adentro.
- Ei, espere, aonde vai? - gritou o construtor, espantado.
O cavalo, entretanto, lançara-se numa corrida tão desenfreada que, por mais que seu dono tentasse alcançá-lo, não pôde fazê-lo. Depois de descansar um pouco e refletir,porém, o construtor farejou naquilo o dedo de Loki.
- É claro! - exclamou furioso. - Tão certo quanto sou um gigante disfarçado de construtor, esta égua não passa do maldito Loki disfarçado!
O gigante, então, vendo que não conseguiria terminar o muro sem o auxílio de seu prodigioso cavalo, resolveu reassumir a sua forma natural para tentar completar a tarefa.
Odin, contudo, que a tudo assistia de seu trono, exclamou tomado pela ira:
- Tal como eu imaginava: o tal construtor não passa, na verdade, de um maldito gigante!... Ótimo, pois com isto fico também desobrigado de meu juramento! - Odin suspendeu no ar a mão que alimentava seus dois lobos, Geri e Freki, e ordenou,imediatamente, que um servidor fosse chamar seu filho Thor.
- Thor, preciso que, mais uma vez, faça uso de seu martelo Miollnir para derrotar este gigante impostor! - disse Odin, depositando todas as esperanças em seu valente filho.
Thor não esperou segunda ordem: empunhando seu martelo e afivelando bem à cintura o seu cinto de força, foi até o gigante, que empilhava, freneticamente, imensos pedregulhos no afã de terminar logo a sua tarefa. O rio de suor, que lhe escorria dos
membros, fizera com que a neve ao seu redor tivesse derretido toda.
- Ora, vejam...! - disse Thor, ao se aproximar dele. - O pequeno construtor virou,
então, de uma hora para a outra, um gigante atarefado?
- Fique longe de mim! - disse o outro, carregando em desespero a última pedra que faltava para completar o muro.
Porém, antes que tivesse tempo de colocá-la sobre o último vão do muro, Thor arremessou seu martelo com tal força e velocidade, que a cabeça do gigante se esmigalhou inteira.
- Aí está, patife, o seu pagamento! - disse o deus, recolhendo Miollnir. O gigante teve, logo em seguida, o restante de seu corpo jogado nos gelos eternos de Niflheim.
- E então, tudo correu bem? - disse Odin ao filho, tendo ao lado Idun.
- Já deve estar construindo seus muros na terrível morada de Hei! - disse Thor,enquanto retirava sua pesada luva de ferro.
Todos os deuses regozijaram-se com uma grande festa, aliviados que estavam pela derrota do gigante. Entretanto, em meio a ela, alguém perguntou:
- E Loki? Que fim levou o espertalhão?
De fato, Loki havia desaparecido de Asgard desde o instante em que entrara na floresta com o garanhão do gigante. Durante muito tempo, ninguém ouviu falar dele até que, um belo dia, ressurgiu, trazendo um belíssimo e prodigioso cavalo negro de oito
patas.
- Ora, viva! Finalmente, reapareceu! - exclamou Odin, que, no entanto, parecia mais interessado no cavalo do que no deus desaparecido.
- Apresento a vocês Sleipnir, o cavalo mais veloz do universo! - disse Loki, todo sorridente.
Loki, por mais incrível que possa parecer, tornara-se pai de um cavalo; mas, para quem já havia sido anteriormente pai de um lobo e de uma serpente, não havia nisto nada de surpreendente. Entretanto, percebendo que Odin apaixonara-se, perdidamente, pelo cavalo, tratou logo de lhe dar o animal de presente na esperança de fazer com que esquecesse, rapidamente, de suas trapalhadas.
E foi assim que Odin se tornou dono do cavalo mais veloz do universo.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Thor e seu criado Thialfi

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 7:09 pm

Thor e seu criado Thialfi


Thor, o deus do trovão, tinha um fiel servidor chamado Thialfi. Eles se conheceram da seguinte maneira: Thor e o astucioso Loki haviam decidido ir até a Terra dos Gigantes (Jotunheim) para que Thor desafiasse aqueles arrogantes seres a uma disputa de força, bem ao gosto da época. Após um dia de cansativa viagem, entretanto, resolveram fazer pouso numa casa muito pobre - pois era a única que avistaram nas proximidades.
Thor desceu sua carruagem puxada por dois vigorosos bodes e junto com Loki pediu alojamento por aquela noite. Estavam já sentados à mesa para matar a fome de um dia inteiro de caminhadas, quando Thor percebeu que aquela frugalíssima refeição não seria
nem de longe o suficiente para saciar o seu monstruoso apetite.
- Só isto: duas nozes e um pedaço rançoso de queijo? - disse Thor, com o semblante irado, ao dono da casa e à sua mirrada esposa.
- É o que a pobreza nos permite, poderoso deus...! - disse o humilde anfitrião.
Mas,neste momento, ele escutou o balir de suas duas cabras, que estavam lá fora, no pequeno redil.
- Garoto, vá até lá e traga já os dois animais! - disse Thor a Thialfi, que era o filho do dono da casa.
Thialfi deu um olhadela em seus pais e estes confirmaram, sem coragem para contestar o desejo do irascível deus. Num instante, as duas cabras estavam na sala apertada, espremidas com os demais.
- Matem-nas e façam uma bela caldeirada! - disse Thor ao casal.
O velho, entretanto, temeroso de que isto pudesse enfurecer o deus, disse:
- Mas, poderoso deus, são as suas cabras!...
- Loki, mate-as você, já que nossos anfitriões se recusam a nos saciar a fome! -bradou Thor, com o semblante ainda mais irado.
Loki deu cumprimento à ordem, e logo os pedaços das duas cabras estavam nadando dentro de um imenso caldeirão. Thor e Loki comeram com imenso prazer, mas Thialfi e seus pais mal puderam mastigar alguns bocados, pois temiam estar cometendo
algum sacrilégio.
Thor custou a perceber a angústia dos anfitriões, mas, uma vez avisado por Loki, tratou de lhes acalmar a aflição.
- Não se preocupem - disse ele, com a barba ruiva manchada pelo molho. - Basta que recolham os ossos das duas cabras e os coloquem dentro de suas respectivas peles e amanhã os animais estarão inteiros outra vez.
O rosto dos anfitriões iluminou-se e, somente então, puderam comer a refeição - ou pelo menos o que sobrara dela - com gosto e alegria.
Loki, entretanto, dominado pelo seu furor em armar confusões, decidiu aprontar uma para cima daqueles pobres coitados. Cochichou,matreiramente, ao ouvido de Thialfi:
-Thor não lhes deixou grande coisa: veja só o que restou...!
De fato, dentro do caldeirão restavam apenas os ossos das duas cabras, lisos como
pedras.
- Abra um deles e chupe o tutano! - cochichou ainda a Thialfi. - Verá que não há nada mais saboroso do que o tutano de uma bela cabra cozida!
O jovem, esfomeado, seguiu o conselho e saboreou o petisco. Terminada a refeição,foram todos deitar, não sem antes devolver os ossos às respectivas peles.
Nunca uma noite foi tão contrastante como aquela, pois enquanto os dois visitantes dormiam e roncavam como duas sonoras tubas, os moradores da casa não podiam desgrudar os olhos, lá de seus miseráveis leitos, das peles recheadas de ossos, que
jaziam atiradas a um canto. Mesmo quando tentavam fechar os olhos para dormir um pouco, tudo o que conseguiam ver nesta modorra angustiante era as duas cabras desconjuntadas, tentando se manter, desesperadamente, em pé e o deus tomado pela
ira, arrebentando com tudo.
Porém, tão logo amanheceu, o velho dirigiu-se humildemente a Thor, e disse, enquanto fazia girar em suas encarquilhadas mãos o seu velho gorro:
- Poderoso Thor, será que elas voltarão a ser como eram...?
- Elas quem?... - disse o deus, com as barbas emaranhadas pelo sono.
- As suas cabras! - disse o velho, apontando para as peles cheias de ossos.
- Ah, sim! - exclamou o deus, tomando de seu martelo Miollnir. - Aproximando-se, então, dos restos dos animais, tocou-os com o martelo e eis que ali estavam outra vez,inteiros c saudáveis, os dois animais!
- Viva! - exclamou Thialfi junto da mãe, que batia palmas feito uma criança.
Mas cedo desfez-se a alegria, pois logo Thor percebeu que uma das cabras coxa.Thor, encolerizando-se, ameaçou matar a família inteira, enquanto Loki tapava a boca com a mão para esconder o riso.
Os dois velhos arrojaram-se diante do deus e clamaram de mãos postas:
- Por favor, poderoso Thor! Perdoa a gula de nosso irresponsável filho! Há muitos meses que não sabia o que era provar o gosto de uma carne!
Mas, Thor estava irredutível e prestes a fazer descer seu pavoroso martelo sobre a cabeça dos infelizes quando o velho, em desespero, disse-lhe:
- Leve consigo o meu filho! Ele será seu escravo para sempre! Somente então, Thor sentiu aplacar sua ira.
- Está bem, levarei o jovem comigo! - disse ele, encaminhando-se para a porta, juntamente com Loki, o causador de tudo.
E foi assim que, ao mesmo tempo, Thialfi tornou-se o servo predileto de Thor e dois pobres pais perderam o animo de sua velhice.
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Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 7:12 pm

Thor em Jotunheim


O deus Thor, filho de Odin, estava viajando rumo a Jotunheim, a terra dos
Gigantes, junto com Loki e seu criado Thialfi, quando chegaram todos a uma grande
floresta.
- Alto! - disse ele, erguendo o braço. - Vamos parar aqui e procurar um lugar
protegido para passar a noite.
Cada qual seguiu para um lado até que Thor exclamou:
- Acho que encontrei um bom lugar!
Thor estava diante da entrada de uma imensa caverna; portando um archote, ele
adentrou-a junto com os demais.
- É um lugar amplo e bem seco! - disse o servo Thialfi.
- Será que não é a toca de algum animal? - perguntou Loki.
- Vamos ver! - disse Thor, avançando mais para o interior.
Após investigar com cautela o local, perceberam que estava desabitado.
- Vejam! - exclamou Loki. - Há várias câmaras por aqui!
De fato, a caverna bifurcava-se em cinco câmaras amplas e separadas do tamanho
de grandes salões.
- Vamos passar a noite nesta - disse o deus do trovão, acomodando-se junto com
Loki e Thialfi na mais ampla das câmaras.
Os viajantes dormiram um bom pedaço da noite, quando, subitamente, foram
despertados por um tremendo baque seguido de um ruído assustador, que lembrava o
grito de mil ursos.
- O que foi isto? - exclamou Loki, pondo-se em pé.
Thor e Thialfi ficaram alertas, mas ao ruído seguiu-se um profundo silêncio. Então,
todos voltaram a dormir e, como o ruído assustador não voltasse a acontecer, estiveram
em paz o restante da noite.
Na manhã seguinte, saíram todos da caverna.
- Que ruído pavoroso terá sido aquele? - indagou Thialfi, que ainda estava intrigado
com o incidente da noite.
- Esqueça - disse Thor -, florestas escuras como estas são pródigas em ruídos
misteriosos.
Mas, o deus estava enganado, pois, logo adiante, deram de cara com um
monstruoso gigante que, estirado na relva, ainda dormia profundamente.
- E esta agora? - disse Thialfi, amedrontado.
- Vamos embora, antes que ele acorde! - sussurrou Loki, dando as costas do
gigante. Infelizmente, a orelha dele era tão grande, que captou o sussurro dos três e,
logo, seus gigantescos olhos abriram, cobertos por remelas do tamanho de batatas fritas.
- Quem são vocês e o que fazem aqui? - gritou a criatura prodigiosa, erguendo-se
com uma rapidez espantosa para alguém do seu tamanho e se pondo i procurar algo com
grande avidez.
- Sou o poderoso Thor e venho com meus companheiros de Asgard no rumo de
Jotunheim - disse o deus, empunhando por cautela o seu martelo Miollnir.
Mas o gigante continuava a andar de lá pra cá, sem dar muita atenção aos
forasteiros até que, de repente, deu um grande grito:
- Ah, achei!...
Era a sua luva, que Thor e os demais haviam tomado por uma caverna. E a câmara,
que todos haviam achado confortável e espaçosa, não era mais do que o polegar da luva!
- Sou Skrymir e vou indo também para Jotunheim - disse ele, enquanto ajeitava a
luva. - Por que não vamos todos juntos?
Loki deu uma olhadela para Thor, mas este fez um sugestivo sinal com o martelo
para que aceitassem o convite do gigante.
Após uma rápida refeição, seguiram em frente, tentando a muito custo acompanhar
as enormes passadas do gigante, que andava adiante deles, balançando nas costas sua
ruidosa mochila de provisões. Ao ver, entretanto, que os asgardianos também levavam
algum mantimento, declarou com a mais cândida das vozes:
- Hum... vejo que vocês também têm o seu farnel! Partilhemos, então, como bons
companheiros de viagem, as nossas provisões...!
Skrymir tomou as mochilas dos três e as introduziu dentro da sua e, com isto, estava
feita a partilha.Assim, viajaram durante todo o dia com o gigante regalando-se de hora em
hora, ao mesmo tempo em que os outros penavam sede e fome contínuas, até que o dia
escureceu novamente e todos acomodaram-se sob uma grande árvore para descansar e
passar a noite. O gigante, entretanto, antes de começar a roncar disse aos outros para
que se servissem, livremente, dos mantimentos que havia em abundância na sua mochila,
acrescentando cinicamente: "dormir de estômago vazio provoca pesadelos".
Não houve uma transição muito grande entre suas palavras e seu sono, pois antes
que sua boca se fechasse novamente, fez-se ouvir por toda a floresta o som de seu
poderoso ronco. Enquanto isso, Thor, tão faminto quanto os seus companheiros, tentava
abrir a maldita mochila. Infelizmente, ela estava tão bem amarrada, que foi impossível
desatar-lhe um único nó. Depois de lutar por um longo tempo com os nós cegos, Thor
acabou por perder de vez a paciência e exclamou, irado:
- Definitivamente, este gigante sujo está debochando de nós!
O deus agarrou o seu martelo e avançou para o gigante, que permanecia
adormecido, e desfechou um furioso golpe em sua testa. Um estrondo cavo ressoou por
toda a floresta, como se um pavoroso trovão tivesse eclodido.
- O que houve? - disse Skrymir, abrindo um de seus olhos. - Oh, esta árvore deve
estar cheia de ninhos de pássaros, pois acaba de cair uma pena de um filhotinho sobre a
minha testa. - Depois, voltando-se para Thor e seus companheiros, perguntou: - Como é,
já fizeram a refeição...? - Mas, antes que o deus pudesse responder - e certamente
reclamar - Skrymir já havia adormecido outra vez.
Thor, inconformado com a desastrada tentativa, empunhou novamente o seu martelo
e chegando ao pé do gigante desferiu-lhe novo golpe, agora, sobre o topo do crânio.
Skrymir acordou e levando a mão à cabeça, resmungou:
- Diacho! Agora foi uma noz que caiu! - Em seguida, virou de lado e voltou a dormir,
como se nada houvesse acontecido.
Loki e Thialfi observavam as infrutíferas tentativas de Thor sem nada dizer,
temerosos de que a ira do deus acabasse por se voltar contra eles. Thor resolveu esperar
que o dia começasse a amanhecer para tentar um último e definitivo golpe. "De manhã
estarei descansado e, então, darei cabo deste miserável!", pensou, acomodando-se para
dormir.
Tão logo o sol raiou, ele se pôs em pé, mais disposto, embora ainda esfomeado e
percebendo que o gigante ainda dormia profundamente, tomou de seu martelo e aplicoulhe
um golpe tão violento, que o instrumento se enterrou até o cabo dentro da cabeça do
desgraçado, que acordou com um grande bocejo.
- Ou estou muito enganado - disse ele, alisando os cabelos - ou algum passarinho
largou uma titica sobre a minha cabeça! - Pondo-se em pé, Skrymir conclamou os demais
para que também acordassem.
- Vamos, preguiçosos...! - disse ele, estendendo os braços e derrubando dezenas de
árvores à direita e à esquerda. - O sol está alto e Jotunheim já está perto!
Já haviam começado a andar, quando Skrymir resolveu advertir-lhes:
- Preparem-se, pois lá encontrarão gigantes de verdade!
- Quê? - exclamou Thialfi, incrédulo. - São ainda maiores do que você?
- Maiores...? Você deve estar brincando! - disse o gigante, dando uma sonora
gargalhada. - Meu nanico, logo vocês verão que eu não passo de um anão perto deles!
Andaram mais um pouco, até que chegaram a uma grande encruzilhada.
- Muito bem, aqui nos separamos - disse Skrymir abruptamente.
Os três entreolharam-se, surpresos, não sem uma ligeira e indisfarçada
manifestação de alívio.
- Mas você não vai para Jotunheim? - perguntou Loki.
- Não, vou para o norte, mas vocês devem seguir a estrada que vai para leste. Doulhes,
entretanto, o conselho para que evitem se mostrar arrogantes quando chegarem à
terra dos gigantes, pois os habitantes do lugar, e em especial Utgardloki, não admitem
que forasteiro algum demonstre presunção diante deles - ainda mais, umas formiguinhas
feito vocês.
Antes que Thor pudesse responder, o gigante já estava tomando o seu rumo.
- Adeus, amigos! Foi um prazer viajar ao seu lado! - disse Skrymir, lançando para as
costas a sua recheada mochila. Com duas ou três passadas, desapareceu pela floresta,
deixando Thor e os outros a caminho do país dos gigantes.
***
Os três companheiros já haviam caminhado bastante desde a separação, quando
avistaram uma cidade no fim de uma extensa e elevada planície.
- Vejam, lá está um grande palácio! - disse Loki, apontando para a construção, que
mesmo de longe já era imensa.
Aquele era o castelo de Utgardloki, um dos reis de Jotunheim, o qual, embora o
nome, não tinha parentesco algum com o acompanhante de Thor.
Na verdade, era um palácio tão alto que ao tentar avistar a mais alta de suas torres
quase caíram todos de costas. Quando baixaram os olhos, novamente, deram-se conta
de que os imensos portões estavam fechados.
- E agora, poderoso Thor? - disse o servo Thialfi, cocando a cabeça.
- Vamos tentar abri-los à força - disse o deus do trovão, apoiando as duas mãos na
porta maciça, enquanto retesava os músculos das pernas para tentar entrar no palácio.
Loki e o criado uniram-se aos esforços do deus, mas foi tudo em vão: as portas não
moveram-se um único milímetro.
- Ufa!... - exclamou Loki, enxugando o suor da testa. - Por que não tentamos bater a
aldrava?
De fato, havia uma gigantesca aldrava de bronze colocada no meio do portão, mas
estava fora do alcance de qualquer um deles. Então, Thor, depois de estudar melhor a
porta, descobriu que havia uma pequena fenda entre as duas pesadas folhas. Para os
gigantes era uma fenda tão desprezível que seus olhos não podiam nem percebê-la, mas,
para os visitantes, era uma passagem perfeitamente possível de ser atravessada - desde,
é claro, que não se importassem em se espremer um pouquinho.
- Vamos entrar neste palácio nem que seja a última coisa que eu faça! - exclamou
Thor, que possuía em grau admirável a virtude da persistência.
Thor se espremeu, então, até conseguir ultrapassar a estreitíssima fenda, sendo
seguido imediatamente pelos dois companheiros.
- Ótimo! - exclamou Loki. - Já estamos dentro!
- Chhh! - fez Thor. - Temos de pegá-los de surpresa, senão nos expulsarão daqui
antes mesmo que estejamos em seu salão. Ou esqueceu que deuses e gigantes são
inimigos implacáveis?
Os três foram avançando, assim, pé ante pé, enquanto vozes retumbantes ecoavam
pelos corredores. Por diversas vezes cruzaram com sentinelas postados à margem dos
vastíssimos corredores, mas eles eram tão imensos em comparação com os intrusos,
que, a menos que tivessem olhos nas canelas, jamais teriam sido capazes de percebêlos.
- É ali o salão dos gigantes! - disse Thor aos demais.
Tomando a dianteira, o deus escalou um pequeno banquinho e se fez anunciar dali
com sua portentosa voz, que, no entanto, diante do vozerio assumiu as proporções
diminutas do zumbido de um mosquitinho.
Loki, sempre apreciador do ridículo, seja humano ou divino, fazia um grande esforço
para controlar o seu riso, enquanto que o criado Thialfi fingia ter perdido algo pelo chão.
Tomando, então, Miollnir, o seu poderoso martelo, Thor começou a malhar o banco onde
estava até fazê-lo em pedaços.
- Atenção, todos! Sou Thor e vim aqui para desafiá-los!
Algumas cabeçorras, atraídas pelo ruído do martelo, voltaram-se para a direção de
onde provinha aquele minúsculo, mas agora nítido ruído. Ao avistar Thor, entretanto,
puseram-se a rir, deliciados, apontando para os visitantes dedos enormes como toras de
carvalho desprovidas de ramos.
- Oh, então, você é Thor, o famoso deus do trovão? - exclamou uma voz, postada na
ponta da grande mesa onde estavam assentados os gigantes. Ela pertencia a Utgardloki,
o maioral do lugar.
- Sim, é Thor, o matador de gigantes, quem está à sua frente! - esbravejou o deus
num assomo verdadeiramente admirável de audácia.
- Oh, longe de nós querermos pôr à prova a veracidade de suas palavras - disse o
líder dos gigantes, descobrindo os dentes num ar de evidente deboche, embora,
interiormente, tivesse dúvidas se não seria mais prudente evitar um confronto com o
famoso deus (vai que era mesmo verdade o que diziam de sua força...!).
- Muito bem, forasteiros, aproximem-se - disse Utgardloki, fingindo-se bom anfitrião. -
Há sempre lugar à minha mesa para mais três bocas!
"Ainda mais deste tamanhinho!", disse ele à boca pequena (por assim dizer) aos
seus vizinhos de mesa, que imediatamente caíram na gargalhada.
- Mas, para que desfrutem de minha generosa hospitalidade - continuou a dizer
Utgardloki em tom grandiloqüente -, terão os três de nos brindar com algum prodígio de
força ou habilidade!
Loki, que não estava para muitas conversas, e sentia dentro do estômago um buraco
do tamanho daquelas criaturas, adiantou-se e disse:
- Quanto a mim, o único prodígio do qual me sinto capaz, neste instante, é o de
comer mais do que qualquer um de vocês!
- Muito bem, está aceito o desafio! - disse um deles, erguendo-se no mesmo
instante. Era Logi, um dos gigantes mais fortes - e seguramente mais esfomeado - de
todo o bando. - Vamos começar o desafio imediatamente!
Loki sentou-se em frente ao gigantesco Logi e, logo, travessas imensas de carne
foram postas diante dos dois. Para Loki, a carne foi servida sob a forma de pernis,
enquanto, para o gigante, foram servidos bois inteiros.
Dado o sinal, os dois competidores arreganharam os dentes e lançaram-se às suas
porções com terrível voracidade. Loki fez jus à sua fama de voraz comilão, tendo
esvaziado a sua travessa no mesmo espaço de tempo que o adversário. Só que este,
como a perfeita personificação da Fome, não só devorara a sua porção como também os
ossos e a travessa, o que lhe valeu a vitória.
- Muito bem, agora é a sua vez, nanico! - disse Utgardloki a Thialfi, que aguardava
em suspense a sua vez de provar o seu valor.
- Bem, se eu tenho alguma virtude, senhor gigante - foi dizendo o criado de Thor - é
a de ser o mais veloz dos mortais. Por isto, desafio qualquer um dos presentes a me
vencer numa corrida.
Hugi, o mais veloz dos gigantes ali presentes, bradou da outra ponta da mesa:
- Vamos, saiam da frente, que esta é comigo!
Thialfi voltou o rosto, rapidamente, em direção ao distante local de onde a voz soara,
mas antes que seu eco tivesse terminado, ele já estava diante dele.
- Então, nanico, está pronto? - disse Hugi, com um sorriso superior.
O rei ergueu-se e foram todos para uma pista que havia no lado de fora do castelo.
Os dois, Thialfi e Hugi, foram colocados lado a lado, até que Utgardloki concluiu, a seu
modo, a contagem regressiva:
- Dez! nove! oito! sete! quatro! seis!... Dez! nove! oito! cinco! dois!... Dez! nove! sete!
seis! meia dúzia!... Ora, inferno, partam de uma vez!
Os pés de ambos começaram a correr com tal agilidade, que ficou muito difícil
observá-los. Mas, com um esforço maior podia-se divisar as pernas de Thialfi, as quais
alternavam-se com tamanha rapidez que pareciam imóveis.
De repente, entretanto, percebeu-se num pasmo, que Hugi já estava voltando!
De fato, o gigante fora tão rápido, que chegara ao fim da pista e retornava agora,
cruzando por Thialfi, com uma grande risada. E, antes que o pobre Thialfi conseguisse
completar o trajeto, o gigante voltou e venceu-o pela segunda vez.
Com Thialfi derrotado, chegara a vez de Thor enfrentar o desafio. Como estivesse
muito sedento, propôs aos gigantes uma disputa de bebida.
- Tragam-me o maior chifre que houver, repleto de hidromel e beberei tudo de um
único gole! - disse o deus, confiante em seu fôlego prodigioso. Utgardloki trouxe um chifre
verdadeiramente imenso - tão imenso, que não se podia enxergar a sua extremidade - e o
colocou diante de Thor.
- Pronto, aqui está, falastrão! - disse ele. - Se for mesmo forte, beberá seu conteúdo
de um só trago. Se não for tão resistente assim, precisará de dois grandes tragos. Agora,
se for um maricas, então, terá de dar três longos goles. Mas, não creio que tal aconteça,
pois nunca ninguém tão fraco assim se apresentou por aqui! - acrescentou o gigante,
empinando logo o chifre.
Thor encheu os pulmões de ar e colou a boca ao bocal, puxando todo o conteúdo do
gigantesco chifre. Suas bochechas ficaram infladas e lustrosas, mas tão logo engoliu
aquele grande trago, percebeu que ainda havia muito para ser engolido. Na verdade, a
marca que indicava a quantidade existente dentro do recipiente mal se movera. Derrotado
na primeira tentativa, Thor tomou novo fôlego e puxou nova e assustadora quantidade
para dentro da boca, que quase estourou de tanto líquido. Mas, foi em vão: a marca
permanecia praticamente inalterada. Os gigantes entreolhavam-se com risos e caretas.
- Não quer tentar uma última vez? - disse Utgardloki ao pé do ouvido de Thor.
Enchendo os pulmões de ar, o deus sorveu um último e prodigioso gole, a ponto de
o hidromel escorrer-lhe pelas barbas numa verdadeira cachoeira.
- Desisto! - disse Thor, sabendo que nem em mil goles conseguiria beber todo o
conteúdo.
- Que pena! - exclamou Utgardloki, falsamente condoído. - Pensei que o poderoso
deus fosse um pouquinho mais resistente! Mas, como você é uma divindade muito
respeitada, vou dar-lhe uma nova chance em um novo desafio! - disse Utgardloki, fazendo
sinal para que trouxessem o seu grande gato cinzento.
- Temos aqui uma nova competição da qual participam somente as crianças:
consiste apenas em levantar do chão meu gato de estimação. É lógico que eu não teria
me atrevido a propor tal brincadeira ao grande Thor seja não tivesse comprovado a sua
lamentável fraqueza!
O magnífico gato, apesar de também ser gigantesco, não parecia, de fato,
representar um desafio acima das forças de Thor. Por isso, o deus acolheu o desafio com
um sorriso de alívio.
Thor aproximou-se do bichano, dizendo: "Aqui, Mimi, aqui!" O gato aproximou-se de
mansinho com suas patas branquinhas da cor da neve e ronronou suavemente. Então, o
deus envolveu o gato em seus poderosos braços e começou a suspendê-lo - ou a
imaginar que o suspendia, pois na verdade o gato apenas esticara um pouco as suas
pernas para dar a impressão de que cedia aos esforços do deus.
- Está difícil, deus do trovão? - disse o gigante, escarnecendo.
Todos os demais riam fungado, fazendo coro com o rei, inclusive, o gato, que
parecia ter na boca ornada por elegantes bigodes um sorriso sutil de ironia.
Por mais que Thor forcejasse, nada conseguiu, além de fazer o gato erguer uma de
suas patas brancas, o que pareceu, por fim, mais uma condescendência do bichano do
que qualquer mérito seu.
- É fracote mesmo! - disse um dos gigantes, dobrando-se de tanto riso.
Utgardloki balançava a cabeça numa fingida desolação.
Thor, entretanto, tornara-se a tal ponto irado por causa de tantas humilhações, que
resolveu lançar um último desafio aos atrevidos gigantes.
- Está bem, sou pequeno - disse o deus, espumando de raiva -, mas quero ver qual
de vocês está disposto a lutar comigo!
- Meu amigo - disse Utgardloki, olhando para os homens sentados nos bancos -,
aqui os fortes só brigam com os fortes. No entanto, conheço alguém a quem talvez você
possa fazer frente. Chamem Elli, a minha velha ama - disse o rei a um lacaio.
Dali a instantes entrou no salão uma velha de cabelos ralos e brancos, que
endereçou a Utgardloki um sorriso deserto de dentes.
- Velha Elli, aí está um desaforado que diz poder derrotá-la! - disse o gigante à
velhota, que, no mesmo instante, começou a arregaçar as saias, preparando-se para o
embate. - Mostre a ele quem é o mais forte por aqui!
O deus e a velha postaram-se no centro do salão e a um sinal do gigante a luta
começou. Thor arremessou-se à adversária com certa cautela, pois não pretendia
maltratar aquela velha centenária. Mas, ela não era nada daquilo que aparentava, e
dando um pulo para o lado, que fez inveja ao próprio gato, esquivou-se do ataque e veio
postar-se às costas de Thor. Em seguida, aplicou uma valente chave em um dos braços
do adversário com tal força, que Thor viu-se obrigado a se ajoelhar e a reconhecer a
derrota.
Com isto, encerraram-se as disputas. Thor e seus humilhados companheiros
receberam um leito cada qual para descansar antes de partir na manhã seguinte. Tão
logo os primeiros raios do sol surgiram no horizonte, já estavam os três prontos para ir
embora daquela terra infamante. Utgardloki mandou que lhes servissem uma mesa
repleta de iguarias e bebidas. Depois, acompanhou-os até a porta da cidade, e, antes que
partissem, perguntou:
- E, então, Thor, gostou da viagem e da hospitalidade?
- Se lhe agrada saber, direi que nunca fui tão humilhado em toda a minha vida! -
disse o deus, cabisbaixo, louco para ganhar a estrada.
- Bem, agora já pode se acalmar - disse Utgardloki, tão logo haviam transposto os
portões do palácio. - Agora, que você está fora da cidade posso lhe contar o que,
verdadeiramente, ocorreu.
Os três entreolharam-se, sem nada entender.
- Palavra de honra, se soubesse que possuía uma força tão descomunal e
companheiros tão extraordinariamente competentes jamais teria permitido que aqui
entrassem. Na verdade, iludi-os o tempo todo com minhas artimanhas. Primeiro, na
floresta, onde amarrei a mochila com arame para que não pudesse desamarrá-la.
- Você? - exclamou Loki.
- Sim, Skrymir era eu mesmo! - disse Utgardloki com um grande riso. - Aquelas três
pancadas que me desferiu com seu martelo, seguramente, teriam-me esfacelado o crânio,
caso me tivessem realmente atingido! Mas, fui hábil o bastante para enganá-lo no
momento certo, entrando para debaixo da terra, de modo que suas pancadas atingiram
enormes montanhas, produzindo aquelas fendas profundas, que podem ver lá adiante.
Os três asgardianos olharam naquela direção e viram três grandes abismos que o
martelo de Thor abrira naquelas encostas.
- Da mesma forma, foram enganados nas outras disputas - continuou a dizer o
gigante. - O adversário de Loki na disputa da comilança não foi outro, senão o próprio
Fogo, que devora tudo quanto encontra pelo caminho. Já aquele contra quem Thialfi
disputou a corrida era o Pensamento, sendo impossível a qualquer um correr na mesma
velocidade que ele.
Loki e Thialfi pareceram aliviados ao descobrir que não haviam sido humilhados,
afinal.
- Quanto a você, poderoso Thor, jamais poderia ter esvaziado aquele imenso chifre,
pois ele estava ligado na outra ponta ao inesgotável oceano; mesmo assim, se olhar bem
na direção do mar, verá que ele está com a maré bem baixa, o que prova a quantidade
prodigiosa de água que engoliu! Quanto ao gato, cumpre dizer que operou um feito não
menos invejável, pois aquele bichano era na verdade a serpente Midgard, a vasta
serpente que contorna toda a terra com suas longas espirais. Ficamos verdadeiramente
espantados quando vimos que havia conseguido erguê-la um pouco acima do chão. Mas,
de todas as derrotas, com certeza, a menos infamante foi a que lhe pareceu a mais
vergonhosa: pois aquela velhota contra a qual lutou era a própria Velhice e jamais alguém
pôde vencê-la em tempo algum.
Ao escutar o fim do discurso de Utgardloki, Thor mostrou-se tão furioso - pois, afinal,
havia feito papel de bobo diante de toda aquela corte - que ergueu seu martelo Miollnir,
pronto a aplicar um castigo de verdade ao gigante. Este, porém, percebendo o perigo,
desapareceu instantaneamente.
Sem se dar por vencido, Thor retornou ao castelo para destruir tudo, mas quando lá
chegou, uma última decepção o aguardava: o castelo havia desaparecido, como num
passe de mágica!
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty O desaparecimento de Mjollnir

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 7:22 pm

O desaparecimento de Mjollnir


Thor, deus do trovão e filho de Odin, despertou, certa manhã, com uma estranha sensação: a de que lhe faltava algo muito importante.
"Que vazio é este, que tanto me angustia?", perguntava-se o deus desde o instante em que abrira os olhos.
Esta desagradável sensação prolongou-se pelo resto da manhã até que o deus finalmente, deu-se conta do que era, quando encontrou um bilhete justo no lugar onde costumava guardar seu martelo Miollnir.


"Caro Thor: caso deseje retomar a posse de seu poderoso martelo,
favor entrar em contato comigo, pois eu o escondi sob as profundezas da
terra, em um local ignorado. Estou aberto a toda negociação. Assinado:
Thryn, da maravilhosa raça dos Gigantes."



- Loki! Loki! - bradou Thor, exigindo a presença do trapaceiro deus.
Em instantes, o deus de longos cabelos lisos e escarlates estava à sua frente.
- O que houve, poderoso Thor? - disse Lotei, assustado.
- Aquele maldito Thryn furtou meu martelo! - disse Thor, quase possesso. - Quero que vá, imediatamente, até ele para saber quais são os termos da sua proposta para efetuar a devolução de Mjollnir. Você é descendente daquela raça maldita e saberá engambelá-lo melhor do que eu. Caso contrário, eu mesmo irei até onde este verme se esconde e o esmagarei!
Antes de partir, Loki foi até Freya, a deusa do amor, para lhe pedir um favor.
- O que quer aqui a esta hora? - disse ela, mal-humorada e com cara de sono, pois
acordava sempre muito tarde.
- Preciso que você me empreste o seu casaco de pele de falcão para cumprir uma
importante missão para Thor - disse Loki.
- Aonde vai?
- Houve um terrível furto!
- Furto...? Que furto?
- O gigante Thryn furtou o martelo de Thor!
- Que horror! - disse a deusa, tornando-se rubra. Depois, indicando o local onde guardava seu casaco, completou: - Vamos, pegue-o e trate logo de recuperar a arma do pobre Thor!
Freya sabia muito bem que, sem seu martelo, Thor não poderia defender Asgard de um eventual ataque dos gigantes, seus tradicionais inimigos.
Loki envergou o casaco e se metamorfoseou, logo, em um elegante falcão de penas rubras como o fogo. Assim travestido, percorreu as amplidões que levavam à morada dos gigantes, em Jotunheim. Após circular por vários locais, acabou por descobrir a caverna
onde se escondia o temível Thryn. Em instantes, pousou na entrada do gélido covil e disse com a voz mais nobre possível:
- Ó Magnânimo Thryn, vim buscar o martelo do Magnífico Thor!
- Entre logo, miserável Loki - disse uma voz algo displicente.
A caverna era toda decorada por dourados e polidos escudos, que refletiam as luzes das tochas, a tal ponto que quase se cegava lá dentro.
- Nossa, quanta luz!... - exclamou Loki, pondo a mão sobre os olhos.
- É que sou meio míope e gosto de tudo às claras - disse o gigante, refestelado em seu esplêndido trono.
- Se gosta de tudo às claras, diga-me, logo, onde está Miollnir e retornarei para Asgard com os seus melhores votos.
- Você retornará para Asgard - disse o gigante, ajeitando melhor o fantástico traseiro sobre a almofada de veludo escarlate -, mas é para me trazei- a adorável Freya em paga do brinquedinho de Thor, que, certamente, levará de volta depois.
Mas, Loki não seria Loki, se ousasse sair da presença do gigante sem lhe dar uma resposta à altura.
- Perdão, poderoso gigante - disse ele, com o ar tão sereno quanto possível -, mas jamais poderá usar o martelo sem as luvas de ferro de Thor.
- Nem eu, nem ele - respondeu, secamente, o gigante. - Não me obrigue, agora, a repetir tudo o que já lhe disse.
Loki retornou rapidamente e logo estava em Asgard diante dos deuses. Depois de comunicar os termos da exigência de Thryn, Loki teve de escutar os gritos furiosos da deusa do amor (ou seja, do sexo), que em hipótese alguma admitia a idéia de ir se juntar
ao asqueroso gigante. Thor, a seu turno, também não admitia perder a mais bela das deusas, enquanto que Odin, o deus supremo, bateu no chão diversas vezes com sua lança Gungnir, soltando várias imprecações contra o pérfido. Assim, estiveram por um
bom tempo, até que Loki teve uma idéia que julgou excelente.
- Eis o que faremos - disse ele, tomando a palavra. - Thor e eu iremos até a morada do gigante travestidos de mulher; ele, de Freya, e eu, de sua escrava.
- Está louco? - disse Thor, brandindo seu punho na direção de Loki. - O que dirá de mim aquela raça degenerada dos gigantes, quando descobrirem que ando por aí vestido de mulher?
- Dirão, poderoso Thor, que você é um deus muito inteligente e que recuperou seu martelo após haver engambelado todos eles! - disse Loki, recorrendo ao eficientíssimo recurso do apelo à vaidade.
O deus do trovão ainda relutou um pouco, mas não descobrindo outro recurso,acabou por ceder.
- Deixe-me ver seus vestidos - disse o deus à Freya, meio desenxabido.
Depois de ele e Loki terem passado em revista o infinito guarda-roupa da deusa da fertilidade, acabaram por escolher duas peças menos chamativas. Em seguida, tiveram seus rostos pintados por uma pesada maquiagem para ocultar a sombra que suas barbas
raspadas haviam deixado.
- Vamos de uma vez! - disse Thor, que decidiu sair durante a noite em sua carruagem puxada por duas cabras, para não chamar muito a atenção.
Aquela foi uma viagem muito constrangedora. Um silêncio desconfortável acompanhou-os durante toda a viagem até que, finalmente, chegaram aos domínios do gigante Thryn.
- Oh, Freya adorável! - exclamou o gigante, que não era lá muito bom das vistas - Você veio, então! E esta donzelinha encantadora, quem é?
Loki baixou os olhos, como uma boa serva.
- É minha escrava - disse Thor, dando um tapa na cabeça de Loki. - É meio fraca dos miolos. Mas, falemos de nós, audaz gigante!
- Oh, sim, falaremos muito de nós! - disse Thryn, levando Thor e Loki para seus amplos salões.
Ali, um magnífico banquete de núpcias estava preparado para recepcionar aquela que imaginavam ser a deusa do amor e sua bela escravinha. Os dois foram logo instalados à mesa, cercados de gigantes de colossal estatura e de suas respectivas esposas. Thor e Loki foram servidos regiamente: o deus do trovão, que trazia uma fome tremenda da viagem, não se fez de rogado e se serviu à vontade. Pilhas de carne foram tragadas por ele junto com oito salmões recheados de pequenas carpas e quatro barris
inteiros de hidromel, além de uma quantidade fantástica de doces, o que encheu de assombro o seu "noivo".
- Nossa, Freya, não sabia que tinha tanto apetite! - disse Thryn, boquiaberto.
- Permita-me, poderoso Thryn, explicar-lhe o motivo - disse Loki, disfarçado de escravinha. - É que a deusa esteve tão ansiosa estes dias que antecederam à nossa viagem, que não teve ânimo para pôr nada entre os dentes antes de estar ao seu lado.
Thryn deu um largo sorriso de satisfação que lhe arreganhou os dentes.
- Muito bom escutar estas coisas! - disse o gigante, deliciado com aquelas palavras.
- Muito bom mesmo, assim vale a pena...!
Empolgado por aquela declaração indireta de amor, o gigante aproximou seus lábios de Thor e tentou roubar-lhe um beijo. A "deusa", entretanto, lançou-lhe um olhar tão furioso, que as carnes do gigante tremeram por cima dos ossos.
- Não é nada, não se assuste! - disse Loki ao ouvido de Thryn. - É apenas o nervosismo que antecede o grande momento...
O "grande momento"! Esta expressão trouxe à imaginação do gigante um mundo de fantasias tão sublimes que, entusiasmando-se, chamou logo um criado.
- Traga, imediatamente, o martelo! - disse ele
Um lacaio trouxe o magnífico Mjollnir. Os olhos de Thor faiscaram, enquanto ele
remexia as suas saias em busca de sua luva de ferro.
- Coloquem-no entre os joelhos de Freya! - ordenou Thryn, incontinenti. - Assim, estará simbolizada a devolução e o nosso casamento!
Um dos lacaios aproximou-se, reverentemente, e colocou Miollnir entre os joelhos da falsa Freya.
E, aqui, começou o massacre. Tão logo Thor teve ao seu alcance a sua devastadora arma, retirou de dentro das saias a sua mão enluvada e tomou do martelo. Com a outra mão ergueu a mesa e a lançou de encontro à parede com pratos, talheres, sopeiras
douradas e tudo o mais.
Um alarido de medo escapou da garganta dos gigantes, quando Thor, desvencilhando-se das suas dominadas roupas, partiu para cima dos seus adversários,eliminando, em primeiro lugar, o seu noivo com uma poderosa martelada no crânio. Logo em seguida, arrasou com tudo, de tal forma, que nem as gigantas ou os lacaios escaparam de sua fúria. Terminado o massacre, subiu de novo no seu carro, junto com
Loki, e retornaram ambos para Asgard, levando consigo o martelo e sua honra restaurada.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty A espada mágica de Freyr

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 7:31 pm

A espada mágica de Freyr


Freyr era um deus da raça dos Vanir, contraposta a dos primitivos Aesir, dos quais
o poderoso Odin era o líder. Desde sempre os aesires haviam relutado em admitir a
companhia dos vanires, considerados por eles como “deuses inferiores”. Durante muitas
eras, estas duas classes de deuses guerrearam entre si, até que se firmou um tratado de
paz. Houve, então, uma troca de reféns, na qual coube aos vanires remeter aos antigos
adversários três de suas divindades: Freyr, deus da fertilidade; sua irmã Freya, deusa do
amor; e Niord, pai de ambos e deus do mar.
Estas três divindades foram muito bem recebidas em Asgard e, desde então, ali se
estabeleceram amigavelmente.
Freyr sempre teve sua imagem associada a três prodígios oriundos das mãos de
operosos anões: o javali Gullinbursti, que possuía cerdas douradas; o navio Skidbladnir,
que além de navegar, era capaz de voar e ainda podia ser dobrado e colocado dentro do
bolso do deus, como um lenço. Mas, de todos os prodígios associados à fama de Freyr,
nenhum foi mais admirado – e justamente temido – do que sua espada milagrosa. Esta
arma maravilhosa tinha o dom de destruir sozinha os inimigos de seu dono.
Freyr achava-se sentado sobre Hlidskialf, o trono mágico de Odin, de onde podia
avistar todo o universo. Aproveitando a ausência dos mais poderoso dos deuses, ele
contemplava, dali, a vastidão dos nove mundos, desde as profundezas de Niflheim até os
confins gelados de Jotunheim, a terra dos gigantes. Ali, deteve seu olhar durante um
longo tempo, até que a certa altura avistou um linda jovem com sua longa cabeleira
dourada a esvoaçar sob o vento gélido que descia das montanhas encapuzadas pela
neve.
- Justos céus! – exclamou ele, maravilhado. – Quem é esta beldade?
Freyr ficou possuído por um desejo incontrolável pela bela criatura e, desde então,
perdeu o sossego a ponto de não conseguir mais dormir.
- O que está havendo, que anda tão abatido? - disse-lhe um dia Skirnir, seu fiel
servidor. - Faz dias que não come e mal bebe o seu hidromel! Anda o dia inteiro de um
lado a outro, sinal de que está às voltas com um grande problema.
- E, realmente, estou!... - disse Freyr, feliz por encontrar alguém para desabafar. -
Ah, Skirnir, desde que pus os olhos no longínquo reino dos gigantes e vi lá uma bela
jovem a passear pelos campos gelados, perdi o sossego! E o pior de tudo é que não sei
quem ela é nem o que hei de fazer para conquistá-la...
Skirnir ficou observando o estado lamentável em que seu senhor se encontrava, e,
pelo tom pálido de suas faces, pôde comprovar, que, realmente, ele estava perdidamente
apaixonado.
- Skirnir, preciso de um grande favor seu! - disse Freyr, em desespero.
O criado sentiu que estava prestes a arrumar uma bela encrenca.
- Quero que vá até Jotunheim e descubra quem é aquela adorável jovem!
Skirnir ficou mais pálido do que o próprio deus. Afinal, ter que enfrentar uma viagem
por terras inóspitas e fazer frente ao provável ataque de uma legião de gigantes não era
uma perspectiva nada agradável.
Freyr, percebendo o receio que se desenhava no rosto do servidor, fez-lhe, então,
uma oferta intempestiva:
- Emprestarei a você, fiel Skirnir, o meu maior bem: a minha valiosa espada!
"A espada mágica de Freyr...!", pensou o servo, sem poder acreditar. Num instante,
os seus receios evaporaram.
- Está bem, eu irei! - disse ele, quase eufórico.
Freyr, no entanto, sentia que acabara de cometer uma terrível imprudência.
"Separar-se de sua espada mágica?", dizia num tom de censura uma voz dentro de si. Ele
nunca fizera isto antes, e aquela mesma voz interior parecia lhe dizer que, se o fizesse,
nunca mais tornaria a vê-la. Mas, afinal, o seu desejo pela jovem venceu a sua reticência
e ele autorizou a partida de seu criado.
- Vá em frente e me traga de qualquer jeito a jovem!
- Deixa comigo! - disse Skirnir, que já se sentia feliz por poder dar início àquela que,
sem dúvida, seria a maior de suas aventuras.
Skirnir partiu para sua longa viagem, sentindo-se orgulhoso como um deus. Durante
longos dias e noites, cavalgou pelas vastidões dos nove mundos, escutando com infinito
deleite a espada retinir de encontro ao estribo, até que a paisagem começou a se tornar
verdadeiramente gélida e sombria. Sobre a sua cabeça, massas imensas de nuvens
escuras e carrancudas faziam cair alternadamente torrentes de uma chuva gelada ou de
uma neve pesada como chumaços compactos de algodão. Com o capuz puxado até o
nariz e o vermelho manto enrolado duas vezes sobre si, Skirnir substituiu a cavalgada ágil
de seu cavalo por um trote cauteloso ao se aproximar da temível morada dos gigantes.
Após fazer algumas investigações, descobriu que a jovem se chamava Gerda e que
morava no castelo de seu pai Gymir. Skirnir dirigiu para lá o seu cavalo, sem nunca,
entretanto, descuidar da cautela. Tão logo foi se aproximando, descobriu que motivos
para tanto realmente não faltavam, pois o castelo onde a jovem morava estava cercado
por um muro feito de labaredas gigantescas.
"E esta, agora...!", pensou Skirnir, puxando as rédeas do cavalo, que escarvava
impacientemente a neve, disposto a se arremessar de qualquer jeito sobre o terrível anel
de chamas.
- É isto mesmo o que você quer? - disse Skirnir, colando a boca à orelha do cavalo.
O animal, como se tivesse entendido perfeitamente as palavras do cavaleiro,
confirmou duas vezes com a cabeça, fazendo com que a neve acumulada em suas crinas
se desprendesse numa pequena chuva alva. Logo em seguida fez uma meia volta e
retornou num ágil galope. Skirnir afrouxou as rédeas o mais que pôde e agarrado ao
pescoço do animal atravessou destemidamente as labaredas. Mas, graças ao galope
velocíssimo, ambos chegaram praticamente incólumes do outro lado, apenas com alguns
ligeiros chamuscos na crina do cavalo e no manto de Skirnir, tendo agora à sua frente as
torres do castelo de Gymir.
Entretanto, sequer tiveram tempo de se recuperar do primeiro desafio, quando viram
surgir em sua direção enormes cães cinzentos, que mais se assemelhavam a gigantescos
lobos; suas goelas escancaradas ladravam de maneira ensurdecedora.
A matilha cercou o cavalo de Skirnir e foi, então, que o jovem aventureiro pôde
conhecer pela primeira vez as virtudes da espada mágica, pois bastou quede desse o
grito de ataque para que ela, sozinha, saltasse da sua bainha prateada e fosse esgrimir
contra os ferozes cães. Num instante, estavam todos os animais caídos sob a neve, com
seus ventres abertos e palpitantes a fumegar sob o vento gélido da manhã.
É claro que esta algazarra toda acabou por despertar a atenção de Gerda, a filha de
Gymir. Correndo até a janela de seu quarto, ela avistou aquele cavaleiro montado no
centro de um círculo de cães mortos, cujo sangue tingia o tapete branco da neve.
- O que quer aqui, forasteiro? - disse ela, alarmada. - Fale ou um exército inteiro
desabará sobre você!
Um silêncio cortado apenas pelo vento assobiante, que passava por entre os galhos
secos das árvores despidas, tornou a situação ainda mais desconfortável.
- O que está esperando? - gritou ela, lá de cima. - Diga, logo, da parte de quem você
vem ou desapareça de uma vez!
Skirnir viu apenas a cabeça dourada dela mexer-se lá no alto, por entre os flocos de
neve que caíam. Sua voz chegou apenas um pouco depois, entrecortada pelo vento. Mas,
ainda assim, ele pôde compreender o sentido de suas palavras.
- Freyr, o nobre deus, deseja lhe fazer um pedido! - gritou Skirnir.
A donzela esteve algum tempo indecisa, mas, finalmente, deu ordem para que
abrissem os portões do castelo.
Skirnir adentrou os imensos corredores do palácio de Gymir. Apesar de verdadeiras
fogueiras estarem acesas noite e dia nas diversas lareiras do salão principal, observou
que, ainda assim, diversos estalactites pendiam, ameaçadoramente, do teto, como
transparentes espadas de gelo. Depois de subir os degraus de uma escada que parecia
nunca mais acabar, Skirnir viu-se diante da porta do quarto.
- Entre, mensageiro - disse uma voz delicada, muito diferente daquela que escutara
aos berros sob o chicote do vento.
Skirnir adentrou a grande peça. Gerda, apesar de estar vestida num elegante manto
de peles, parecia, no entanto, tê-lo feito um pouco às pressas, pois uma das pontas da
gola estava torcida para dentro. Seus cabelos dourados, verdadeiramente belos e
impressionantes, também pareciam algo despenteados e tinham grudados em si alguns
flocos ainda endurecidos de neve.
- Por favor, esteja à vontade e diga, logo, que recado traz de seu senhor - disse
Gerda, dando as costas a Skirnir e indo se sentar um tanto afastada, num assento
comprido e forrado de peles escuras.
- Serei breve, princesa - disse Skirnir, entrando logo no assunto. - Meu senhor quer
tê-la como esposa e pede que considere esta possibilidade.
A princesa arregalou seus olhos azuis e deixou escapar um pedaço de voz sem
qualquer nexo, senão o de que traduzia o seu espanto.
- Casar-se comigo! - indagou, com um sorriso de estupor. - Meu bom criado, não sei
se está ao par do fato de que seu senhor matou meu irmão em uma rixa, há muitos anos.
Skirnir foi pego de surpresa. Um ligeiro tremor sacudiu as suas pestanas, mas ele
estava tão distante da princesa que ela, certamente, não deve tê-lo percebido.
- Minha senhora - disse ele, outra vez, completamente seguro de si. - Meu senhor,
certamente, há de lamentar esta infausta coincidência, mas observe o fato de que ele
jamais o teria feito se, naquela época, já a conhecesse.
A princesa baixou ligeiramente os olhos, como se o argumento a tivesse desarmado.
Skirnir sorriu interiormente do seu primeiro triunfo.
Gerda, por sua vez, sentindo que subterfúgios não dariam resultado, resolveu ser
franca e direta, à boa e velha maneira dos gigantes:
- Meu amigo, sirva-se de uma taça de hidromel, que aí está a seu lado, pois a
viagem deve ter sido muito cansativa.
Mas, antes que Skirnir pudesse fazer o que ela sugeriu, Gerda arrematou:
- Depois que tiver saciado sua sede, pode retornar ao seu senhor e lhe comunicar a
minha negativa.
Skirnir, pego outra vez de surpresa - pois não esperava um enfrentamento tão cedo,
- ergueu-se com seus pertences e se dirigiu até a princesa, num passo respeitoso, porém
decidido.
- Vem apresentar-me suas despedidas, sem sequer provar da bebida? -disse ela,
como que adivinhando que ele tentaria outro expediente.
- Não, adorável princesa, venho mostrar-lhe, apenas, os presentes que meu amo lhe
manda.
Sem esperar por outra recusa, Skirnir estendeu à princesa as riquezas, que fariam a
inveja de qualquer outra no mundo: seis maçãs escarlates, colhidas dos perfumados
jardins de Idun, a deusa da juventude, brilharam diante dos olhos azuis de Gerda. Antes
que ela pudesse dizer qualquer coisa, Skirnir estendeu-lhe lambem Draupnir, o anel
mágico de Odin.
Gerda, apesar de realmente impressionada com os presentes, ainda assim, teve
firmeza bastante para recusar, categoricamente, qualquer compromisso.
- São belos presentes, admito, mas minha resposta é não. Por favor, não insista com
este assunto, não me obrigue a despedi-lo com palavras que fugiriam à cortesia que devo
a um visitante.
Skirnir, perdendo de vez a paciência, resolveu mudar de tática e adotar outra bem
mais agressiva.
- Minha senhora - disse o mensageiro, com o semblante carregado -, a sua
impertinência e teimosia obrigam-me a empregar outro expediente.
Skirnir sacou sua espada lentamente e o ruído rascante do metal a deslizar pela
bainha de prata ecoou pelas paredes do aposento. Depois, mostrou-a à princesa, com um
ar bem diferente do anterior.
- Está vendo esta espada, jovem dama? - disse o mensageiro. - Ela pertence a meu
senhor Freyr e não está acostumada a recusas ou desfeitas. Já cortou, posso lhe
assegurar, a cabeça de mais de um gigante atrevido.
- Ótimo! - disse a princesa, sem se intimidar. - Esperemos a chegada de meu pai e
de seus exércitos para que teste, novamente, o gume de sua espada!
Skirnir, mandando às favas o resto de fidalguia, decidiu fazer uso, então, de seu
último argumento - o qual, na verdade, não passava de uma ameaça. Das profundezas de
seu manto retirou uma varinha mágica, que Odin lhe dera, repleta de maldições inscritas
em caracteres rúnicos.
- Seu eu fizer uso desta varinha, arrogante princesa, seu futuro será tão negro
quanto é branca a neve que recobre todos os campos deste país amaldiçoado! - disse
Skirnir, avançando para Gerda, que, pela primeira vez, sentiu o medo agitar suas
entranhas. - A luxúria percorrerá cada membro de seu corpo, mas homem algum desejará
se aproximar de você. Seu fim será a mais negra solidão! A fome corroerá os seus ossos,
mas todo alimento que puser na boca, terá o gosto da água do mar. E, de desgraça em
desgraça, chegará a se transformar na mais repulsiva das feiticeiras, expulsa até mesmo
das regiões sombrias de Hei!
Gerda, intimidada, resolveu, finalmente, ceder à proposta de Freyr.
- Está bem, perverso mensageiro... - disse ela, erguendo os olhos num resto de
dignidade. - Diga a seu senhor que me aguarde daqui a nove noites no bosque de Barri.
- Estou feliz ao ver que a razão retorna ao seu convívio, amável princesa - disse
Skirnir, sem uma única nota de ironia na voz.
Skirnir despediu-se e já retornava, quando cruzou com uma patrulha adiantada dos
gigantes guerreiros de Gymir, que retornavam um pouco à frente do rei. Sem indagar
nada, eles foram logo sacando suas espadas e investindo contra o servo de Freyr, o qual
ordenou de imediato à sua arma que desse combate aos agressores. A espada cumpriu
mais uma vez, brilhantemente, o seu papel. Infelizmente, uma funesta surpresa
aguardava o pobre Skirnir, pois, mesmo após terminada a breve escaramuça - na qual
pereceram todos os gigantes -, a espada não retornou para a sua bainha. Skirnir,
lançando o cavalo em todas as direções chamou por ela durante o resto do dia, porém
sem sucesso: a espada de Freyr havia desaparecido para sempre!
- Justos céus! - exclamou o mensageiro. - E, agora, o que será de mim, quando
chegar ao palácio de meu senhor sem sua espada?
Durante todo o longo trajeto de retorno, ele teve um peso indescritível na alma.
Quem sabe a espada, cansada de defender alguém que não o seu legítimo dono,
resolvera fugir em busca de Freyr, pensava Skirnir, com um fiapo de esperança. Mas
quando finalmente chegou em casa para dar as boas novas do noivado, teve a
desagradável surpresa de não a encontrar com seu antigo dono.
Felizmente, o mensageiro não levara em conta também o fato de que a alegria que
levava era muito superior à tristeza que tinha a esconder, de modo que a reprimenda que
teve de escutar de seu amo não foi, afinal, nem a décima parte do que esperava. Freyr
preferiu deter-se na condição imposta por Gerda, que lhe parecia mais amarga que
qualquer outro infortúnio.
- Uma noite já é bem longa; duas, mais longas ainda. Mas, como poderei suportar
nove infinitas noites?
O tempo passou, afinal, e, no dia aprazado, lá estava a bela Gerda a esperar por
ele, no campo repleto de trigo, com seus cabelos dourados a se confundir com os
delgados talos dos cereais. "Embora, hoje, não haja o vento a esvoaçar seu cabelo,
mesmo assim, ouso dizer que está ainda mais bela e delicada do que naquele primeiro
dia em que a avistei!", pensou Freyr, ao se aproximar, apaixonadamente, da jovem.
Freyr e Gerda foram muito felizes, embora, em algumas noites, ele tivesse sonhos
magníficos com sua poderosa espada, que o tornara um dia invencível. Quando
acordava, porém, suas mãos tocavam a pele macia da esposa a dormir, calmamente, ao
seu lado. Então, Freyr sentia seu coração povoar-se de um misto de tristeza e alegria.
Shiki ~
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty O anel de Andvari

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 7:35 pm

O anel de Andvari


Odin, Loki e Honir (um deus menor do panteão nórdico) estavam, certa feita,
fazendo mais uma de suas viagens exploratórias pelo mundo, quando, ao passar pela
beira de um rio, avistaram uma lontra a saborear um dourado salmão.
- Ora, vejam! - exclamou Loki, esfregando as mãos. - Temos, ao mesmo tempo,
duas presas à nossa disposição!
Antes que alguém pudesse fazer qualquer objeção, Loki tomou, rapidamente, uma
pedra aguçada nas mãos e a arremessou, acertando em cheio a cabeça do pobre animal.
A lontra caiu morta, instantaneamente, às margens do rio, com o peixe ainda entre os
dentes.
Logo, uma fogueira ardia debaixo de uma árvore. Enquanto Honir assava o salmão
num espeto, Loki retirava com amoroso cuidado a pele da lontra.
- Dará um belo casaco! - disse ele. - E, de certa forma, será cumprido o seu desejo,
minha pobre amiguinha: dentro de instantes, vestido em sua pele, estarei ingerindo a
refeição que seu estômago esperava...!
- Basta de gracejos - disse Odin, cuja intuição o alertava de que alguma coisa má iria
resultar daquela refeição. - Comam logo e vamos embora.
Loki e Honir comeram o salmão até deixar somente as espinhas sobre a relva.
(Odin, contudo, nada comeu, pois se alimentava somente de hidromel, o néctar divino.)
Saciado o estômago, partiram todos outra vez; Loki ia à frente, faceiro, para que
ninguém empanasse o brilho do seu novo casaco. Até o fim do dia, não pararam mais até
que, já ao crepúsculo, Honir avistou uma pequena casa.
- Que tal fazermos uma parada ali? - sugeriu, pois tinha os pés em brasa. Ninguém
se opôs e, logo estavam lá dentro, recebidos pela cordialidade de Hreidmar, um velho
senhor que pertencia a raça dos Anões.
- É uma honra tê-lo em minha casa - disse ele a Odin, relanceando também um
olhar aos demais, incluindo-os tacitamente nas boas-vindas.
Outra vez, Loki e Honir viram-se diante de uma bela refeição até que, de repente, a
vistosa pele de Loki atraiu a atenção do dono da casa.
- Estranho, parece-me que já a conheço... - disse o velho anão, sentindo uma
angústia oprimir-lhe o peito.
Não demorou muito para que Hreidmar fizesse uma dolorosa descoberta.
- Oh, deuses! - exclamou ele, com um grito de dor. - Um crime hediondo! Odin e os
demais entreolharam-se abismados, sem nada entender; pediram, então, explicações ao
anão.
- Como? - rugiu ele, colérico. - Dar-lhes explicações? Não, meus senhores, é a mim
que as devem, pois este, que aí está, é meu filho Otter!
- Seu filho? - perguntou Honir, atônito.
- Sim, Otter usava o disfarce de uma lontra para realizar as suas pescarias!
- disse Hreidmar, tomando o casaco das mãos de Loki e abraçando-o em prantos.
Odin voltou-se feroz para Loki, que quase sumiu debaixo da mesa. "Outra confusão
que nos arma!", disse o velho deus com o olhar.
- Que ninguém saia desta casa sem antes pagar pelo assassinato de Otter!
- bradou o irado anão.
No mesmo instante, surgiram Fafnir e Regnir, seus dois outros filhos, armados de
lanças e machados, os quais, apesar da pouca estatura, mostravam-se dispostos a dar
cumprimento à determinação de seu pai.
O velho anão exigiu dos três deuses que lhe efetuassem um ressarcimento pela
morte do filho, ou então, que entregassem o pescoço à sua espada. Como todo bom
anão, Hreidmar exigiu que o pagamento fosse feito em ouro.
- Loki, o assassino, ficará encarregado de arrumar o ouro, que deverá ser suficiente
para encher a pele da lontra, empilhando-o ainda por cima até cobri-la totalmente - disse
o anão de modo terminativo.
Depois de estudar a questão, Odin decidiu acatar as exigências de Hreidmar, mais
por pena do velho pai do que por receio das armas de seus minúsculos filhos.
- Vá, Loki - disse ele, fazendo um gesto com a mão. - Já que nos meteu nesta
enrascada, dê agora um jeito de nos livrar dela também.
***
Loki partiu ainda noite fechada. Um teto branco de nuvens recobria sua cabeça,
enquanto um vento frio arremessava flocos pesados de neve em todas as direções. Sem
poder, naturalmente, levar seu novo casaco, o desastrado deus tinha motivos de sobra
para maldizer a sua sorte.
- Por que estas coisas só acontecem comigo? - perguntava-se ele, parecendo um
fiambre, enrolado três vezes em seu manto fino e insuficiente.
Loki deveria ir até o país dos Anões, também chamados de Duendes ou Elfos
Sombrios, pois viviam em cavernas ocultas sob a terra.
Apesar da nevasca, estava-se já em pleno período do degelo, o que não tornava
nada incomum que Loki metesse, de vez em quando, o pé até as canelas, numa profunda
poça de água, coberta apenas por uma enganosa casquinha de gelo. Graças, porém, aos
bons fados, conseguiu chegar lá com certa rapidez.
O dia amanhecia e Loki, na pressa, esquecera de levar suprimentos de modo que
seu café da manhã esteve em sério risco de não se realizar. Porém, mais uma vez, surgiu
à sua frente um rio salvador - ou antes, mais um rio problemático, como logo se verá. Loki
chegou até a margem e observou diversos salmões, vagando de lá para cá sobre o
espelho gelado da água. Advertido que fora pelo primeiro incidente, deveria ter preferido
ignorar os peixes; mas, como sua fome era maior do que qualquer raciocínio, Loki não
hesitou em se servir, mais uma vez, de um daqueles apetitosos peixes.
- Este é o mais gordinho...! - disse ele, agarrando um salmão rechonchudo.
Entretanto, quando se preparava para meter o desgraçado no espeto, escutou um ruído
semelhante a uma voz escapar de sua boca redonda.
- Largue-me, imbecil! - disse o salmão, numa voz ofegante. Suas escamas estavam
todas eriçadas e suas douradas barbatanas agitavam-se freneticamente.
- Maldição...! - exclamou Loki, indignado. - Não há mais salmões ou lontras de
verdade neste mundo? - Depois, encarou bem o peixe nos olhos, que arfava
miseravelmente, e disse: - Quem é você, afinal...?
- Sou Andvari, o mais poderoso de todos os duendes! - gritou o peixe.
- Oh, não é!, pelo menos neste momento! - escarneceu Loki perversamente.
- Deixe-me ir embora, ordinário!
- Posso saber o que fazia dentro da água a estas horas?
- Pescava, já se vê!
- Como assim?
- Que meio melhor de pescar um salmão do que se fingir um deles?
- E por que disse que é o mais poderoso de todos os duendes?
- Porque sou, já se vê!
- Não vejo poder algum num salmão quase morto!
- Quer o quê, imbecil?, que eu ande por aí com minhas fabulosas riquezas?
- Fabulosas riquezas...? Então, o salmãozinho guarda ouro em casa? Desta vez,
Andvari teve ódio de si mesmo: abrira demais a sua boca de peixe!
- Quem é o imbecil, agora, espertalhão? - disse Loki triunfante.
O deus havia achado o que procurava: muito ouro para resgatar os seus
companheiros da enrascada que arrumara com o outro anão.
- Leve-me já à sua casa! - disse ele, ameaçando atravessar o salmão de lado a lado
num graveto afiado.
Sem meios de opor resistência, Andvari levou Loki até sua residência, que estava
situada abaixo da terra. Não havia tocha alguma pelos corredores estreitos cavados na
própria rocha, pois o brilho intenso que irradiava das janelas da casa de Andvari bastava
para iluminá-los perfeitamente.
Loki sorriu, satisfeito, como poucas vezes sorrira.
Quando ambos entraram na bela casinha, Loki permitiu a Andvari, que retornasse à
sua forma normal, uma vez que o duende estava preso ao compromisso de pagar a
liberdade com suas riquezas.
- Quanto quer?, não muito, espero! - disse o nanico, contrariado.
- Oh, nada que vá reduzi-lo à miséria - disse Loki, cujos olhos reluziam mais que o
próprio ouro ali ajuntado. De fato, montanhas de jóias e barras de ouro e de prata, além
de enormes sacos de ouro em pó, estavam empilhados por toda parte, de sorte que Loki
e Andvari só podiam se movimentar em fila indiana.
Por detrás de um verdadeiro muro de ouro, porém, ainda podia se percebei' o
pedaço de um antigo e pequeno quadro de parede, já sem o vidro protetor. Dele, somente
podia-se ler duas palavras, que se destacavam bem nítidas, uma acima da outra: a de
cima dizia "ouro", e a de baixo, "dominá-lo".
- É o seu lemazinho, hein? - disse Loki, fungando um riso de aprovação.
O duende abaixou os olhos e mandou, apressado, que seguissem adiante.
- Vamos aliviá-lo um pouco deste aperto danado! - disse Loki, esbarrando os joelhos
em enormes baús e canastras atopetados de ouro - Verá como, após a minha saída, a
sua casa vai se tornar bem mais arejada...!
O duende mordia o lábio inferior.
- Vamos, tenho mais o que fazer! - disse ele, com muito maus modos.
Loki começou a escolher as suas peças; com um carrinho de mão, foi amontoando
tudo o que encontrava de mais valioso até deixá-lo abarrotado de riquezas
verdadeiramente celestiais.
- Acho que isto basta - disse ele, voltando-se para o duende.
Neste instante, porém, percebeu que o pequeno ser ocultara algo dentro do seu
bolso esquerdo.
- O que tem aí, sabichão? - disse Loki, intrigado.
- Nada que vá lhe fazer falta! - disse o duende, azedo.
- Vamos, deixe-me ver! - bradou Loki. - Se não me mostrar, não haverá acordo
nenhum!
Andvari, com a morte na alma, retirou do bolso um pequeno anel. Desde o primeiro
instante, ele exerceu uma atração formidável sobre os olhos - e principalmente o coração
- de Loki, bem como de todo aquele que o observasse. Era feito de um ouro puríssimo,
porém, uma aura - também dourada, mas infinitamente sinistra - o envolvia, como se uma
alma imaterial corrompida resguardasse um corpo absolutamente perfeito.
Loki aproximou-o do olho, mas não pôde contemplá-lo por muito tempo, tal o fulgor
que despendia. Imediatamente, guardou-o em sua algibeira como o bem mais precioso de
toda a casa.
- Deixe-o comigo, estou lhe avisando! - gritou o duende, com a voz rascante. - Ele
trará males terríveis a todo aquele que o possuir!
- Oh, sim...! - disse Loki, dando-lhe as costas. - Estou vendo todo o mal que lhe
trouxe!
- Trouxe você; não é mal o bastante? - disse Andvari, amargurado.
Mas, Loki não estava disposto a devolvê-lo por nada deste mundo. Por isso saiu
porta afora com seu carrinho sem querer escutar mais unia palavra. Somente quando já
estava inteiramente a salvo, voltou a cabeça para se despedir do anão com esta ironia:
- Volte para casa, velho avarento! E, agradeça a mim, pois além de ouro, agora
sobra também espaço em sua bela casa...!
Andvari ainda lhe rogou algumas imprecações, mas este desapareceu, logo em
seguida, tomando o atalho de uma escura floresta.
Quando retornou para a sua sala, entretanto, percebeu que, de fato, ela se tornara
bem mais espaçosa: eleja podia até caminhar por tudo sem ter de arrastar os sapatos,
como se eles estivessem amarrados um no outro.
Então, subitamente, seus olhos foram atraídos à parede onde antes havia a pilha de
ouro. O quadrinho, que até então estivera tapado, voltara a se destacar. Ele o mandara
fazer quando era ainda muito jovem - um alegre duende, cuja única riqueza era sair todas
as manhãs para ir andar, despreocupadamente, pelos bosques. Desde aquele dia, ele o
afixara em sua parede principal e ali esteve, gloriosamente, à vista de todos, durante o
período áureo de sua vida. Ainda havia ouro suficiente na sala para iluminar os seus
dizeres, cobertos apenas por uma fina camada de pó:

"Suas mãos vão se encher de ouro;
e, apesar disso, o ouro não vai dominá-lo. "


***

Loki retornou à casa do anão Hreidmar, onde estavam Odin e Honir como reféns, e
despejou o conteúdo do carrinho diante do anão, que, mesmo assim, ordenou que Loki
cumprisse à risca o combinado:
- Encha a pele da lontra e depois a cubra com todo o ouro que restar.
Loki fez o que o anão ranzinza determinara; mas, tomara o cuidado de entregar o
anel a Odin, que desde que pôs os olhos nele cobiçou-o terrivelmente.
A pele de lontra encheu-se das riquezas e foi toda coberta com o ouro -ou quase
toda, pois o anão Hreidmar, após detida inspeção, encontrou um pedaço de fio a
descoberto.
- Ponha, ali, o anel - disse ele friamente. Seu tom era de quem dissesse "pensam,
então, que não o vi esconderem?"
Odin relutou muito, mas tal como Andvari, viu-se, afinal, obrigado a se desfazer de
sua preciosidade. Hreidmar apoderou-se do anel, porém, sob as vistas dos dois filhos
restantes, Regnir e Fafnir.
- Agora, já podem ir - disse ele, como quem desejasse ver-se livre de perigosos
rivais.
Odin, Loki e Honir deixaram a casa e o fizeram em boa hora, pois a maldição do anel
começou a fazer efeito tão logo os três puseram o pé fora da porta.
- Que anel magnífico é este? - disse Regnir, tentando se aproximar.
- Deixe-me experimentá-lo! - disse Fafnir, com os olhos arregalados.
Hreidmar ergueu o braço, ocultando o outro, onde estava o anel.
- Não se aproximem! - disse ele furioso. - Não há ouro bastante, aí no chão, para os
dois?
Sem dúvida que todo aquele ouro era tentador e cada qual, à esta altura, já pensava
no meio de ficar com a melhor parte. Otter, o irmão morto, havia desaparecido
completamente de seus pensamentos.
- Dê-me logo a minha parte! - bradou Fafnir, que era o mais sedento.
- E a minha também! - secundou Regnir.
Hreidmar, que já havia escondido o anel nas profundezas do seu colete, percebia,
agora, o verdadeiro montante da riqueza amealhada por Loki.
"Uma imensa fortuna!", pensou ele. "Mas, uma imensa fortuna dividida em três
partes, não passará nunca de três pequenas fortunas", acrescentou. Este pequeno
silogismo bastou para criar a convicção de que não poderia ser assim.
- Depois, veremos a partilha; por enquanto, vou calcular o valor real de todas estas
preciosidades - disse ele, dispensando os dois filhos.
- Ei, que negócio é este? - disse Fafnir, voltando-se para o irmão em busca de um
aliado.
- Calado, para fora os dois! - disse o velho, furioso.
Fafnir ainda empunhava seu machado. Desta feita, voltou-se para o irmão em busca
de um cúmplice.
- Vai permitir que lhe passem a perna, imbecil? - disse, raivoso.
- Papai, seja razoável; vamos dividir este negócio agora mesmo! - disse Regnir,
tentando contemporizar.
- Patifes...! Fora daqui...! - respondeu ele. - Como ousam me desafiar?
Fafnir, sem esperar mais nada, empunhou seu machado e num golpe repentino
liquidou com Hreidmar. Regnir, apavorado, recuou até o fundo do aposento.
- Maricas! - disse seu irmão, metendo a mão no bolso do pai abatido e tomando para
si o anel fabuloso.
- Esta preciosidade fica comigo! - disse ele, momentos antes de fugir com todo o
ouro.
Regnir fez menção de impedi-lo, mas seu irmão olhou-o de um modo tão medonho
que ele não teve a menor dúvida de que teria sido liquidado naquele mesmo instante caso
tivesse ousado enfrentá-lo.
Fafnir colocou todo o tesouro dentro de uma carroça e partiu no mesmo dia para um
local ignorado. Somente muito tempo depois, Regnir descobriu o local do seu esconderijo.
Seu irmão, entretanto, dominado pela cobiça e pelo anel, havia se transformado num
terrível dragão.
Desde então, este dragão tornou-se o vigia perpétuo do seu tesouro, do qual a peça
mais importante era um pequeno e dourado anel, em cujo círculo a morte girava,
eternamente, à espera da próxima vítima.
Shiki ~
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Sigmund e a espada enterrada

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 7:42 pm

Sigmund e a espada enterrada


Signy era a bela filha de Volsung, rei dos Unos. Ela tinha um irmão gêmeo
chamado Sigmund e este foi o único de seus nove irmãos a tomar o seu partido, quando
ela se negou a casar com Siggeir, rei dos Godos.
Contudo, o casamento realizou-se, afinal, no grande salão do castelo dos Volsungs,
onde se reuniram todos os convidados. Siggeir, o noivo, estava radiante, trajado em finas
vestes e portando jóias mais preciosas do que a própria Signy, sua futura esposa, a qual
preferira vestir-se de maneira mais apropriada ao seu infeliz estado de espírito. As
pessoas estavam concentradas ao redor de um grande freixo situado bem no meio do
imenso salão dos Volsungs. Na verdade, as sólidas paredes do castelo haviam sido
erguidas ao redor daquela árvore, como se o construtor pretendesse reproduzir dentro do
castelo o próprio universo, centrado no freixo de Yggdrasil.
Nada, de fato, podia ser mais impressionante do que avistar, logo na entrada, aquela
árvore descomunal, cujo sólido tronco, de casca espessa e rugosa, brotava do chão e
subia de maneira vertiginosa até quase alcançar o elevado teto. Seus galhos espalhados
sobre o salão faziam com que uma chuva permanente e esparsa de grandes folhas secas
fosse atapetar o assoalho de mármore, dando um aspecto verdadeiramente florestal
àquele majestoso salão.
A festa transcorria, alegremente, sem que uma única alma ali presente, a exceção
de Sigmund, estivesse preocupada com o estado de espírito da noiva. As diversas
lareiras, espalhadas por todo o salão, esplendiam magnificamente, multiplicando a
presença dos convidados em centenas de sombras deformadas e desencontradas, dando
um tom quase sobrenatural à reunião. Siggeir, o noivo, recebia os cumprimentos rudes e
efusivos de seus parentes e amigos, nobres das mais diversas procedências, que ainda
não haviam cessado de chegar. Ao mesmo tempo, operosos criados iam empilhando à
entrada as pesadas peles, as quais, dificilmente, seriam vestidas, à saída, pelos mesmos
donos.
Em meio a esta verdadeira multidão, entretanto, havia um velho muito estranho, que
se recusara a entregar ao criado a sua comprida capa, nem tampouco o seu longo
chapéu de aba desabada.
- Não prefere deixá-la comigo? - disse o lacaio, referindo-se à longa espada que o
velho encapuzado trazia presa à cintura.
O olhar ameaçador e sinistro que o estranho desferiu de seu único olho descoberto
foi resposta bastante ao lacaio, que lhe abriu passagem rapidamente.
Os convidados perceberam que algo de estranho estava acontecendo, quando viram
que a massa indistinta começara a se compactar dos lados, enquanto, ao centro, uma
pequena brecha ia se rasgando. Era o estranho velho, que avançava por entre os
convidados em direção ao freixo, sem que ninguém ousasse interpor-se entre ele e o seu
objetivo.
- Quem é este mendigo e o que faz aqui? - perguntou Siggeir a um parente que
estava ao seu lado. Nem ele, nem ninguém soube, no entanto, responder.
Quando o velho postou-se, finalmente, em frente ao largo tronco, um silêncio
angustiado desceu sobre todo o salão, quebrado apenas pelo estalar contínuo das
imensas toras de madeira que crepitavam nas lareiras. A rápida evaporação da neve
acumulada em seus ombros envolvia-o numa evanescente névoa branca e fumegante, o
que contribuía para tornar sua figura ainda mais assustadora.
- Quem foi o imbecil que deixou este mendigo entrar? - gritou Siggeir, irritado pelo
incidente desagradável. - É, por acaso, algum parente seu? -acrescentou, tomando com
rudeza o frágil braço da esposa. Sim, porque parente de Siggeir não poderia ser, com
aquele aspecto sórdido e vil.
O velho, sem dar ouvidos ao burburinho que se avolumava, sacou, de repente, a sua
espada. O ruído áspero do metal, deslizando sobre o envoltório da bainha, soou para
aquela turba como uma ordem de silêncio, que todos tiveram o juízo de acatar. O brilho
das fogueiras refletiu-se sobre o aço erguido com tal intensidade que a todos deu a
impressão de que a espada era feita do próprio fogo. E, então, após mirá-la bem no
centro do freixo, ele a enterrou com toda a força na madeira de modo que somente o seu
cabo prateado ficou à vista.
Um murmúrio de espanto rolou por todo o salão, silenciado, cm seguida, pela voz
solene do velho.
- Aqui permanecerá encravada Notung, a espada perfeita, até que um perfeito herói
consiga dela se apossar!
Mal terminara de proferir as palavras, o velho lançou a sua cinzenta capa para as
costas e se retirou, apressadamente, deixando atrás de si uma multidão aparvalhada.
Mas, tão logo, tiveram todos a certeza de que o temível visitante havia se retirado,
lançaram-se num tropel furioso em direção ao ponto onde a espada estava encravada.
- Notung, ele disse...? - perguntou alguém, admirando o cabo finamente lavrado.
- Quem era ele? - perguntava outra voz alarmada.
Um exército de braços esticou-se da multidão compactada, como se um único e
monstruoso ser de mil braços tentasse apossar-se da cobiçada arma.
- Para trás, todos! - rugiu Volsung, o dono do castelo e (ao menos, teoricamente) da
maravilhosa espada.
O pai de Signy aproximou-se, cautelosamente, do local; com uma de suas mãos, ele
tocou o cabo solidamente enterrado no freixo. Apesar de várias mãos ávidas de desejo já
terem-no tocado, ele permanecia gelado, como se recém tivesse saído de dentro de um
iceberg.
- É uma espada mágica...! - disse ele ao genro Siggeir, que viera, rapidamente,
postar-se ao lado do sogro na expectativa de ser contemplado com aquele magnífico
presente.
- Permita, generoso sogro, que seja eu o primeiro a tentar retirá-la! -exclamou
Siggeir, com a mais dócil das vozes.
O velho Volsung deu uma olhada de esguelha ao genro e disse:
- Antes de você, tenho nove filhos para dar a preferência.
- Perfeitamente compreensível, meu sogro e meu rei! - disse Siggeir, com um sorriso
de subserviência, ao mesmo tempo, em que pensava, enterrando as unhas nas palmas
das mãos: "Filho da loba!"
Um a um perfilaram-se diante da espada os nove filhos do velho Volsung.
Infelizmente todos, a exceção de Sigmund, eram umas lamentáveis nulidades, incapazes
de erguer direito as próprias espadas.
- Adeus, meus patetas - disse o velho, desgostoso, enquanto os dispensava. -
Continuem a procriar, vocês nasceram para isso.
Então, quando estava para chegar a vez de Sigmund, o noivo de sua irmã deu um
jeito de se atravessar na sua frente.
- Meu querido cunhado, permite-me fazer antes de você minha tentativa? Eu
receberia isto como um verdadeiro presente de casamento daquele que, de hoje em
diante, passará a ser meu irmão predileto. Você não se importaria, não é?
- Saia da frente - disse o irmão da pobre Signy, que não suportava sequer olhar para
o rosto do novo cunhado. Sigmund estendeu a mão para o punho da espada, enquanto
todas as respirações estavam suspensas. Então, mal a tocou, ela se desprendeu com
toda a suavidade.
- Milagre...! - exclamaram algumas vozes. Alguns mais afoitos caíram de joelhos
sobre o mármore, clamando em histeria: "É o rei...! É o rei...!"
- Lunáticos! - berrou Volsung. - O rei aqui sou eu! De onde tiraram esta idéia'.' Então,
depois da turba serenada, puderam todos apreciar o objeto maravilhoso. Com efeito,
nunca se vira uma espada tão bela e preciosamente forjada.
- Quanto quer por ela? - foi logo dizendo Siggeir ao cunhado vitorioso de maneira
franca e direta.
- Se fosse possível vê-lo desaparecer no ar junto com ela, acredite que ela seria sua
- disse Sigmund, dando-lhe as costas com o precioso objeto na cintura.
O restante da festa, Siggeir tornou-se mal-humorado. Sua noiva era o brinquedo
subitamente envelhecido, que empalidecera diante do novo; por isso, passou a tratá-la
cruelmente, menos, é claro, quando o sogro surgia por perto.
- Creia-me, poderoso Volsung, este é o dia mais feliz da minha vida! -dizia Siggeir ao
velho para, em seguida, pensar com rancor: "Vai, filho da loba!"
***
Signy, a infeliz noiva, foi morar no reino de seu novo marido. Antes de partir,
entretanto, Siggeir fez um convite a Volsung e a todos os seus filhos paia que fossem
visitá-lo dali a três meses. "Três meses é tempo bastante para lhes preparar uma bela
cilada!", pensou ele, ao expressar o convite.
Volsung, incautamente, aceitou, pois queria ver-se logo livre daquela chateação,
uma vez que não tinha desejo algum de conhecer as terras do genro, nem tampouco de ir
visitar a filha, uma boca inútil da qual, finalmente, se livrara.
Os três meses passaram-se e, na data aprazada, Volsung e sua comitiva - na qual
se incluíam os seus nove filhos - chegaram às portas da cidade dos Godos. O dia mal
amanhecia e os pássaros cantavam alegremente nos espessos arvoredos.
Entretanto, tão logo as portas abriram, Volsung e seus homens escutaram o soar
terrífico das trombetas de guerra. Logo, uma chuva de flechas desceu das ameias,
abatendo uma grande quantidade deles, enquanto Volsung berrava feito louco, puxando
as rédeas de seu cavalo:
- Traição!... Traição!... Recuem todos!...
Mas, já era tarde: quatro colunas imensas de soldados comandados por Siggeir em
pessoa, romperam dos portões e se puseram a massacrar de maneira bárbara os homens
de Volsung. Antes que o sol estivesse no zênite, estavam todos mortos, a exceção de
Sigmund e seus oito irmãos.
- Sejam bem-vindos, netos da loba! - disse Siggeir, do alto do seu cavalo, com os
longos cornos do seu capacete de chifre a brilhar intensamente sob o sol da manhã. -
Depois, voltando-se para os seus homens, arrematou com um gesto de desdém: - Vamos,
o que estão esperando para limpar esta sujeirada?
Sigmund e seus irmãos foram levados presos, enquanto os soldados de Siggeir
empilhavam os corpos dos mortos numa grande pira repleta de estrume. A cabeça do
velho Volsung foi espetada em um chuço ao alto da fogueira, que breve arderia à frente
das muralhas do castelo.
Quanto aos dez irmãos, Siggeir engendrou um método bárbaro de execução para
eles: a cada noite um deles seria colocado nu e amarrado ao tronco de uma árvore para
que uma esfomeada loba viesse durante a noite comê-los vivos.
Assim, a cada noite um dos irmãos de Sigmund foi sendo devorado, regiamente,
pela loba esfomeada.
Mas, o que pensaria disto tudo Signy, a esposa do tirânico Siggeir?
Naturalmente, horrorizada com as atitudes do pérfido marido, ela tentara demovê-lo
de sua maldade, recebendo em troca, entretanto, algumas severas surras, que logo a
fizeram desistir da idéia de tornar dócil o seu esposo. Decidiu, então, recorrer à astúcia
para livrar seu irmão do suplício. Para isto, ordenou que durante a noite, uma serva fosse
até ele e lambuzasse seu rosto de mel. Assim, quando o animal chegou para devorar
Sigmund, começou a lamber o mel de seu rosto com sua grande língua úmida. Mas seu
asco atingiu o auge quando a loba começou a lamber seus próprios lábios! Então,
lembrou-se da recomendação que sua irmã mandara por meio da serva: '"Quando a loba
estiver próxima de seus lábios, deixe que ela introduza a língua dentro de sua boca!"
Sigmund fechou os olhos e assim fez.
A loba, com efeito, introduziu sua língua dentro da boca de Sigmund, onde estava
guardada a maior parte do mel. Este, tão logo sentiu a língua ao alcance dos seus dentes,
cerrou-os com toda a força, dilacerando-a num único golpe.
O animal recuou num pulo e fugiu aterrorizado, cuspindo sangue pela neve. Antes
de escapar, entretanto, já havia feito o que Sigmund mais desejava: roído suas cordas,
que estavam, também, besuntadas de mel, de modo que não precisou mais que um
pequeno esforço para se libertar das amarras. Mesmo estando livre, porém, ele não pôde
deixar de exclamar, indignado:
- Signy deve ter-me pregado uma boa peça, ou, então, não é lá muito inteligente!...
Não seria muito mais simples ter mandado que esta serva idiota me desse uma faca, ou
que ela mesma me livrasse das cordas, sem que eu precisasse ter de beijar loba
alguma?!
O fato é que, de um jeito ou de outro, Sigmund agora estava livre para começar a
tramar a sua sangrenta desforra.
***
Sigmund retornou às pressas para a sua terra, ao mesmo tempo em que continuou a
manter contato com sua infeliz irmã. Signy, entretanto, cansada de sofrer calada nas
mãos do tirânico marido, desde então, começou a planejar um meio de se vingar dele.
Começou por mandar, secretamente, até o irmão os dois filhos, que tivera de sua união
para que ele os treinasse. Sigmund, contudo, os desaprovara e expressara isto da
maneira mais rude possível, matando-os sem dó nem piedade.
Signy, entretanto, amava tanto o irmão que não se sentiu magoada com ele,
chegando antes à conclusão de que o sangue de seu marido é que os tornava incapazes
de erguer o braço contra o próprio pai. Consciente disto, ela imaginou um meio de gerar
um filho com o puro sangue dos Volsungs, sem qualquer mescla de impureza. E, para
que isto ocorresse, só havia um meio: gerar um filho com seu próprio irmão Sigmund.
Signy havia aprendido algumas artes mágicas com uma poderosa feiticeira, entre as
quais, a arte da metamorfose. Assim, um dia, transformou-se numa bela e jovem feiticeira
e foi ter com seu irmão, que, sem a reconhecer, apaixonou-se perdidamente por ela. Nove
meses depois, surgiu o fruto deste amor proibido: um garotinho que recebeu o nome de
Sinfiotli.
Sinfiotli cresceu junto de seu pai e com ele viveu muitas aventuras. Muitas lendas
corriam a respeito dos dois, e uma, terrível, dizia que ambos tinham o poder de se
transformar em lobos, percorrendo unidos os campos e aldeias, matando tudo quanto
encontravam pela frente. Um dia, entretanto, o furor de ambos chegou a tal ponto que
Sigmund, num acesso de furor lupino, matou seu próprio filho. Arrependido, no entanto,
clamou tanto aos céus que o ressuscitassem, que um corvo passou voando acima de sua
cabeça e deixou cair do bico uma folha mágica. Sigmund esfregou-a no peito de Sinfiotli,
que readquiriu a vida instantaneamente.
O esposo de Signy, à esta altura, já havia descoberto o autor da morte de seus dois
filhos e a parte que sua mulher tivera neste episódio. Sua vingança não se fez esperar:
após armar uma cilada a Sigmund e seu filho, enterrou-os vivos numa fortaleza para que
ali perecessem de fome e sede.
Mais uma vez, contudo, a irmã de Sigmund auxiliou-o, fazendo com que a espada
mágica fosse introduzida na fortaleza. Com ela, os dois puderam, então, escavar uma
saída. Mas, desta vez, Sigmund não estava disposto a dar novamente as costas ao seu
inimigo.
- Vamos até o castelo de Siggeir! - disse ele, voltando-se para o filho. -Esta noite o
tirano pagará por todos os seus crimes!
Sinfiotli abraçou, ardorosamente, a idéia. O velho brilho lupino ardeu novamente nos
olhos de pai e filho e assim ambos rumaram para o castelo. Uma vez lá, Sigmund
acendeu duas tochas e disse ao filho:
- Ponha fogo em tudo! Deixe os homens de Siggeir comigo.
Empunhando sua Notung afiadíssima, Sigmund começou a matar, impiedosamente,
um por um dos homens da casa até se ver frente a frente com o pior deles.
- Aí está o cão! - disse ele a Siggeir, que ficou branco como a mão da Morte.
O desgraçado ainda tentou enfrentar Sigmund, mas somente uma pessoa podia
fazer frente à Notung, a espada invencível, e este alguém, certamente, não era o covarde
marido de Signy, que caiu ao primeiro golpe desferido pelo adversário.
Enquanto Sinfiotli prosseguia a incendiar o palácio, Sigmund deparou-se com sua
irmã, Signy.
- Vamos embora, minha irmã! - disse ele, estendendo-lhe a mão. Mas, Signy parecia
ausente.
- Não, Sigmund, o meu lugar é aqui - disse ela, mostrando-se irredutível.
- O que está dizendo? - exclamou seu irmão, sem nada entender.
- Bem ou mal, o lugar de uma esposa é junto a seu marido!
- Oh, louca...! Seu marido era um assassino!
- Eu também: não mandei meus próprios filhos para a morte?
- Não eram seus filhos, mas daquele cão miserável!
- Sinfiotli também é meu filho, nosso filho, filho de um incesto!
Sigmund ficou estarrecido diante da revelação. Sem dizer mais nada, deu as costas
à irmã, deixando-lhe a liberdade de seguir seu próprio destino.
Num instante, as labaredas envolveram completamente o castelo. Signy estava certa
de que os deuses não a deixariam sem uma terrível punição e por isso, decidira pagar ela
mesma o preço de seu ódio.
***
Sigmund ainda viveu muitos anos e participou de muitas batalhas. Já velho, estava
participando de mais uma guerra, quando, em meio ao fragor das espadas, viu surgir em
sua direção um velho montado em um cavalo de oito patas. Sigmund custou a reconhecêlo,
mas, por fim, teve a certeza: era o mesmo velho que encravara a espada Notung no
freixo há muitos anos.
O velho desceu do cavalo, envergando seu velho manto acinzentado. O mesmo
chapelão de aba caída escondia seu olho cego e foi com o outro sadio, que fuzilou
Sigmund com um olhar fatal como o do próprio destino.
Era Odin, o deus supremo, que vinha agora cobrar o preço pela espada.
- Chegou a hora de nos medirmos, velho herói! - disse o deus a Sigmund, que
desceu de seu cavalo, já sabendo que nem mesmo com a espada mágica seria capaz de
derrotar o deus, que portava a sua poderosa lança Gungnir.
- Sua esposa já está grávida de seu novo filho - disse Odin, com a voz solene. - Ele
será infinitamente maior que Sinfiotli ou mesmo você.
Sinfiotli havia morrido há muitos anos e foi com alegria na alma que Sigmund
recebeu a boa nova. No mesmo tempo em que pensou isto, avistou nos aros uma das
Valquírias - cavaleiras, filhas de Odin, que percorriam os campos di' batalha para recolher
os heróis mortos e conduzi-los ao Valhalla - que avançou em seu cavalo, retesando a
lança em sua direção.
Sigmund compreendeu que sua hora chegara. Odin fez um sinal para que sua filha
se afastasse e arremessou de próprio a lança cm direção a Sigmund. O herói tentou
aparar o golpe com sua espada, mas ela caiu despedaçada aos seus pés.
- Gungnir é ainda maior do que Notung! - gritou Odin, recolhendo a sua poderosa
lança.
A partir daquele instante, a sorte da batalha virou contra os exércitos de Sigmund, o
qual acabou morto em uma refrega, cercado por uma legião de inimigos. Mais tarde, sua
esposa foi encontrá-lo em meio aos corpos dos moribundos.
Sigmund, com a cabeça no regaço da rainha, disse-lhe num fio de voz:
- É o meu fim, adorada Hiordi... Esqueça do meu pobre corpo e recolha os
fragmentos da espada. - A esposa viu no chão, de relance, os pedaços faiscantes de
Notung. - Quero que a entregue a meu filho... - continuou a dizer o rei moribundo. - Ele já
está em seu ventre e há de ser maior do que eu...!
Depois de profetizar o glorioso destino de seu filho, Sigmund recostou a cabeça e
morreu. Somente, então, as Valquírias puderam recolher o seu corpo e levá-lo à morada
dos deuses, onde Odin, sentado em seu trono, recepcionou-o com sua corte majestosa
de guerreiros mortos.
Hiordi foi levada por um grupo de vikings liderados por Elf, filho do rei da Dinamarca,
que passava pelo local. Sem que soubesse, Elf levava consigo também Sigurd, o herói
que seria ainda maior que o próprio pai.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Sigurd e o anel do dragão

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 7:50 pm

Sigurd e o anel do dragão



Sigurd era filho do guerreiro Sigmund e de sua esposa Hiordi. Sigmund morrera, já
velho, em pleno campo de batalha, depois que Odin quebrara sua espada momentos
antes do combate.
Tão logo Sigmund expirara, sua esposa fora levada embora por um viking de nome
Elf, que era filho do rei da Dinamarca. Hiordi, grata pela generosa acolhida, acabou por se
casar com Elf e, ali mesmo, em terra estrangeira, deu à luz a seu filho, que se chamou
Sigurd3. O pequeno garoto, entretanto, foi entregue aos cuidados de Regnir, um anão
feiticeiro, irmão de Fafnir, cuja ambição o transformara em um repelente dragão.
Sob a orientação deste ser sábio - e, ao mesmo tempo, de uma moralidade dúbia -
Sigurd foi criado, recebendo muitos dos privilégios que mereceria um filho do próprio rei.
Ainda assim, seu preceptor não cansou nunca de lhe incutir o sentimento da revolta.
- Oh, Sigurd... Por que se contenta em ser um personagem secundário nesta corte
medíocre, quando poderia ser o primeiro entre todos? - dizia-lhe Regnir todos os dias,
enquanto lhe ia ministrando os muitos segredos que conhecia. - E a sua herança, a qual
faz jus por ser filho de uma rainha, onde está? Alguém já lhe falou do assunto? Você já é
um homem feito, e, no entanto, ainda não tem meios de exercer a sua liberdade. Sigurd,
creia-me: um homem sem ouro, não vale nada em lugar algum!
Furioso com a nula receptividade de seu discurso, Regnir disse-lhe com uma nota de
escárnio na voz:
- Sigurd, como pode aceitar o fato de ser o único homem da corte a não ter seu
próprio cavalo?
O jovem, entretanto, acostumado a correr com os cavalos que escolhia livremente
na coudelaria do próprio rei, jamais tinha pensado no assunto.
- Um cavalo só para mim...? - disse ele, com o ar surpreso.
- Claro, seu tonto! - respondeu Regnir, sapateando no pó. - Você tem direito a ter
sua própria montaria!
Sigurd resolveu, então, procurar o rei e fazer seu pedido.
Ao contrário do que se poderia esperar, foi atendido pelo rei, que o autorizou a
escolher um de seus melhores cavalos. Quando chegou à coudelaria, porém, encontrou
um velho caolho envolto num manto, que parecia ser o cavalariço real.
- Jovem Sigurd, vem, finalmente, escolher sua própria montaria? - disse o velho,
como se já estivesse informado há muito do fato.
- Sim, mas como sabe disto? - disse Sigurd, intrigado.
- A melhor maneira de escolher um cavalo, é montando-o. Pode parecer óbvio, mas
poucos tem a lucidez para percebê-lo!
Sigurd deu ao velho um sorriso de assentimento.
- Muito bem, vamos montá-los, então, um a um!
- Não, não aqui!... - disse o velho, abanando a mão. - Leve-os até o rio e entre com
eles no vau da correnteza; aquele que segurar melhor as patas dentro da água, será o
escolhido.
Sigurd fez o que o velho sugerira e, depois de estar dentro do rio o dia inteiro,
chegou, finalmente, a uma conclusão:
- É este! - disse ele, acariciando as crinas de um belo e lustroso cavalo negro.
- Greyfell! - exclamou o velho caolho, satisfeito. - Tal é o nome deste belo cavalo. -
Depois, voltando-se para o jovem, acrescentou: - Sabe de quem descende?
- Não faço a menor idéia - respondeu o jovem Sigurd.
- Ele é filho de Sleipnir, o maior de todos os cavalos! - disse o velho, com orgulho. E
ele podia sentir-se, de fato, orgulhoso, pois era o próprio Odin, o dono do célebre cavalo
de oito patas. Porém, o velho deus não revelou a Sigurd a sua identidade, desaparecendo
logo em seguida.
De posse de seu novo cavalo, Sigurd aprendeu as artes da cavalaria, que o anão
Regnir lhe ensinou com todo o empenho. Mas, na cabeça deste ainda estava fixa a idéia
de fazer com que o herói se tornasse tão ambicioso quanto ele próprio.
Pois, a verdade é que havia uma riqueza que o anão ambicionava mais que tudo
neste mundo e que estava guardada por seu irmão Fafnir, o qual se convertera em um
temível dragão para melhor protegê-la.
"Está chegando a hora, astuto Regnir, de você pôr as suas mãos naquele belíssimo
tesouro", dizia ele todos os dias para si mesmo. "E também naquela encantadora
preciosidade!" (O anão referia-se ao anel que fora forjado pelo também anão e mago
Andvari, e que acabara, depois de muitas peripécias, por cair em poder de Fafnir.)
Mas, agora, Regnir estava prestes a se apoderar das riquezas, pois havia treinado
um guerreiro especialmente para isto: Sigurd, o nobre filho de Sigmund.
O jovem mataria o dragão, segundo os planos do anão e, então, ele próprio mataria
o herói, apoderando-se afinal do seu precioso anel.
Regnir esperou o dia seguinte para ir conversar com Sigurd sobre o assunto. Ele
combinou um encontro na forja, onde o rei dinamarquês fabricava as espadas suas e as
de seu exército. Tão logo avistou o herói, que recém voltara com seu cavalo Greyfell de
uma alucinante cavalgada pelas florestas, chamou-o até si.
- Rápido, Sigurd, precisamos ter uma conversa muito séria.
- Que ar grave é este, mestre anão? - disse o jovem, que ofegava ainda da excitante
cavalgada.
- O mesmo que verei em seu rosto, ao ouvir uma espantosa revelação.
Regnir contou, então, a Sigurd toda a história a respeito do anel de Andvari até o
momento em que ele fora parar nas mãos de seu irmão, Fafnir.
- Um dragão? - exclamou Sigurd, excitadíssimo. - Um dragão de verdade?
- Sim, um terrível e sanguinário dragão. Caberá a você a honra de abatê-lo - disse
Regnir, com a mais sedutora das vozes.
A cabeça de Sigurd verdadeiramente girava: "Combater contra um dra-gflo!", pensou
ele. De repente, porém, um ricto de raiva enrijeceu seus lábios.
- Mas como o enfrentarei, anão maldito? - disse o jovem, tornando-se rude. - Com
estas espadinhas de brinquedo que você forja todos os dias?
Regnir ocultou um sorriso de satisfação. "Começa a cair na cilada!", pensou.
- Vou tentar forjar a melhor espada que puder - disse ele, tomando do martelo. -
Enquanto isto, vá testando estas outras que fabriquei durante a noite.
Sigurd voltou os olhos para uma mesa, onde estavam amontoadas várias espadas
recém forjadas. Um sopro de desdém partiu dos lábios do jovem.
- Dou o meu pescoço a qualquer delas se resistirem a um único golpe! -disse ele,
tomando da primeira e brandindo-a no ar com pouco entusiasmo.
- Vá testando-as, vá testando-as...! - disse o anão, enquanto malhava a nova, sem
qualquer convicção, pois ele sabia que aquela ainda não seria a arma ideal.
Uma a uma as espadas foram sendo quebradas pelos golpes poderosos que Sigurd
desferia contra a bigorna.
- Veja só, que bela porcaria! - dizia o jovem, a cada nova frustração. Finalmente,
depois que o jovem havia espatifado todas as espadas, Regnir estendeu-lhe a nova,
recém forjada.
- Vamos, tente esta! - disse o anão, fingindo uma confiança que não sentia.
Sigurd tomou a espada em suas mãos e, após tomar-lhe o peso, vibrou-a com toda
a força sobre a bigorna. Uma chuva de cacos de metal esvoaçou por toda a forja,
enquanto a bigorna permanecia intacta.
Sigurd, furioso, agarrou o anão pelo colete e o suspendeu até o seu rosto.
- Muito bem, tratante, era só isto que tinha para me mostrar? - Suas faces estavam
congestas e uma decepção profunda lançava uma sombra terrível em seu olhar. - É com
estas porcarias que pretende me enviar para enfrentar Fafnir? - disse ele, cujos lábios
espumavam. - Será que deseja, por algum motivo que ignoro, a minha própria morte?
Desta vez, Regnir assustou-se com a reação do jovem aprendiz.
- Calma, jovem, ponha-me no chão! - disse ele, pedalando suas minúsculas pernas
no ar.
- Antes, você me dirá o que pretende com esta história de dragão! - disse Sigurd,
dando mais uma sacudida no pobre anão.
- Há uma espada... uma espada mais poderosa... do que qualquer outra!
Ao escutar isto, Sigurd largou o anão, que foi se estatelar no chão numa posição
pouco honrosa. Recompondo-se, imediatamente, ele declarou:
- Seu pai, meu irascível jovem, possuía uma espada forjada pelo próprio Odin! E,
então, que tal lhe parece?
Sigurd ficou mudo de espanto. Seria mais uma mentira do pérfido anão?
- Ela se quebrou no dia da morte de seu pai - disse o anão, revelando o segredo há
tanto tempo escondido. - O próprio Odin a reduziu em pedaços com sua lança, Gungnir,
num duelo que manteve com Sigmund.
- Quebrada?! - exclamou o jovem, incrédulo. - Mas, então, para que me servirá, anão
maldito?
- Ora, e eu não sou um forjador? - respondeu Regin, assumindo uma postura altiva. -
Sua mãe tem guardados ainda os restos da velha Notung; basta que peça a ela os
fragmentos e prometo que a forjarei outra vez, de tal modo que terá a mesma resistência
da antiga!
Sigurd, enlouquecido pela maravilhosa perspectiva, saiu correndo da forja e foi até o
palácio onde sua mãe Hiordi estava. Depois de lhe implorar que lhe cedesse os pedaços
da antiga relíquia, retornou às pressas para a presença do anão.
- Pronto, aqui está! - disse ele, desenrolando os fragmentos diante dos olhos
fascinados de Regnir. - Faça-me, agora, uma nova Notung ou partirei seu pescoço com
minhas próprias mãos!
O anão não esperou duas vezes e, saltando para a forja, começou a derreter os
pedaços da espada, pronto a formar com eles uma nova e poderosa liga.
Sigurd acompanhava os movimentos do anão e ficou de tal modo impaciente que se
agarrou ao grande fole e se pôs a manejá-lo com grande empenho.
"Uma criança!", pensava o anão, deliciado.
Regnir mergulhou o gume da espada, que estava de um vermelho quase
incandescido, dentro da tina de água; um chiado feroz levantou-se dela, como se uma
serpente em brasa tivesse sido lançada dentro do tonel. Logo em seguida, Regnir pôs-se
a martelar o aço sobre a bigorna com golpes precisos e viris.
Mais alguns instantes e a velha Notung estava outra vez reconstituída.
Regnir levou-a, então, com amoroso cuidado até a roda de polir, onde lhe deu o
acabamento final, dotando-a de um brilho verdadeiramente ofuscante.
- Eis Notung, a espada de Sigmund! - disse Regnir, erguendo-a e a ofertando a
Sigurd. - Agora, ela é toda sua!
Os olhos do jovem brilhavam, quando suas duas mãos cerraram-se em torno do
cabo prateado e repleto de lavores. Dando as costas a Regnir, Sigurd dirigiu-se até a
bigorna e vibrou um golpe com toda a sua força.
Um estrondo terrível abalou a forja inteira, lançando para o chão o anão c os
instrumentos todos. A bigorna jazia partida ao meio, com um pedaço caído para cada
lado. Notung, a espada maravilhosa, entretanto, jazia inteira e intocada. Nem sequer uma
ranhura ficara em seu gume afiadíssimo.
- E então?... - disse, timidamente, o anão. - Está pronto para a demanda do dragão?

***

Na madrugada do dia seguinte, Sigurd partiu com o anão em direção à caverna onde
morava Fafnir, o terrível dragão. O jovem filho de Sigmund levava consigo a poderosa
espada numa fina bainha lavrada a ouro. Já o anão trazia uma velha pá enferrujada presa
ao ombro por uma correia gasta e esfiapada.
- Vai enterrar o dragão depois que o tiver liquidado com uma pazada? - disse Sigurd,
dando uma gostosa gargalhada.
O anão preferiu ignorar o gracejo, dizendo simplesmente:
- Melhor que o aguardemos no rio, onde ele costuma ir, logo cedo, para beber água.
Regnir, ao contrário de Sigurd, falava baixinho, com medo de que as grandes
orelhas de Fafnir pudessem captar o som de suas vozes. Sigurd seguiu o conselho do
anão, sentindo que seu riso fora mais de puro nervosismo, uma vez que seu coração
batia furiosamente dentro do peito.
- Agora, é preciso que entenda que nem só a força poderá lhe ajudar - disse Regnir
ao seu protegido -, senão toda a astúcia que também puder empregar.
Estiveram um longo tempo a observar a margem do rio, enquanto uma luz
levemente acinzentada iam descorando o grande teto enegrecido do céu. As estrelas
também foram adquirindo um brilho diferente, refulgindo ainda mais, como pedacinhos de
carvão, que, estando prestes a apagar, lançam ainda um último brilho de surpreendente
intensidade. De repente, porém, escutaram, vindo de dentro da mata espessa, um ruído
de algo que se arrasta com decisão.
- Regnir, acorde! - exclamou Sigurd, sacudindo o ombrinho do anão.
Regnir acordou num pulo e ficou atento aos ruídos produzidos pelo animal. Algumas
árvores sacudiram, derrubando uma chuva de folhas, que esvoaçaram pelo ar junto com
uma coleção de passarinhos de várias espécies.
Fafnir, o dragão que protegia o anel e o tesouro de Andvari, aproximou do leito do rio
a sua imensa cabeçorra azulada, que despendia, ao mesmo tempo,reflexos de suas
escamas avermelhadas. Sigurd levou, instintivamente, a mão à espada, mas foi detido
com rapidez pelo anão, que exclamou num sussurro irado:
- Ainda não! Ainda não!
Sigurd devolveu o olhar furioso para o anão, mas este não se intimidou.
- Chegou a hora da astúcia, meu jovem! - disse Regnir. - Vamos, arrastemo-nos,
fazendo a volta até o rastro do dragão.
E, assim fizeram, coleando-se pela relva como duas serpentes, com as faces
voltadas para a o chão.
- Agora, vamos esperá-lo - disse Regnir.
- Como? Vamos esperá-lo aqui, em pé?
- Em pé, não; enterrados.
- O quê...?
Regnir não se deu ao trabalho de explicar. Simplesmente, ordenou a Sigurd que
cavasse uma grande fossa com a pequena pá que trouxera consigo.
Sigurd, sem querer discutir, tomou a pá das mãozinhas do anão e começou a cavar
com decisão.
- Sem ruído, rapaz, sem ruído! - dizia o anão, modulando ao mínimo a sua voz fina e
estridente.
Depois que Sigurd havia cavado um grande buraco, suficiente para conter a si
próprio e ao anão, viu a pá ser retirada, abruptamente, de suas mãos.
- Por que cavar outra? - disse ele, ao ver que o anão cavava furiosamente.
Mas, o anão era realmente muito astucioso e, por isso, resolveu cavar uma pequena
fossazinha só para si, pois sabia que ali não haveria encrenca.
- E agora? - disse Sigurd. - Vamos deitar aqui e esperar a volta do dragão?
- Ora, rapazinho! - exclamou Regnir, perdendo a paciência com a falta de
perspicácia do afilhado. - Você ainda não entendeu o meu plano?
Ao ver que Sigurd, de fato, nada entendera, completou:
- Dragões são invulneráveis em sua carapaça e, por isto, o melhor que você fará é
esconder-se embaixo dele, pois, só assim, poderá atingir o seu ventre, cuja a carne é
infinitamente mais vulnerável. Entendeu agora?
- Entendi que você não passa de um grande covarde, e nem é tão inteligente quanto
imagina ser - disse Sigurd, triunfante. - Se minha espada é capaz de partir ao meio uma
bigorna, por que não poderia fender a pele de um dragão qualquer?
O anão encolheu-se para dentro do seu buraco e resmungou algo inaudível acerca
da "prudência", antes de cobrir a abertura com grandes folhas arrancadas das árvores.
"Atrevido!", rosnou no interior da sua cova. "Verá, em seguida, a falta que faz uma
bela prudenciazinha!"
Sigurd fez o mesmo e ambos ficaram a esperar o regresso do dragão. Um longo
tempo passou até que a terra começou a tremer acima de suas cabeças.
"É ele!", pensou Sigurd, empunhando com gosto a sua espada. "Que venha de uma
vez!"
Já o anão limitou-se a se encolher ainda mais no buraco como uma toupeira e, sem
dúvida, teria entrado terra adentro se tivesse as garras poderosas daquele animal.
O primeiro a perceber a chegada do dragão foi, justamente, ele. A luz, que até
momentos antes iluminava sua cova, bruscamente, desapareceu; uma treva espessa e
malcheirosa desceu sobre si durante um longo tempo.
Quando, porém, tudo estava prestes a se acabar, o pobre anão sentiu que algo mole
e incrivelmente quente caíra sobre si, queimando-lhe o lombo. Então, mandou às favas a
prudência e começou a berrar como um bebê:
- Socorro, Sigurd...! Socorro todos os deuses...!
Não podia ser outra coisa, pensou ele, atarantado: o dragão havia descoberto o seu
esconderijo e agora lhe arremessava um jato de seu bafo incandescido!
Mas descobriu que não era nada disto quando a luz retornou e ele pôde ver a cauda
do dragão deslizando acima, num movimento pendular, tornando-se cada vez mais fininha
até terminar num pequeno triângulo azulado.
Só, aí, percebeu que estava mergulhado num mar de excremento.
Enquanto isto, Sigurd, mais adiante, não estava em melhor situação: com o
movimento que o dragão fizera ao se arrastar, a cova, onde o herói estava, aluíra alguns
metros e, agora, ele estava no fundo, sem possibilidade alguma de atingir o monstro com
sua espada. Mas, foi somente quando a escuridão desceu completamente sobre si que
compreendeu que o "plano perfeito" do anão tinha dois furos colossais: como poderia
saber, em primeiro lugar, com aquela escuridão completa, o momento exato em que
estaria passando sobre a sua cabeça a parte do dragão que abrigava o seu coração? E o
pior de tudo: se o animal morresse em cima do buraco, como faria para sair daquela
sepultura hedionda?
"Irra! Maldito imbecil!", pensou Sigurd, enquanto as trevas o envolviam.
Mas agora era tarde para recuar e ele sabia que, se esperasse mais um pouco, seria
tarde demais. Então, iluminado por uma idéia repentina, fincou as duas pernas nas
paredes estreitas de sua cova e foi galgando-as como uma aranha até quase encostar a
cabeça no ser asqueroso, que deslizava acima de si. Descobriu, então, que seus ouvidos
podiam captar perfeitamente os batimentos cardíacos do dragão.
Um ruído semelhante àquele produzido por um batedor de tambor, que marca o
ritmo nas navegações vikings, soava nitidamente acima de sua cabeça: Tum-tum!... Tumtum!...
Tum-tum!..., tornando-se cada vez mais intenso.
Sigurd fixou bem a atenção e suas pernas já estavam no último limite da resistência
quando ele escutou o martelar cavo assumir o seu tom mais ensurdecedor: TUM-TUM...!
TUM-TUM!... TUM-TUM...!
- É agora! - gritou o jovem, agarrando com as duas as mãos o cabo da espada e
permanecendo preso ao ar apenas por suas maltratadas pernas. Num impulso que lhe
arrancou do peito um grito selvagem, ele arremessou, finalmente, para cima, com todas
as suas forças, a ponta da sua espada.
Nem bem a lâmina havia sido enterrada no ventre do dragão, Sigurd caiu ao solo,
exaurido. Ao mesmo tempo, um urro colossal partido do peito do dragão atroou toda a sua
minúscula caverna. O jovem cobriu os ouvidos com as duas mãos, mas, mesmo assim,
quase desmaiou sob o impacto do urro selvagem e, certamente, teria sido destroçado
caso o animal tivesse enfiado sua pata imensa dentro do buraco para esmagá-lo.
Mas, felizmente, sua pontaria fora certeira: o monstro ergueu-se sobre as patas
traseiras, com as duas patas azuis dianteiras a tatear freneticamente o ar c depois caiu
para trás (para sorte dos dois caçadores, bem longe de seus improvisados refúgios),
provocando um tal abalo ao trombar contra o solo que o anão foi catapultado de dentro da
cova para o ar — livrando-se assim, ao menos, daquele mar de excremento que o
envolvia -, e indo se pendurar nos galhos de um imenso carvalho. O dragão, por sua vez,
tão logo caíra ao chão deitara pela boca um dilúvio de sangue escarlate, que mais parecia
a lava de um vulcão, a escapar por uma cratera cheia de dentes.
Regnir tratou logo de descer da árvore e com a espada de Sigurd arrancou de
mesmo o coração do dragão.
- Tome! - disse ele, estendendo a Sigurd o grande músculo, ainda palpitante. - Arme
uma fogueira e vamos comê-lo; estou louco de fome.
O coração de Fafnir foi assado até ficar tostado. Então, Sigurd mergulhou nele o seu
dedo para ver se o interior estava também cozido.
Quando levou-o à boca, entretanto, sentiu algo estranho em sua cabeça, pois no
mesmo instante começou a entender o que os pássaros diziam uns aos outros.
- Pobre rapaz! - dizia um pequeno pica-pau a um tordo, ambos empoleirados em um
galho acima da cabeça do herói. - Mal sabe que está prestes a ser alvo de uma odiosa
cilada!
Sigurd, ainda incrédulo, voltou sua cabeça para os dois pássaros.
- O pérfido anão está com a espada de Sigurd - disse o tordo, abrindo e fechando o
afiado bico com rapidez. - Usará a própria arma do herói para matá-lo!
Este parecia ser o assunto dominante das aves que cruzavam os ares por cima da
cabeça do jovem, mais até do que o próprio assassinato do dragão.
Sigurd, alarmado, virou-se para trás assim que percebeu o retorno do anão, que fora
até o rio para se banhar e tirar do corpo a terrível catinga do dragão.
- Sigurd não poderá, então, tomar para si as riquezas de Fafnir, nem despertar a
bela Brunhilde, que jaz adormecida na montanha de Hind Fell! - lamentou-se o pica-pau.
Então, compreendendo todo o plano do pérfido Regnir, Sigurd aproximou-se do anão
e lhe pediu a espada, sob o pretexto de cortar um pedaço do coração. O anão, a
contragosto, cedeu, pensando interiormente: "Irra! Que faça antes, então, a sua última
refeição!"
Mas assim que Sigurd esteve de posse da espada leu nos olhos do anão toda a sua
intenção, e isto bastou para que vibrasse um único e certeiro golpe no pescoço do infeliz.
A cabeça do anão voou de balão e foi cair na relva. Um brilho de estupor e incredulidade
iluminou os seus últimos instantes de lucidez.
- Aí está, perverso, o preço da traição! - disse Sigurd, limpando na relva o aço
manchado de sangue.

***

Depois de haver matado Regnir, Sigurd resolveu seguir o rastro do dragão morto
para descobrir onde ficava o seu esconderijo. Não foi difícil seguir suas pegadas imensas
e, num instante, o jovem herói estava diante da caverna.
Ao entrar lá não foi preciso iluminação alguma para descobrir onde estava o tesouro,
pois as jóias e o ouro acumulado faiscavam tanto que era só se aproximar e pegá-los aos
punhados. Mas, de todas as preciosidades a que mais brilhava, sem dúvida alguma, era o
anel de Andvari. Sigurd tomou-o e, após colocar a preciosidade em seu dedo, resolveu ir
até sua casa e buscar o seu cavalo Greyfell, que ficaria encarregado de levar o tesouro
numa grande arca.
E assim fez. No mesmo dia ele estava rumando com seu tesouro para o castelo de
Hindarfiall, ao encontro da misteriosa Brunhilde, que lá jazia adormecida.
Somente quando o crepúsculo já havia descido é que ele chegou à montanha, sendo
surpreendido por uma muralha de chamas que a envolvia. Sem temer nada, Sigurd
apertou os joelhos nos flancos do cavalo e disse ao animal, dando um sonoro grito:
- Adiante, Greyfell, à fama e à glória!
Com uma velocidade espantosa o cavalo arremessou-se às labaredas e o fez com
tanta decisão que antes que o fogo pudesse causar qualquer prejuízo a ambos, estavam
os dois já do outro lado, sãos e salvos.
- Bravos, fiel companheiro! - disse Sigurd, acariciando as crinas do cavalo.
O jovem tinha agora à sua frente um palácio majestoso, mas que parecia
inteiramente abandonado. Empunhando a sua Notung afiada, ele avançou e adentrou o
grande salão deserto, que não tinha qualquer outra decoração em suas elevadas e
majestosas paredes, senão verdadeiras cortinas de uma hera espessa, cujos galhos
subiam como serpentes até cobrir o teto de um tapete de ramas e folhas entrelaçadas.
Seu olhar, contudo, logo foi atraído para o centro do salão, onde num grande estrado
estava deitada uma jovem, vestida numa vistosa e brilhante armadura dourada.
Sigurd viu a si mesmo avançando, através de seu reflexo na armadura espelhada,
até chegar ao magnífico estrado. Ali estava a bela Brunhilde enfeitiçada.
Ele tentou avistar o rosto da jovem, mas este estava quase que completamente
oculto pelo capacete. Retirando-o com cuidado, ele descobriu que tinha diante de si uma
linda mulher - a mais bela que seus olhos já haviam visto...!
Então, sem pensar em mais nada, cortou a parte frontal da armadura com sua
espada, como quem corta uma finíssima cota de seda dourada, e libertou o peito jovem
da opressão daquela camisa de aço.
Neste momento, os olhos de Brunhilde abriram-se, lentamente, como quem dcspi-rla
do um sono profundo.
- Quem é você? - disseram seus lábios, que, instantaneamente, começaram a se
tornar rubros outra vez.
- Aquele que a despertou novamente para a vida - disse o jovem, fascinado com
tanta beleza.
Aos poucos, a jovem foi recuperando a memória e contou a ele a sua triste história:
ela era uma valquíria - filha do próprio Odin - e fora colocada ali por ter desobedecido a
uma ordem do pai.
- Somente um herói que desconhecesse o medo poderia ter me libertado! -
exclamou ela, já apaixonada pelo seu jovem libertador.
E, assim, ambos tiveram uma longa noite de amor no castelo abandonado,
protegidos pela imensa cortina de fogo, que manteve afastados todos os olhos do mundo.
Começava o romance que acabaria por unir de maneira trágica os destinos dos dois
jovens amantes.



Nota:Sigurd da saga nórdica é o mesmo Siegfried dos alemães, que se tornou mais popular sob esta
denominação graças, em boa parte, a duas obras que tratam de suas aventuras. A primeira. A Canção dos
Nibelungos, é um poema germânico medieval, e a segunda, O Anel dos Nilbelungos, é a famosa tetralogia
opetística de Richard Wagner. As duas variantes germânica diferem em muitos pontos da versão nórdica
que aqui apresentamos. (N. dos A.)
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Sigurd e Brunhilde

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 7:54 pm

Sigurd e Brunhilde



Sigurd era um jovem herói nórdico, que abatera o dragão Fafnir, guarda de um
valioso tesouro e depois rumara para uma misteriosa montanha. Ali, libertara a valquíria
Brunhilde (filha de Odin, o mais poderoso dos deuses) de um sono amaldiçoado, fruto de
um castigo imposto a ela por desobediência a seu pai. Depois disto, Sigurd partira, mas
com a promessa de retornar em breve para os seus braços.
O herói seguiu assim sua marcha, cavalgando por vários dias até que chegou ao
castelo do rei Giuki; um nobre poderoso e que tinha várias filhas solteiras. Grimhilde,
esposa de Giuki e mãe de todas estas infelizes moças, ao sabei' da chegada daquele
jovem e belo cavaleiro, que era filho de uma rainha, retomou o plano de casar as filhas. -
Este não escapará! - disse ela, esfregando as mãos.
- Ora, Grimhilde, deixe de bobagens! - disse o velho rei, enfastiado. - Sabe lá se ele
já não é um homem casado, ou ao menos comprometido?
- Asneiras! - disse a rainha, correndo, imediatamente, para os seus aposentos, onde
pegou um pequeno frasco, que continha a poção mágica do esquecimento. - O loirinho
valente cairá como uma luva para Gudrun!
Gudrun era uma das filhas encalhadas do velho casal. Não era nada feia e, de fato,
prometia fazer um belo par com o jovem forasteiro. Os olhos da mãe de Gudrun brilharam
ainda mais, quando uma serva veio lhe dizer que o forasteiro trazia consigo um grande
baú. - Dê um jeito de descobrir o que há dentro! -disse ela à serva, uma criatura baixinha
e roliça, que amava uma bisbilhotice mais que tudo neste mundo.
A serva cumpriu a tarefa com sua habitual eficiência.
- Ouro e jóias, minha rainha! - disse ela, com as bochechas escarlates.
- Tem certeza, sua idiotinha? - perguntou Grimhilde, mordiscando a unha.
- Ouro e jóias! - repetiu a serva.
- Ótimo! Será devidamente recompensada!
- Muito obrigada, generosa rainha! - disse a serva, que, no entanto, já havia se
recompensado por conta própria ao tirar uma ou duas coisinhas lindas do baú, pois sabia
de longa data, que promessas de rainha valiam ainda menos do que as suas.
Houve, então, uma grande recepção ofertada a Sigurd, na qual a rainha deu um jeito
de fazer chegar aos lábios do jovem uma taça de sua poção maldita.
- Esta é minha filha Gudrun - disse a rainha, apresentando a filha a Sigurd, que
parecia um pouco tonto.
- Ah... muito prazer... - disse Sigurd, enxergando a moça por detrás de uma espessa
névoa. Esta névoa mental foi, pouco a pouco, apagando a sua amada Brunhilde da
lembrança, de modo que, em poucos instantes, já nada restava mais da bela valquíria em
sua mente - tampouco em seu coração.
- Que achou de minha filha? - disse a rainha, de maneira insidiosa a um Sigurd ainda
atordoado.
- Gudrun... a sua filha? - disse Sigurd, observando a jovem.
- Sim, quer se casar com ela? - fulminou a rainha, à queima-roupa.
- Grimhilde! - disse o rei, de modo ríspido, dando-lhe um puxão na roupa.
- Quieto, idiota! - rosnou ela ao ouvido do rei. - Deixe-me salvar a honra de pelo
menos uma de nossas filhas!
Sigurd tergiversou da primeira vez, mas foi assediado com tanta insistência pela
rainha que acabou por se render aos encantos de Gudrun, a qual, como já dissemos, não
era nada desprezível. - Está bem, persistente rainha - disse Sigurd, recobrando o seu
bom humor. - Casarei com sua encantadora filha!
Grimhilde chorou de emoção o resto da noite. Dali a um mês, Sigurd casou-se com
Gudrun em uma grande festa, na qual foi apresentado a Gunnar e Hogni, os irmãos de
sua esposa, que haviam chegado às pressas para o casamento.
Gunnar e Hogni: dois cunhados que não fugiriam à regra.
***
Gunnar era um jovem nobre, fútil e enfastiado, que, a exemplo de sua irmã, via no
casamento a panacéia para todos os seus males. Ao ver que a irmã conseguira arrumar
um homem valente e decidido, resolveu tirar vantagem desta brilhante aquisição. - Sigurd,
agora que somos irmãos, creio que posso tomar a liberdade de lhe fazer um pedido -
disse Gunnar, assumindo, ativamente, o seu papel de cunhado.
- Claro, meu irmão, faça-o de uma vez! - disse Sigurd, num açodamento que
revelava bem a sua inexperiência.
- Há uma bela mulher, que está enfeitiçada há muitos anos em Hindarfiall. - Esta
palavra produziu um ligeiro reflexo na mente de Sigurd, apagado, rapidamente, pela
torrente das palavras do cunhado. - Seu nome é Brunhilde e ela é filha adotiva do rei Atli.
- E o que o impede de ir até ela?
- Acontece que o castelo está cercado por um anel de chamas.
- Brunhilde... um anel de chamas...
- O pai verdadeiro dela é Odin e a encerrou no castelo sob esta cortina de fogo, num
sono profundo, de forma que somente um herói destemido poderá atravessar as chamas
e despertá-la outra vez para a vida. - Gunnar sabia, perfeitamente, que Sigurd era o
homem perfeito para realizar esta proeza, já que ele era um covarde absoluto. - Sigurd,
você enfrentou e matou um dragão sem nem mesmo piscar os olhos! - disse Gunnar,
implorativo. - Faça isto por mim!...
- Mas, Gunnar, você ao menos já tentou fazer isto e ser digno do amor dela? - disse
Sigurd, ligeiramente incomodado com a covardia do cunhado.
- Sim, mas as chamas quase engoliram a mim e ao meu cavalo! - disse Gunnar, com
um tom de voz um tanto inconvincente.
- Está bem - disse Sigurd, inclinando-se à generosidade. - Irei até o palácio e a
despertarei para você. - Sigurd, tendo perdido a memória, esquecera-se do fato de que
ele próprio já fizera isto.
- Mas, como fará para se parecer comigo? - disse Gunnar, que, pouco inteligente,
havia se esquecido, até então, deste importantíssimo detalhe.
- Tenho comigo um pequeno objeto, que fará isto à perfeição - disse Sigurd,
erguendo a mão e mostrando num dos dedos o anel do dragão. - Se eleja foi capaz de
transformar um anão em um dragão, por que não me dará a sua aparência?
Gunnar sorriu de felicidade, pensando que Brunhilde seria sua dentro de muito
pouco tempo. No mesmo dia, começou os preparativos para a viagem de Sigurd. - Não
esqueça, porém, de guardar a castidade enquanto estiver com ela, pois quero que
Brunhilde seja somente minha - disse Gunnar, num ligeiro assomo de ciúme.
- Nada tema: casei-me com sua irmã e jamais iria desonrá-la - disse Sigurd, com
firmeza. - Além do mais, não se esqueça de que estarei com a sua aparência, e não a
minha, o que facilitará as coisas - acrescentou com uma nota ligeira de ironia na voz. -
Gunnar guardou na alma, com todo o cuidado, aquela pequenina perfídia. Era o pretexto
que esperava para poder, mais adiante, exercer livremente a sua ingratidão.
***
Sigurd chegou ao palácio de Hindarfiall naquela mesma noite e, após atravessar as
chamas, apresentou-se a Brunhilde como aquele que teria direito legítimo a desposá-la. A
valquíria, aterrada, tentou argumentar, dizendo que outro homem já a havia despertado
anteriormente. Sigurd, entretanto, não deu ouvidos às suas queixas e exigiu que ela se
deitasse com ele. Brunhilde, sem meios de defesa e temendo a infâmia de uma violação,
acabou por ceder e admitir dividir o leito com aquele estranho (pois não pudera perceber
que se tratava, na verdade, de seu amado Sigurd). - Vamos - disse o falso Gunnar,
estendendo para Brunhilde a sua áspera mão. - Brunhilde, abaixando a cabeça, entrou
em silêncio para seu quarto, seguida do estranho. Gunnar-Sigurd, entretanto, levava
consigo a sua espada, Notung, e tão logo deitou-se ao lado de Brunhilde, colocou-a entre
seus corpos, honrando, deste modo, a promessa que fizera ao irmão de sua esposa.
No dia seguinte, ambos retornaram ao castelo de Gunnar, onde a verdadeira pessoa
assumiu a sua condição de marido de Brunhilde, enquanto Sigurd -já com seu aspecto
real - retornava para os braços de Gudrun, a sua legítima esposa. Brunhilde, por sua vez,
recebera das mãos de Gudrun uma taça, contendo a mesma poção maldita, que apagara
da lembrança de Sigurd o passado.
- Esta é sua, querida - disse Gudrun, que havia sido bem orientada por sua pérfida
mãe. - Façamos todos um brinde à minha nova irmã!
A partir deste instante, Brunhilde perdeu também a lembrança de Sigurd, que pôde
reaparecer diante dela com sua face original.
E assim, durante alguns meses, viveram todos em paz e harmonia até que, um dia,
surgiu uma disputa entre as duas mulheres por uma tola questão de vaidade.
- Meu marido Sigurd é maior do que o seu! - bradava Gudrun, quase histérica, no
salão do trono.
- Hó-hó!, a idiotinha! - debochava Brunhilde. - Gunnar é infinitamente mais valoroso!
Quem foi que atravessou as chamas para me libertar?
- E quem foi que matou um dragão, cara a cara? Foi o tolo do seu marido?
- Modere a língua, sua viborazinha! - exclamou Brunhilde, colérica. -Lembre-se de
que Gunnar é seu irmão!
- Irmão idiota, por ter aceito casar-se com uma rameira!
Uma bofetada estalou na face de Gudrun, que rompeu num pranto aceso. - Valquíria
maldita!... - exclamou ela, encurvando os dedos aduncos de unhas mais afiadas que as
da sua gata branca. - Então, diante da agressão, esqueceu-se da prudência e desatou de
uma vez o nó que prendia a sua língua: - Você não passa de uma enganada! - exclamou
Gudrun, cuja língua desatada vibrava com a mesma desenvoltura de um chicote. - Foi
meu marido, Sigurd, no lugar de Gunnar, quem atravessou as chamas para deflorá-la!
- Mentira! - gritou Brunhilde, possessa.
- Veja! - disse Gudrun, mostrando o anel que Sigurd lhe dera. - Não o reconhece?
Era o anel que Sigurd tomara ao dragão. Como fora parar nas mãos de Gunnar e
depois de Gudrun?, pensou Brunhilde. E, então, tudo, subitamente, ficou claro: ela fora
vítima de uma trama imunda.
- Foi Sigurd quem a seduziu, em nome de Gunnar! - disse a rival, explodindo, em
seguida, numa gargalhada hedionda, que cresceu de intensidade ao ver a confusão
estampada no rosto da rival abatida. Brunhilde recolheu-se ao silêncio e, a partir de então,
começou a tramar uma terrível vingança contra Sigurd. Procurou, imediatamente, o
marido e, depois de xingá-lo bastante, exigiu dele uma sangrenta reparação. - Quero que
mate o marido de Gudrun! - disse ela, com a boca espumando.
- Matar Sigurd? O que está dizendo? - disse Gunnar, atônito.
- Você acha que poderei andar de cabeça erguida depois desta comediazinha de
erros que armaram para cima de mim?
- Ora, Brunhilde querida... Foi apenas um meio de que me servi para poder
conquistá-la...! - disse Gunnar, acariciando a esposa.
- Um meio para me humilhar, você quer dizer!
De repente, uma idéia perversa cruzou o cérebro de Brunhilde como uni relâmpago,
e ela não hesitou em apanhá-la pelo rabo. - E você, seu ingênuo... acreditou mesmo que
o cínico do Sigurd tenha dormido ao meu lado sem me tocar?
Gunnar permaneceu alguns instantes sem compreender.
- Acreditou, então, naquela historinha da espada metida entre nós?
Um riso escarninho partiu dos lábios de sua esposa, que era a resposta inequívoca à
sua própria pergunta.
- Está mentindo! - esbravejou Gunnar, lembrando, porém, ao mesmo tempo, da
ironia que o cunhado havia feito antes de partir. Isto foi o bastante para fazer cessar em
seu peito aquela incômoda gratidão, que o perturbava desde o casamento. - Se foi assim
mesmo... ele pagará com a vida!
- Sim, seu imbecil, três afrontas à nossa honra perpetrou este vilão: contra mim,
contra você e também contra a sua irmãzinha...!
Gunnar foi imediatamente procurar seu irmão Hogni. Mas, este não queria saber de
encrencas; além do mais, havia feito junto com Gunnar um pacto de sangue com Sigurd,
que unira os três como novos irmãos, logo depois do casamento de Sigurd e Gudrun. -
Guttorm, entretanto, não chegou a tempo do casamento, nem tampouco do pacto, está
lembrado? - disse Hogni, referindo-se a um terceiro irmão, que andava desaparecido.
- Claro! - exclamou Gunnar, aliviado. - Guttorm fará o serviço!
No mesmo dia, um mensageiro foi procurar o tal Guttorm, que andava caçando
numa distante floresta. Quando ele retornou, os dois irmãos se apoderaram dele
avidamente: - Guttorm, precisamos que você limpe a honra de nossa família!
- Limpar o quê? - disse Guttorm, sem entender nada.
- A nossa honra, Guttorm! Somente você poderá fazê-lo!
- Mas como? Por quê? O que houve?
- Silêncio! - esbravejou Gunnar.
Os dois irmãos contaram, então, a Guttorm toda a história, da qual seu cérebro
limitado não compreendeu nem a terça parte. Mas, como havia sangue na história, seus
ouvidos de caçador permaneceram atentos. - E o que eu levo nisto? - quis saber
ajuizadamente.
- O tesouro de Sigurd será todo seu! - disse Hogni.
Gunnar fuzilou-o com o olhar. Ele esperava convencer o irmão apenas com um belo
discurso sobre a honra e a dignidade da família, mas Hogni estragara tudo.
- Negócio fechado! - disse o bruto e, agora, não havia mais como voltar atrás.
Duas noites depois, Guttorm foi, pé ante pé, até o quarto de Sigurd, que dormia ao
lado de sua esposa. Após abrir uma pequena fresta na porta, meteu metade de seu corpo
para dentro, mantendo com cautela a outra metade do lado de fora. Uma espada afiada
pendia da mão do assassino. Então, quando olhou para o rosto de Sigurd, percebeu que
este tinha os olhos abertos e que o mirava de um modo terrificante.
Guttorm esgueirou a outra metade de seu corpo para fora do quarto e fechou a porta
rapidamente. Seu cunhado parecia uma assombração; ao menos, foi esta a nítida
impressão que aqueles olhos arregalados lhe deram. Estava pronto para desistir, quando
lhe veio à mente o tesouro prometido. Então, retornou do mesmo jeito que antes, abrindo
nova fresta à porta. De novo, metade do seu corpo introduziu-se pela fenda e, de novo, o
olhar pavoroso de sua vítima congelou-lhe os ossos sob a pele. "Parece já um habitante
de Hei!", pensou Guttorm, terrificado.
Depois de muito tempo, Guttorm abriu a porta pela terceira vez. Desta vez, o mataria
ou fugiria em definitivo. Guttorm entrou - desta feita, com todo o corpo - e foi até a cama,
onde Sigurd, finalmente, dormia. "Provavelmente, das outras vezes, ele também estivesse
dormindo, só que de olhos abertos", pensou, tentando se acalmar. "Muitos dormem desta
maneira." Então, ergueu sua espada e desferiu um golpe mortal bem no peito do jovem.
Sem retirar a espada da ferida, Guttorm saiu correndo do quarto e já quase alcançava a
porta, quando sentiu que suas pernas fraquejaram completamente. "Que hora para me
faltarem as pernas!", pensou num relâmpago, antes de tombar ao chão, já do lado de fora.
Uma fraqueza total apoderou-se de si, quando tentou reerguer-se. "Mas, o que está
acontecendo?", pensou, tentando desesperadamente colocar-se em pé outra vez. Foi,
então, que compreendeu, num último lampejo de consciência, que já não tinha mais
pernas!
Sim, pois tão logo Sigurd fora atingido pelo golpe mortal do agressor, erguera-se e
vira o assassino prestes a escapar. Tomara, então, de sua espada e a arremessara com
tanta força em sua direção que cortara Guttorm pela cintura, de tal modo que a metade
inferior de seu corpo ficara dentro e a superior para fora do quarto.
E foi assim que tanto Sigurd quanto Guttorm pereceram um pelas mãos do outro.
Gudrun, por sua vez, acordou com todo aquele movimento apenas para descobrir que seu
marido já estava morto e que ela própria estava com as vestes iodas molhadas do seu
sangue. Um grito de pavor atroou as paredes de pedra do castelo, fazendo com que todos
acorressem, imediatamente, para o quarto do casal. Mas nada mais havia a ser feito: a
vingança de Brunhilde estava concretizada.
Gudrun acusou a cunhada de ter tramado a morte de seu marido e esta não se deu
ao trabalho de negar. Aos poucos, porém, Brunhilde foi recuperando a consciência dos
verdadeiros laços que a ligavam a Sigurd - talvez por força da morte dele ou do choque
dos acontecimentos. O fato é que um profundo remorso foi se apoderando da pobre
valquíria, de tal sorte, que, no dia do funeral de Sigurd, ela aproximou-se da pira onde dali
a instantes seria queimado o corpo de seu amado (pois, agora, ela tinha consciência
plena do seu amor), e retirando do seio um afiado punhal, enterrou-o no peito, pedindo
em suas últimas palavras para ser queimada ao lado de Sigurd. E assim foi feito: Sigurd e
Brunhilde foram queimados na mesma pira, tendo, entre eles, a espada do herói, tal como
na noite em que ele provara a todos a sua lealdade.
Shiki ~
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty A morte de Balder

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 10:43 pm

A morte de Balder



Balder, filho de Odin e de Frigga, era o mais belo e amado dos deuses. Não havia
criatura em todo o mundo, que não o adorasse. Grande parte do seu fascínio estava na
alegria que ele irradiava sobre todos os que o cercavam; a própria natureza parecia
alegrar-se com a sua chegada e, desta forma, era uma presença sempre bem-vinda onde
quer que se fizesse anunciar.
Um dia, entretanto, Balder acordou com uma sombra anuviando o seu olhar. Sua
mãe Frigga logo percebeu que algo muito grave o perturbava. -Balder querido - disse ela,
achegando-se ao filho. - O que você tem, que acordou com um mau aspecto?
- Tive alguns pesadelos - respondeu o jovem deus, com o semblante alterado pela
preocupação. - Estes sonhos ruins prognosticavam a minha morte!
Frigga levou logo a má notícia a seu esposo Odin.
- Deve ter sido só um pesadelo - disse o deus, minimizando o problema. - Vamos
esperar para ver se ele se repete.
Infelizmente, nas noites seguintes, os mesmos sonhos funestos tornaram a
atormentar Balder, de tal forma que Odin se viu obrigado a tomar uma providência. - Vou
até Niflheim, a terra de Hei, para ver se descubro o que esta acontecendo - disse ele a
Frigga. - No mesmo dia desceu a toda pressa a Bifrost (a ponte do arco-íris que liga
Asgard ao resto do mundo), cavalgando Sleipnir, o sai veloz cavalo de oito patas. Rumava
para as escuras e subterrâneas terras de Hel, a deusa da morte. Depois de ter cruzado
com Garm, o cão que guarda o portão infernal, ficou frente a frente com a sinistra filha de
Loki. - Hei, preciso que me diga onde está o túmulo de Angrboda, uma antiga profetisa -
disse ele à deusa dos mortos.
A deusa indicou-lhe o caminho. Ao chegar à escura região onde dormia a velha
sibila, acordou-a com suas invocações. - Acorde, profetisa! - disse o deus. - Quero saber
por que há tantos preparativos em Niflheim, como se estivesse para ocorrer uma grande
recepção. - A profetisa, a princípio, relutou em dizer qualquer coisa, mas Odin, fazendo
uso de seus feitiços rúnicos, obrigou-a a falar a verdade. - O jovem deus... oh, sim,
Balder!... entrará na morada de Hei... dentro de muito... muito pouco tempo...! - disse
Angrboda, num estado muito próximo do sonambulismo.
- Balder... morrerá mesmo? - disse Odin, sem poder acreditar.
- Morto... por Hoder... Sim, Hoder o matará...! - disse ela, impassível.
Hoder era o irmão cego de Balder. Odin, sem querer escutar mais coisa alguma, deu
as costas à profetisa e, montado em Sleipnir, retornou à toda pressa para Asgard. Tão
logo chegou à morada dos deuses, procurou por sua esposa. -Frigga, infelizmente, é
verdade! - disse Odin, alarmado. - Balder será morto! -O deus preferiu esconder a
segunda parte da revelação por achar que a fatalidade ainda poderia ser evitada.
- Não, não! - exclamou a mãe de Balder, recusando-se a aceitar o destino que as
Nornas, as fiandeiras do destino, pareciam haver decretado, irrevogavelmente, para o seu
filho. Decidiu, então, tomar as suas providências para impedir que isto acontecesse. No
mesmo dia partiu pelo mundo para alcançar de todas as coisas que o compunham a
promessa de que jamais fariam mal a Balder.
Este foi um longo périplo, que o amor de mãe a fez cumprir com impressionante
rapidez e sucesso. Todos os deuses, homens, anões, elfos, duendes - e até os gigantes,
inimigos declarados dos deuses - prometeram à deusa que jamais fariam qualquer mal a
Balder. Mas isto não foi tudo: até dos seres inferiores da criação - como os animais, os
insetos, as plantas e os minerais - Frigga arrancou a promessa de que jamais atentariam
contra a vida de seu amado filho. Leão por leão, escorpião por escorpião, folha por folha,
pedra por pedra - de um por um destes seres e coisas ela obteve, de maneira
suavemente persuasiva, a promessa desejada. Então, quando havia cumprido finalmente
a tarefa, Frigga voltou para junto do seu esposo, feliz e aliviada. - Balder está protegido! -
disse ela a Odin, com um sorriso radiante. - Ninguém jamais atentará contra a vida de
nosso filho!...
Quando a notícia chegou aos ouvidos da corte asgardiana foi grande o júbilo que se
ergueu entre os deuses. - Balder não morrerá! Balder é imortal! -exclamavam as vozes,
exultantes. - E, apesar do grande privilégio que isto representava, não se ouviu uma única
voz de inveja erguer-se, pois ele era uma criatura amada por todos.
No entanto, havia uma voz que estaria disposta a proclamar a sua inveja, não fosse
o receio de alguma punição. Estava voz pertencia a Loki, um deus que não primava
exatamente pela virtude ou pela generosidade. "Então, Balder, o queridinho dos deuses,
agora está protegido?", pensou Loki, ao tomar conhecimento do fato. - Estava estarrecido
com o feito de sua popularidade. - Então, não houve em toda a natureza um único ser que
se recusou a aceitar esta imposição arbitrária de jamais atentar contra a vida de Balder? -
exclamou ele, irado.
"Não, isto não pode ser assim!", pensava Loki noite após noite. E, desta forma,
passou a ser ele a apresentar um mau aspecto todas as manhãs, quando acordava de
seu sono perturbado pela inveja.
- O que tem você, Loki, que anda com esta horrível cara de insone? - disse-lhe, um
dia, Balder, e isto foi a gota d'água para que o perverso deus decidisse tomar uma atitude
contra o filho de Odin. - "Deve haver alguma criatura, algum ser, qualquer coisa, que
tenha se recusado ao juramento infame!", pensou o deus ao sair para sua maldosa
peregrinação.
Depois de percorrer boa parte do mundo, Loki sentou-se exausto sobre um grande
rochedo para pensar sobre a melhor estratégia a ser adotada. Após muito matutar - pois o
perverso deus tinha ao menos a virtude de saber usar a cabeça (ainda que para maus
propósitos) -, decidiu procurar Frigga, mãe de sua vítima, para descobrir dela própria se
não havia um meio de burlar aquela "conspiração idiota" a favor de Balder. Para tanto,
metamorfoseou-se em uma velha e foi até o palácio de Frigga. Lá, encontrou a mãe de
Balder a fiar e começou, então, a elogiar o grande prodígio que ela obrara ao obter de
toda a natureza uma promessa tão sublime para o seu filho. - Verdadeiramente espantosa
a popularidade de Balder! - disse a velha, fingindo-se feliz com o fato. - Depois,
assumindo um ar de curiosidade intensa, perguntou à deusa: - Mas, diga-me, poderosa
Frigga: é verdade que todos, absolutamente todos\, comprometeram-se a jamais lhe fazer
mal?
Frigga, a princípio, afirmou categoricamente que todos assim havia feito. Mas, diante
da insistência da velha, acabou por vacilar por um pequeno instante c isto foi o bastante
para açular a dúvida de Loki.
- Por que vacilou, minha amiga? - disse a velha, com os olhos a brilhar.
- Bem, vou falar um segredo a senhora, já que estamos inteiramente a sós...
- Sim, claro, diga! - falou a velha. - Nada escapará de minha boca!
- Houve, sim, uma pequena e inofensiva criatura à qual não tive a coragem de exigir
a promessa, tal a sua fragilidade e doçura!
- Oh, que bela alma! - disse Loki, fingindo-se encantado com a delicadeza de Frigga.
- E, que criatura foi esta, encantadora deusa?
- Um ramo de azevinho - disse a deusa, bem baixinho.
- Oh, o frágil visco...! - disse a velha, dando um grande sorriso gengival.
- Sabe, achei que seria uma terrível ofensa - e mesmo uma ingratidão criminosa! -
imaginar que esta bela plantinha, que costumamos colocar do lado de fora de nossas
casas em sinal de hospitalidade, pudesse de alguma forma desejar fazer mal a meu filho.
Dispensei, então, a planta da paz deste juramento solene. Acha que fiz bem em prestarlhe
esta homenagem?
- Oh, sem dúvida, magnânima deusa! - disse a velha, abraçando-se à Frigga. - Fez
bem, oh!, fez muito bem mesmo]...
Loki despediu-se da deusa e seguiu seu caminho com um sorriso perverso
desenhado nos lábios.

***

Foi de Loki a idéia de realizar o concurso de arremesso ao Balder, como batizou o
torneio que afirmava inofensivo. "O deusinho exibicionista não se furtará a posar de
valente!", pensou Loki ao engendrar mais esta perversidade.
Uma multidão alegre reuniu-se nos jardins repletos de pendões e flâmulas, em frente
a Breidablik, o palácio de Balder. Sua esposa, Nanna, estava junto para divertir-se com o
triunfo do marido, embora trouxesse na alma um vago receio, a despeito de tudo quanto
lhe afirmara Balder, no sentido de que não haveria risco algum na brincadeira. Todos os
deuses e guerreiros amigos haviam-se postado de um lado dos jardins, enquanto do
outro, dentro de um pequeno círculo traçado na grama, estava Balder, com as mãos na
cintura e um sorriso franco no rosto.
- Muito bem, amigos, podem começar a brincadeira! - disse o deus, confiante.
Todos quiseram conceder a Odin o primeiro arremesso, mas este se recusou por
medo que algo errado pudesse acontecer. Então Tyr, irmão de Balder e considerado o
mais valente dos deuses, adiantou-se, empunhando a certeira lança com sua única mão
(ele perdera a outra num episódio famoso, que o tornara merecedor do título). Mas, antes
que pudesse arremessá-la, foi impedido pela advertência de Frigga, mãe de Balder:
- Não, espere! Lance antes algo mais inofensivo!
Tyr, atendendo o pedido, pegou uma simples pedra e a arremessou ao peilo de
Balder. A pedra bateu e ricocheteou para o alto sem fazer-lhe o menor mal.
- Ótimo! Magnífico! - bradaram as vozes, sob um coro de aplausos.
Outros guerreiros adiantaram-se, confiantes também de não provocar desgraça
alguma. Então, começou a cair uma verdadeira chuva de projéteis sobre o deus - lanças,
espadas, machados, flechas e chuços de todos os tamanhos -, que Balder recebia sem
sofrer o mínimo arranhão. A algazarra era tremenda, quando Thor, o poderoso deus do
trovão, adiantou-se e disse com um grito alegremente atrevido:
- Deixem comigo, agora!... Se Balder resistir a Miollnir, então, nada mais poderá
derrubá-lo! - Ele se referia ao seu poderoso martelo, confeccionado por anões artífices.
Um clarão abriu-se entre a fileira dos arremessadores e todas as respirações ficaram
suspensas. Até mesmo o rude Odin não deixou de dirigir a Thor um olhar dúbio, onde
errava um misto de apreensão e censura. Mas Thor confiava no que Frigga dissera e, por
isto, seguiu adiante no seu intento.
- Prepare-se, Balder! Esta nem você agüenta!
Balder deu um largo sorriso e disse com a voz firme:
- Pode mandar!...
Desta vez, entretanto, poucos tiveram o sangue-frio de achar graça na situação.
Thor empunhou seu martelo e, após dar algumas voltas com ele no ar, arremessou-o na
direção do irmão. Miollnir partiu assoviando e foi acertar direto na cabeça de Balder. Um
"Oh!" de espanto varreu a platéia, quando todos viram o martelo ricochetear e voltar às
mãos do deus do trovão sem causar dano algum a Balder.
Um coro alegre de risos continuou a encher o ar, abafando o canto dos pássaros, de
modo que não havia naquele local quem não estivesse feliz. Mas, em vez de
cumprimentar Loki pela feliz idéia do torneio, preferiam todos dirigir seus elogios a Balder,
exaltando unicamente a sua coragem e o seu bom humor. - "Coragem?”, indagava-se
Loki, esquecido a um canto. "Como pode haver coragem verdadeira onde não há perigo
real? - Então, farto daquilo que chamou de bajulação vil, foi procurar algum incauto que
pudesse lhe servir de braço para o golpe que pretendia vibrar ao fanfarrão de araque.
Depois de percorrer com o olhar a multidão, Loki enxergou bem mais afastada a
figura de Hoder, o irmão cego de Balder. Ele estava sentado embaixo de uma árvore,
mordiscando um talo de erva. Apesar de afastado do bulício, ele também trazia no rosto
um sorriso divertido, pois pela audição podia avaliar a grande alegria que reinava nos
jardins de Breidablik.
- O que está fazendo aí sozinho? - disse-lhe Loki, aproximando-se sorrateiramente. -
Por que não se junta aos outros?
- Bem, é o meu jeito de me divertir - disse o cego, com um meio-sorriso. - Afinal,
perto ou longe, a visão que tenho de tudo é sempre a mesma.
Loki, que detestava sentir pena de alguém, procurou logo mudar o tom da conversa:
- E o que acha do desafio? Não vai tentar alvejar Balder, também?
- Ora, eu!... - exclamou Hoder, irritando-se com a pergunta idiota. - O cego, afinal,
sou eu ou você, que não vê a impossibilidade?
Loki deu um sorriso bem ao seu estilo: perverso. Depois, tomou de sua aljava, em
meio a várias setas, uma feita do ramo do azevinho. (Depois de havê-lo limpado das
bagas e das folhas, Loki havia conseguido torná-la uma verdadeira flecha, afiando-lhe
cuidadosamente a ponta.) - Aqui está uma seta, a mais certeira de todas, que você
poderá perfeitamente atirar - disse Loki, persuasivamente. - Vamos, eu o ajudarei a fazer
a pontaria.
Hoder ergueu-se, dispondo-se aos poucos a se juntar aos demais e se alegrar um
pouco também. Avançaram quase até o local, quando Loki deteve o deus cego.
- Vamos ficar por aqui, um pouco afastados, para que você não corra risco de ser
alvejado ou de alvejar alguém inadvertidamente.
Estando ambos meio que ocultos atrás de uma árvore, Loki armou o arco e ajustoulhe
a seta fatal. - Pronto - disse ele, entregando a arma a Hoder e virando-o no sentido
onde estava Balder. - Agora retese bem a corda!
Hoder fez o que Loki lhe dissera e ficou aguardando a ordem de disparo.
- Agora!... - disse Loki, quando viu que a seta tinha endereço certo no coração de
Balder. A seta partiu sibilando e numa fração de segundos enterrou-se até a extremidade
no peito de Balder. De repente a multidão percebeu que havia algo errado com o
desafiante, pois embora os projéteis ainda estivessem a ser lançados, nenhum havia lhe
provocado aquela reação que agora se desenhava em seu rosto. Os olhos arregalados e
a mão pousada sobre o peito eram sinais bastantes de que algo terrível acontecera.
- Balder querido, o que houve? - exclamou Frigga, sua mãe, que num instante
compreendera tudo.
Balder caiu de joelhos e antes que sua esposa Nanna pudesse aparar a sua queda,
caiu de rosto na grama. Um jato negro de sangue escapou de sua boca, quando ela
ergueu sua cabeça do solo. - Balder, não!... - exclamou ela, aterrada.
- Balder está morto! - gritou alguém no meio da multidão, e logo um coro de gritos
aterrorizados tomou o lugar dos risos de alguns instantes atrás. Hoder, mesmo à
distância, percebeu que algo de muito terrível acontecera - e que ele fora o responsável
direto! Loki, entretanto, já não estava mais ao seu lado, tendo se retirado assim que vira,
satisfeito, Balder tombar de rosto no chão.
- Balder assassinado! - bradavam agora as vozes.
Imediatamente a seta foi arrancada do peito do deus e Frigga, ao reconhecer o ramo
de visco, sentiu um calafrio de horror e ódio penetrar-lhe com a mesma dor que seu filho
haveria de ter sentido quando a seta lhe perfurara o coração.
- Foi uma armadilha, uma maldita armadilha! - bradou ela, arrancando os cabelos. -
Não demorou muito para que se juntassem os fatos e se chegasse à conclusão de que o
perverso Loki fora o autor do estratagema maligno. Hoder, o autor involuntário do
homicídio, perdera os sentidos ao saber que fora o causador da morte do irmão. Quanto a
Nanna, esposa do deus morto, sentira tanto a perda que acabara por desfalecer sem vida
instantes depois da tragédia.
Não havia nada mais a fazer, sentenciou Odin, tão logo recuperara a razão, senão
enterrar o filho e o mais amado dos deuses. Após os atos religiosos, Balder foi colocado
em seu grande navio junto de sua esposa e, ali mesmo, foi acesa a sua pira funerária.
Vários presentes foram depositados ao redor do morto e Odin colocou no braço de Balder
o seu famoso bracelete de ouro Draupnir.
Entretanto, o barco ficara tão pesado que foi preciso pedir a ajuda da giganta
Hyrrokin para empurrar o navio até o mar. Ela chegou montada em um grande lobo e,
depois de conseguir acalmar a feroz montaria, empurrou o navio paia dentro das águas
com tanta força que as rodas que o conduziam arderam e um grande tremor de terra
sacudiu os nove mundos. Thor, que vira nisto uma provocação ao seu poder de deus dos
trovões e tremores de terra, irritou-se a tal ponto que quis partir em duas a giganta, sendo
dissuadido pelos demais deuses. Mas da sua ira não escapou um infeliz anão chamado
Lit, que inadvertidamente atravessara-se no caminho do deus. - Saia da frente, anão
maldito! - disse ele, dando um pontapé no desgraçado, que foi parar dentro do navio, que
já ardia em pleno oceano.
E, este foi o fim de Balder, o mais adorado dos deuses. Loki, entretanto, bem como o
infeliz Hoder, receberiam, em breve, a sua negra recompensa. Antes, porém, seria feita
uma última tentativa para resgatar da terra dos mortos o filho dileto dos deuses, tarefa
que esteve a cargo de Hermod, irmão também de Balder e uma espécie de Mercúrio
nórdico - mas esta é uma outra história.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 10:46 pm

A viagem de Hermod


Balder, o mais amado dos deuses, havia morrido vítima de uma perversa
armadilha de seu rival Loki, que armara a mão de Hoder, irmão cego de Balder, com uma
seta fatal e o fizera arremessá-la ao peito da vítima, prostrando-a sem vida ao chão. Loki
fugira, enquanto que Hoder, o assassino involuntário do próprio irmão, ficara entregue ao
remorso e à espera do castigo que certamente lhe caberia.
Mas Balder era tão amado por todos, especialmente por seus pais Odin e Frigga,
que esta decidiu, tão logo viu o corpo sem vida do filho diante de si, que tentaria uma
última jogada para salvá-lo das garras de Hei, a deusa da morte.
Assim, antes mesmo que os restos de Balder fossem queimados em seu navio -
convertido numa enorme pira funerária, conforme o hábito viking -, ela ergueu uma
proclamação entre os guerreiros presentes ao funeral, conclamando que algum deles se
prontificasse a ir até os sombrios domínios da morte o tentasse convencer a deusa a
devolvê-lo ao convívio dos deuses. Um longo silêncio pairou, expectante, no ar - pois,
apesar de serem todos bravos guerreiros, jamais haviam pensado na idéia de enfrentar a
própria deusa da morte -, até que Hermod, irmão de Balder, ergueu-se e pronunciou estas
palavras: - Estou pronto a ir buscar meu irmão, esteja ele onde estiver.
Gritos de aclamação fizeram-se ouvir por toda parte - alguns, é certo, engrossados
pelo sentimento do alívio -, enquanto Frigga dava suas últimas instruções ao voluntário: -
Não seja rude com Hei, pois ela não é uma deusa perversa - disse Frigga. - Antes, tente
convencê-la, amigavelmente, fazendo com que veja o quanto Balder nos era querido e o
quanto sentimos a dor da sua falia. Somente, assim, conseguirá mover o seu coração à
piedade.
Hermod partiu, no mesmo instante, rumo a Niflheim, que era o local onde estava
instalada a palha dos mortos. Montado em Sleipnir, o cavalo mais veloz do universo, que
seu pai Odin lhe emprestara, ele percorreu as distâncias mais áridas em menos de um
dia. Ainda assim, não foi fácil ter de transpor as montanhas cobertas de neve e os
temporais, que a todo instante caíam sobre ele e a montaria. Mas Hermod tinha
consciência da importância da missão que escolhera e não esperava falhar - pelo menos
não por uma circunstância derivada de uma falha ou negligência suas.
Quando o dia começava a cair, ele viu que o céu também escurecera - só que não
era um escurecimento natural, proveniente da mudança do dia para a noite, mas sim o
produto de uma mudança sinistra de estado, de uma condição imutável e necessária, que
ali vigorava para todo o sempre. Pois aquela noite que ele começava a adentrar era
completamente distinta da dos deuses e dos homens: uma noite infinitamente triste e
tristemente eterna.
Sleipnir refugou duas vezes antes de colocar a primeira de suas oito patas sobre o
solo gélido e pantanoso do Niflheim. O sol já havia desaparecido de todo e ele sabia que
não tornaria a vê-lo nunca mais, caso não conseguisse retornar daquele lugar maldito.
Sleipnir deu um forte assopro, que lhe dilatou as narinas escuras, o que deu a entender a
Hermod que o cavalo queria lhe dizer que estava pronto para o que desse e viesse. -
Muito bem, companheiro, vamos lá! - disse ele, recobrando novo ânimo.
Havia uma ponte imensa, em arco, toda feita de pedra úmida e com estranhos
musgos pendentes, que pareceram a Hermod serpentes esverdeadas e balouçantes.
Abaixo dela passava o rio Gioll, de águas espessas, escuras e lodosas. O odor nada
agradável deste sinistro curso d'água podia ser sentido à distância e as narinas, tanto dele
quanto de Sleipnir, não se sentiram nada lisonjeadas quando receberam o seu primeiro
impacto. - O que você recomenda? - disse Hermod ao cavalo de Odin. - Prudência ou
audácia?
O cavaleiro desconfiava que se fosse devagar inalaria por muito tempo aquele bafo
mefítico, podendo acabar morto antes mesmo de ultrapassar a metade da ponte; por
outro lado, se ousasse emplacar um galope veloz, poderia provocar o desmoronamento
da ponte, a qual parecia tudo, menos segura. Uma voz interior disse-lhe, contudo: "Mas
se for um galope mesmo veloz, antes mesmo que ela ruísse, você já estaria do outro
lado!" Entretanto, urna outra voz, certamente ditada pela prudência, lhe contrapôs: "E
como faria, então, para retornar?”
Mais uma vez o meio-termo triunfou e prevaleceu nas considerações do irmão de
Balder. Por isso, ele resolveu seguir num passo firme, porém, atento e cauteloso. O
cavalo adiantou-se e começou a galgar o plano inclinado da ponte. Mas nem bem
colocara a primeira pata e o ruído do casco do animal em contato com a pedra dura
reboou por todo o vale sinistro. Era uma ponte relativamente larga, aquela, e por isto
Hermod preferiu manter-se sempre no meio num passo seguro. Para piorar, o primeiro de
uma série de relâmpagos iluminou todo o cenário diante dos seus olhos: uma chuva
espessa desabou ao mesmo tempo, de uma só vez, e foi o bastante para que Hermod
compreendesse por que razão tudo ali estava sempre coberto por musgos, parecendo
que uma maré repentina houvesse baixado há poucos instantes, deixando grudadas às
rochas maços inteiros de algas e heras.
- Em frente, Hermod, em frente! - disse o cavaleiro, mas com tal inconsciência que
ele chegou a se voltar para os lados, como se um outro alguém lhe tivesse dado esta
ordem. Viu, então, que as rochas recobertas de saliências, como grandes e grotescos
narizes, assumiam cada vez mais a forma de faces - hediondas faces, cujos musgos
pendentes lembravam cabelos revoltos e a água, que escorria pelas protuberâncias, fosse
um rio caudaloso de lágrimas a descer pelos narizes. Então, um novo resfolegar, agora
impaciente, de Sleipnir acordou-o para um outro fato, muito mais grave: o de que um rio
caudaloso, produzido pela tempestade, descia da parte alta da ponte, engolfando a ele e
o cavalo numa correnteza feroz, subindo já pelas oito patas de Sleipnir. - Em frente,
Hermod. - disse ele, como se acordasse de um sonho, e o cavalo arremeteu com toda a
força até alcançar o alto da ponte encurvada.
Os relâmpagos iluminavam aquelas hediondas trevas, agora, quase que de segundo
a segundo, o que possibilitava ao cavaleiro contemplar o vasto panorama dos dois lados
do ermo. Dos paredões enormes, escorria uma miríade de minúsculos córregos,
descendo pelas paredes fraturadas e serpenteando como delgadas e cristalinas cobras
d'água, até se perderem no abismo, mergulhando, por certo, nas águas escuras que
gorgolejavam abaixo. Adiante, ele via apenas uma íngreme descida - quase um mergulho
vertiginoso, a que dificilmente o seu cavalo poderia enfrentar sem resvalar e tombar, com
todo aquele aguaceiro que caía dos céus de Niflheim. As quatro patas dianteiras de
Sleipnir firmaram-se ã Imite e assim o cavalo desceu, recebendo por Irás a água, que
agora descia naturalmente, junto com eles. Felizmente, não houve nenhum outro
incidente e ambos chegaram, afinal, do outro lado da ponte incólumes. Mas, antes que o
cavalo desse mais um passo, uma voz fina - e ao mesmo tempo surpreendentemente
cavernosa - soou do alto: - Onde pensam que vão, habitantes do reino dos vivos?
Hermod ergueu a cabeça e nada avistou (seria um espectro alado quem proferia
aquelas palavras?). Mas, depois de forçar a vista, viu uma criatura sentada ao alto de
uma grande saliência. De tão magra e esquelética, não fora possível percebê-la num
primeiro momento. - E você, criatura sinistra, quem é? - perguntou Hermod, num assomo
de coragem.
- Sou Modgud, guardiã da ponte que atravessa o rio Gioll! - bradou a criatura,
estendendo os braços recobertos por tiras de uma carne delgada e estraçalhada, que
agitaram-se ao vento. Sem dúvida, eram os restos esfarrapados de antigas e já inúteis
asas, pensou Hermod numa fração de segundo. O vento passava por aqueles tristes
molambos de carne como passa pelos restos de uma velha cortina ou pelos trapos
furados de uma abjeta mendiga. Em compensação, os seus pés e as suas mãos - ou,
simplesmente, as suas garras - eram extraordinariamente desenvolvidos, como se
estivessem assumindo, indubitavelmente, as funções de conduzir aquela mulher repulsiva
pelos caminhos íngremes dos paredões. - Bem sei que não são de vivos as patas de seu
cavalo ou o seu próprio corpo, pois nem mesmo um exército de mortos faria tanto ruído
quanto a sua passagem! - disse a velha asquerosa, que parecia ter ainda algum resquício
de vaidade, pois, num gesto involuntário, arrepanhou os restos de sua cabeleira -
composta de alguns fios delgados como teias de aranha - e a repuxou toda para trás,
deixando descoberta uma grande caveira azulada.
- Modgud, guardiã dos sombrios domínios de Hei! - disse Hermod, dando uma
entonação vigorosa à voz. - Não tenho tempo para apresentações, eis que venho a este
lugar detestável a mando de Odin para solicitar um grande favor a Hei, deusa suprema do
Niflheim. - Hermod explicou, então, em detalhes, os motivos que o traziam ao mundo dos
mortos. Modgud, após escutar, deu-lhe passagem, ainda que com uma indisfarçada mávontade,
pois não lhe agradava nada aquela mistura de mortos e de vivos.
Hermod, sempre cavalgando seu fiel Sleipnir, chegou, finalmente, aos gigantescos
portões de Hei. Como não houvesse, porém, ninguém para abri-los, Hermod os transpôs
com um pulo fantástico de sua montaria, de modo que logo estava do lado de dentro. A
deusa recebeu-o em sua casa escura e gelada e o levou até a sala de banquetes - o
Eljudnir -, onde Hermod teve a grata satisfação de avistar seu irmão Balder e a esposa
Nanna, sentados à mesa. Imediatamente correu a abraçá-lo e, assim, estiveram unidos
um longo tempo, misturando as suas lágrimas, até que libertando-se dos braços do irmão
deu a conhecer a Hei os motivos de sua viagem.
A deusa da morte relutou muito e não queria, a princípio, nem ouvir falar em
devolver Balder ao mundo dos vivos. Mas Hermod, alertado que fora por Frigga, insistiu
nos seus argumentos, sempre empregando a cordialidade. Por fim, tanto fez que
conseguiu arrancar da renitente deusa a promessa de que permitiria a volta de Balder sob
uma única condição: a de que todas as criaturas do mundo chorassem e implorassem por
sua volta. - Se houver uma única criatura a não desejar a sua volta, será tudo em vão -
disse Hei, com sua voz mortiça, porém determinada.
Hermod achou que poderia cumprir, perfeitamente, aquela condição - afinal, qual
criatura deixaria de chorar a morte de Balder? Munido de coragem, despediu-se da deusa
e de seu irmão com um brilho de esperança nos olhos, sem saber, contudo, que era a
última vez que punha os olhos em seu infausto irmão.
Hermod voltou para Asgard com tal velocidade que, em menos de um dia, estava
diante de Frigga para lhe dar aquela que julgava ser a melhor notícia que poderia trazer. -
É simples: basta que todas as coisas animadas e inanimadas chorem a morte de Balder e
clamem por seu retorno! - disse ele, repleto de esperanças.
Frigga, nem bem escutou estas palavras, mandou chamar todos os mensageiros
possíveis para que fossem aos quatro cantos do mundo recolher os preciosos
testemunhos. Em pouco tempo, o mundo todo - deuses, homens, anões, gigantes,
animais, plantas e até as pedras choravam e imploravam pelo retorno de Balder.
Entretanto, faltava ainda o depoimento e as lágrimas de uma giganta chamada Thok,
que vivia retirada nas montanhas de Jotunheim, a terra dos gigantes.
- Pode deixar, eu mesmo me encarregarei de colher pessoal mente as suas lágrimas
- disse Hermod, feliz de poder completar a obra de salvação de seu irmão.
Mais uma vez, ele partiu com a alma repleta de esperança e coragem. Assim que
esteve diante da giganta, no entanto, teve uma desagradável surpresa. A criatura, uma
giganta gorda e rabugenta, recusou-se terminantemente a derramar uma única lágrima
pela morte de Halder. - Por que, bolotas, deveria chorara morte de uma criatura que nada
significava para mim? - disse ela, com sua voz gutural amortecida pelas bochechas
acolchoadas. - Por que, bolotas, deveria fingir um sentimento que não sinto?
- Mas todos, sem exceção, lamentam a morte de Balder e pedem a sua volta! -
exclamou Hermod, cuja vontade era enterrar os dedos nas três camadas de gordura do
pescoço da repulsiva giganta até estrangulá-la.
- Eu não sou todos - disse a intransigente criatura -, sou Thok. Se lamentasse, de
verdade, a morte deste sujeito derramaria até uma ou duas lágrimas - e não ia além,
porque nunca vi alguém que merecesse mais. Mas, como não me vale uma bolota, pouco
se me dá que permaneça para sempre na casa de Hei ou de quem quer que seja, desde
que não seja na minha. Adeus! Vamos comer, que o resto é sofrer. - E encerrou-se num
tal mutismo, que nem o próprio Odin teria sido capaz de lhe arrancar mais uma única
palavra.
Assim, Hermod voltou para Asgard com a péssima notícia e Balder, o mais amado
dos deuses, teve de se conformar em permanecer em Hei até a consumação dos tempos,
quando, então, ele e seu irmão cego, Hoder, deverão renascer. Quanto a Loki, cedo
descobriu-se que a giganta insensível não era outra senão o nefando deus, que desta vez
ultrapassara todos os limites de perversidade. Por isso, os deuses, reunidos em conselho,
decidiram que era hora de preparar uma terrível e definitiva punição a Loki.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 10:49 pm

O castigo de Loki



Depois de haver provocado a morte de Balder, o mais querido dos deuses, ainda
sobrara ruindade bastante a Loki, o mais perverso, para impedir que o primeiro retornasse
do mundo dos mortos. Ele se recusou a lamentar o desaparecimento de Balder (condição
imposta por Hei, a deusa da morte, para que aquilo ocorresse). Com isto, Odin perdera,
definitivamente, o seu filho e também a paciência, decidindo punir, de uma vez, as
maldades de Loki.
Este, entretanto, que era tudo menos idiota, farejara logo o perigo e, por isto, tratara
imediatamente de desaparecer, buscando refúgio num local ermo e inacessível. Para
tanto, escolheu o pico da mais alta montanha que pôde encontrar. Ali, construiu uma
cabana, dotada estrategicamente de quatro portas cada qual voltada para um lado do
mundo, de modo a não ser pego desprevenido. Mas isto somente à noite, porque durante
o dia metamorfoseava-se em um enorme salmão, mergulhando nas águas de uma
cachoeira que corria ao pé da montanha. "Aqui dentro, eles jamais me encontrarão!",
pensava o Loki-salmão, sempre que descia às profundezas e gozava da proteção e
liberdade que aquele lugar lhe proporcionava. "Impressionante como um peixe podia ser
livre", pensava todas as vezes que subia até a superfície e depois mergulhava outra vez
até quase roçar as algas que se embalavam no fundo numa elegante e graciosa
coreografia. -Céus, isto é quase como voar!... - dizia eufórico aos outros peixes, que
ficavam, no entanto, observando-o com aquele olhar parado e idiota, que só os peixes e
os empregados de qualquer emprego que exista neste mundo possuem.
Mas, ele sabia também que o paraíso do qual gozava era efêmero (como de resto,
todos os paraísos), porque estava contaminado pelo remorso - ou seja, pelo medo de
uma punição. Então, a idéia obsessiva que ronda o pensamento de todo os perseguidos,
apossou-se também de seu cérebro: Como escapar ao perseguidor!
"Um peixe é pescado, naturalmente, e para isto se usa um anzol", pensou ele,
enquanto nadava no fundo de um lado para o outro. "Conseqüentemente, a partir de hoje,
jamais morderei qualquer coisa que me surja presa num anzol!", completou, aplaudindose
todo com suas nadadeiras. (Pode parecer uma conclusão demasiado óbvia para nós,
mas, levando-se em conta que milhões de peixes ainda não foram capazes de perceber
uma trapaça ordinária como esta, isto já foi um grande passo.)
Em seguida, dando seqüência ao seu raciocínio - lembremos que ele pensou tudo
isto com seu minúsculo cérebro de salmão - começou a imaginar um outro meio de que
se poderiam servir os deuses para capturá-lo. Durante o dia inteiro, esteve a matutar
sobre os mil estratagemas possíveis até que teve uma idéia verdadeiramente espantosa:
"E se eles confeccionassem uma cortina de arame e a arrastassem pela água até me
capturar?" (Aqui é preciso esclarecer que a rede de pesca ainda não fora inventada, daí, a
denominação tosca e improvisada.)
Esta possibilidade inquietou profundamente o coração de Loki, que correu
imediatamente para a sua casa no alto da montanha e se pôs a fabricar uma destas
"cortinas de arame". "Se eu não for capaz de fabricar um artefato suficientemente forte
para ser nele apanhado, ninguém o conseguirá, eis que sou o mais esperto dos deuses!",
pensou ele, convicto de que só quando chegasse a esta certeza teria sossego para nadar
em paz novamente nas águas refrescantes da sua cachoeira.
Odin, entretanto, não desistira ainda de localizar o assassino de seu mais amado
filho; por isto, sentado em seu trono, Hlidskialf, de onde podia observar tudo que se
passava nos quatro cantos do mundo, percorria, dia após dia, com olhar atento, cada
centímetro dos nove mundos, à procura de Loki. - Mais cedo ou mais tarde meu único
olho pousará sobre ele e, então, ai de seu pescoço...! - dizia Odin aos demais deuses
reunidos à sua volta. - De repente, o velho deus deu um pulo do trono, seguido de um
grito: - Arrá! Lá está o patife...!
E, lá estava mesmo: sentado num banco, Loki costurava calmamente a sua rede.
- O que o idiota está fazendo? - perguntou Odin, sem nada entender. -Então,
reunindo os deuses da sua assistência, partiu logo à caça de Loki. Mas, este, que
mantinha as quatro portas de sua casa, no alto da montanha, permanentemente abertas,
pressentiu a chegada dos intrusos tão logo estes começaram a escalar o monte.
"Malditos!", exclamou ele, juntando a rede e correndo a lançá-la na lareira da sala. Seu
semblante era de puro terror, pois, neste meio tempo, ele havia descoberto que aquela
rede seria o instrumento ideal para a sua captura. - Queima, desgraçada, queima de uma
vez...! - dizia ele, com as bochechas escarlates do esforço de assoprar as chamas, que
envolviam rapidamente a rede.
Infelizmente, não pôde esperar mais, pois os intrusos já galgavam os últimos metros
antes de chegar ao seu refúgio. Transformando-se novamente em salmão, deu um
mergulho magnífico do alto até atingir a cachoeira com um golpe surdo, desaparecendo
nas profundezas antes que se pudesse avistá-lo.
- Vamos, revistem tudo por aqui! - disse Odin, esquadrinhando cada canto da casa
com seu único olho raiado de sangue.
Então, um grito estentóreo partiu da sala: - Odin, meu pai, venha cá ver o que
encontrei! - Era Thor quem retirava os restos da rede da lareira, tentando apagar as
línguas de fogo, que ainda a percorriam.
- O que é isto? - disse o velho deus, cocando a cabeça.
- Um cobertor de verão, ao que parece - disse Thor, indeciso.
- Uma teia de aranha gigante - aventurou Kvasir (um deus que teve uma origem
estranha, tendo nascido do cuspo dos deuses numa escarradeira sagrada).
Mas, Odin, que era o mais sábio dos deuses - não à toa perdera um de seus olhos
para adquirir o saber - depois de farejar a rede e sentir nela um cheiro inequívoco de
peixe, logo compreendeu tudo: - Ah, então, era por isto que o maldito tecia esta malha! -
esbravejou. - Dê-me logo este anzol trançado e vamos direto para a cachoeira!
Assim, os três deuses desceram, rapidamente, a íngreme montanha, levando
consigo o tal "anzol trançado" (como toda coisa inédita, a rede recebia a cada instante
uma nova denominação). - Agora, lancem-na sobre a água! - ordenou Odin, tão logo,
viram-se todos ao pé da cachoeira.
- Deixe comigo, deus poderoso! - disse Thor, fazendo um bolo compacto da rede e
lançando-a sobre a água com um arremesso viril.
- Não, idiota!... - exclamou o velho deus, levando as duas mãos a cabeça. - Aberta,
imbecil! Lance-a toda aberta!
A rede foi, imediatamente, recolhida pelo deus do trovão, espichada e lançada outra
vez. Como uma toalha esgarçada, ela voou pelos ares e foi cair sobre o rio com um plaf!
sonoro, ficando depois a boiar acima das ondas de maneira inútil e melancólica. Odin
abaixou os olhos com um ar de desânimo: “É triste... muito triste!...", pensou ele,
meditando, com certeza, sobre o poder de raciocínio de seu amado filho. Assumindo,
então, o comando das operações, ordenou que Kvasir segurasse uma ponta enquanto ele
seguraria a outra. - Você, Thor, ficará à espreita, para o caso de Loki pular por cima,
entendeu?
Thor ficou com o olhar perdido por alguns instantes, enquanto a cachoeira
continuava a despejar as suas águas em seu arremesso incessante.
- Mas, meu deus, entendeu?... - exclamou Odin, arregalando a órbita vazia.
- Claro, meu pai! - disse Thor, cujos neurônios haviam, finalmente, chegado a um
consenso.
No primeiro arrastão, Loki-salmão conseguiu escapar com um jogo de corpo
verdadeiramente admirável; no segundo, arrastou-se pelo cascalho do rio, enquanto a
malha apenas lhe roçara uma das barbatanas; mas, na terceira vez, viu-se obrigado a
pular para fora da água, sendo apanhado, imediatamente, pela mão ágil de Thor. -
Peguei-o! - gritou ele, em triunfo. - Aqui está!...
Loki viu-se obrigado a readquirir a sua forma humana ao ver-se frente a frente com
Odin. Chegara, afinal, a hora do acerto de contas.
- Agora, desgraçado, pagará pela morte de Balder, meu saudoso filho! - disse Odin,
cujos cantos da boca espumavam.
Loki foi levado para uma gruta profunda e desabitada, por um caminho que só Odin
conhecia. Uma vez ali, foi amarrado a três rochas imensas - com cordas retiradas dos
tendões de Narvi, um dos filho de Loki, que fora morto expressamente para isto -, de
modo que não pudesse jamais se libertar.
Mas mesmo aquele castigo pareceu a Odin suave demais. Por isso, ordenou à
giganta Skadi - que se tornara inimiga de Loki, após ter sido repudiada por ele - que
encantasse uma serpente e a mantivesse pendurada sobre o rosto de Loki. De sua boca,
escorria uma baba peçonhenta e incessante que, ao atingir as faces do deus,
provocavam-lhe uma dor intolerável. Achando, então, que aquele castigo era cruel o
bastante, Odin retirara-se com os demais deuses. - Aí, ficará até o final dos tempos, tal
como o seu odioso e carniceiro filho! - disse Odin, referindo-se ao gigantesco lobo Fenris,
terror dos deuses, que estes também haviam aprisionado há muito tempo.
Entretanto, passados alguns dias, a esposa de Loki, a fiel e dedicada Sigyn, dera um
jeito de descobrir o local onde o esposo estava aprisionado. Desafortunadamente, nem
ela nem ninguém seriam capazes de libertar Loki de suas cadeias. Por isso, não lhe
restou outra alternativa senão mitigar-lhe os seus sofrimentos. Tomando de um cálice,
ela, desde então, permanece noite e dia ao lado do desgraçado deus, recolhendo o
veneno que pinga da boca da serpente para que seu amado esposo tenha um descanso
nos seus tormentos. Quando o cálice enche, entretanto, ela é obrigada a esvaziá-lo e
algumas gotas atingem o rosto de Loki, que se contorce em indizíveis espasmos.
- Mulher idiota! - guinchava ele, em meio aos seus pavorosos estertores. - Não podia
ter arranjado um cálice maior?
Sigyn, com a alma dilacerada pela dor, fazia menção de sair para ir buscar um outro
maior. Mas, agora, Loki já não suportava a idéia de ter de esperar o seu retorno sob
aquele tormento infame. Por isto, tão logo, ela esvaziava o pequeno cálice, ele implorava
à esposa que o recolocasse, imediatamente, sobre a sua cabeça e, assim, seguirão
ambos nesta pavorosa rotina até que chegue o dia da esperada Ragnarok, a terrível
conflagração final, que porá fim ao mundo dos deuses. Neste dia, Loki será finalmente
liberto do seu suplício para comandar as hostes malignas que enfrentarão os deuses,
provocando a morte de todos, inclusive a dele próprio, uma vez que todos os autores de
crimes nefandos, bem como todos aqueles que os puniram com desmedida crueldade,
serão banidos para sempre deste mundo.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 10:52 pm

Freya e o colar dos anões


Freya era uma bela deusa oriunda do país dos Vanir, que chegara junto com seu
irmão Freyr a Asgard, onde viviam os deuses dominantes do panteão nórdico, liderados
pelo poderoso Odin. Apesar de ser uma estranha e pertencer a uma raça divina
considerada inferior, Freya não demorara a conquistar a admiração de todos graças à sua
beleza e seu provocante charme. Bem pouco tímida, a encantadora deusa podia ser
considerada a equivalente nórdica de Vênus, a deusa do amor grego; tal como esta,
também não tinha muitos escrúpulos de ordem moral, o que lhe permitia estar sempre
envolvida em muitas aventuras, na maioria das vezes com deuses - o que não a impedia,
entretanto, de freqüentar de vez em quando outra classe de seres.
A mais sensual das deusas morava no palácio Sessrymnir, que os deuses haviam
lhe presenteado, o qual era tão bem protegido que ninguém, a não ser a própria Freya,
detinha as suas chaves. Sua carruagem finíssima era puxada por alvíssimos gatos da cor
da neve, tão alvos que ao se observar à distância a carruagem a deslizar por um campo
nevado, tinha-se a nítida impressão de que ela se movia sozinha, ou pelo menos, de que
era puxada por um pequeno bando espectral de olhos oblíquos e esverdeados.
Freya, como todas as mulheres belas, tinha uma vaidade pronunciada, e seu xodó
particular era um maravilhoso casaco feito de pele de gavião, com o qual podia voar
livremente pelo mundo, disfarçada desta ave. Naturalmente, também apreciava toda a
espécie de jóias e enfeites, chegando a perder a cabeça quando enxergava uma nova
peça, a qual sempre lhe parecia mais bela que as anteriores. E foi justamente por causa
de uma jóia - a mais encantadora de quantas já houve neste mundo - que se originou a
história de Freya e seu colar, que tanto rebuliço provocaria entre os deuses.
Uma vez, a deusa, que preferia dar os seus passeios à noite, havia vestido casaco
mágico e sobrevoava o mundo em busca de um pouco de amor e prazer, quando, já ao
retornar para casa, teve sua atenção atraída pela luz ofuscante que saía de uma caverna.
Era a forja dos Brisings, anões artífices que se dedicavam a confeccionar as mais belas
jóias do universo. Curiosa, ela resolveu ir dar uma espiada. Pé ante pé (já havia retomado
sua forma maravilhosamente feminina), ela foi adentrando a caverna. O clarão do fogo
iluminava o interior com um relâmpago amarelado, que lançava sobre as paredes as
silhuetas pequenas e atarefadas dos quatro anões.
- Está quase pronto, irmãos! - disse uma vozinha meio fanha.
Os outros três acorreram logo até onde estava o primeiro.
- Sim, o fecho está perfeito! - exclamou o segundo.
- E as jóias, perfeitamente engastadas! - elogiou o terceiro.
- Jamais se viu um colar tão lindo! - disse, por último, o quarto, aplaudindo a obraprima
com entusiasmo.
Freya, que escutava tudo atentamente, perdeu a fala. - "Que colar magnífico será
este?", pensou, roendo as unhas.
Freya foi avançando mais e mais, cosida à sua própria sombra na parede, até que
finalmente pôde divisar o colar, que havia sido colocado, cuidadosamente, sobre uma
mesa. Deixando, então, de lado toda precaução, Freya lançou um grito de admiração: -
Oh, não pode ser verdade o que meus olhos vêem! -exclamou, quase perdendo os
sentidos.
Os quatro anões tomaram um susto tão grande que suas pequeninas sombras
saltitaram nas paredes. - Quem é você? - disse o anão um.
- Ora, não a está reconhecendo? - disse o anão dois.
O anão três adiantou-se, então, e disse: - Seja muito bem-vinda por aqui, adorável
Freya!
- Saiba que esta é uma honra gigantesca para nós! - disse o anão quatro,
que amava os superlativos.
Mas a deusa nada respondia: seus olhos percorriam de ponta à ponta o colar de
sonho, que poderia levar, tranqüilamente, qualquer mulher ao crime e mesmo ao
assassinato. Pedras preciosas, que pareciam pequenas gemas de um fogo cristalino e
liquefeito, estavam perfeitamente engastadas numa armação originalíssima feita de um
metal, que o olho mais atilado não seria capaz de definir se era de puríssimo ouro ou da
prata mais fina, tal a facilidade com que seu aspecto se intercambiava. - Não, isto não
existe!... - dizia Freya, boquiaberta.
Era tal o interesse que parecia demonstrar pela mais encantadora das jóias que
todos os seus sentidos estavam entregues ao jogo prazeroso de absorver aquela
estonteante criação. A deusa podia não somente ver o colar, como também cheirá-lo -
sim, seu metal possuía um odor gélido e refrescante, enquanto que suas pedras, cada
qual mais faiscante que a outra, possuíam aromas que superavam infinitamente ao da
mais exótica especiaria ou do mais inebriante perfume. Ela podia também sentir o próprio
gosto da jóia, cem vezes melhor do que do próprio hidromel, a bebida dos deuses.
Mesmo sem tocá-lo, ela já podia sentir o contorno da armação e o volume das pedras,
pressionando a polpa dos seus dedos, e o mais estranho: podia escutar um ruído,
perfeitamente audível, que emanava da preciosidade como se fosse uma música, uma
pequena sinfonia executada pelos metais e minerais coligados, mas que nada tinha a ver
com nossas enfadonhas composições artísticas. Na verdade nem ela própria, que era
uma deusa, tinha a menor condição de explicar.
Freya teria ficado ainda muito tempo fascinada pela jóia, se os anões não a tivessem
despertado de sua admiração hipnótica.
- Vamos deusa, acorde! - gritava o anão três, saltitando ao seu redor como uma
pequenina bola dotada de braços.
Muito a custo, Freya despertou de seu sono estético. - Oh, anões maravilhosos!... -
disse ela, com os olhos ardendo em súplica. - Eu o quero...! Quero mais que tudo neste
mundo!
Os quatro anões ergueram suas cabeças, apontando seus narizes escarlates para
ela (todos os anões, na verdade, têm os narizes vermelhos ou inchados; mas, ao
contrário do que possa se pensar, não os têm por abusar da bebida, mas por causa de
uma pequenina vela, que, geralmente, trazem pendente sobre a cabeça para suas
expedições dentro das cavernas. Como é sabido, são eméritos minera-dores e, de tanto
receberem as gotas eventuais da cera derretida sobre seus protuberantes narizes - anões
são geralmente narigudos -, estão sempre com o aspecto de quem está embriagado ou
simplesmente gripado).
Freya, ao vê-los todos com os narizes eretos apontados para ela, tomou um ligeiro
susto. - Ui! O que foi caros Brisings? - disse ela, acariciando suas cabeças. - Não
cometerão a terrível deselegância de me negar este presentinho, não é mesmo?
- Rrrrum-rum-rum!... - começaram os quatro a fazer ao mesmo tempo, porém, de
maneira desencontrada, o que era a sua maneira de expressar uma dúvida atroz.
Então, o anão um tomou o anão dois pela parte traseira do gibãozinho esverdeado e
o arrastou até o fundo da caverna. O anão dois, tão logo sentiu que o agarravam, atracouse
à parte traseira do gibãozinho do anão três e fez o mesmo, de tal modo que, sendo
levado, também levava. O anão três fez a mesma coisa ao anão quatro e este, não
podendo fazer outra coisa, cruzou os braços e se deixou levar. Assim encadeados, foram
os quatro de marcha a ré até o canto mais afastado da apertada forja, onde se puseram a
confabular miudamente.
- Irmãos - disse o anão um, com o semblante solene. - Ou muito estou enganado, ou
chegou a nossa vez de provar também das delícias dos braços de Freya (anões nunca
empregam outro eufemismo quando querem se referir aos jogos do amor).
- Nós... e Freya? - perguntou o anão dois, completamente atônito.
- Um de cada vez, é claro...! - especificou o anão um, pois estes seres são
geralmente castos e detestam promiscuidade.
- Em troca do colar?... - quis saber o anão três.
- Lógico, idiota! - respondeu o anão um. - Seus braços não valem, cnlão, dez colares
iguais a este?
- Sim, e além do mais poderemos fazer muitos outros, ainda que dificilmente os
igualemos ao Brisingamen. - O anão quatro referia-se ao colar, que recebera esta
denominação.
Freya estava entregue, outra vez, à contemplação de sua adorada jóia. Os anões,
que não eram nada estúpidos, perceberam, claramente, que, se lhe negas sem a posse
do colar, ela daria um jeito de levá-lo de qualquer maneira, de tal modo que, ao fim e ao
cabo, acabariam por ficar sem o colar e sem o seu lindo pescoço - ou antes, sem os seus
lindos braços.
O anão um veio à frente dos quatro e pronunciou o veredicto: - Muito bom, adorável
Freya, o colar será seu... - A deusa deu um pulo de satisfação tão alto que quase bateu
com a cabeça no teto da caverna. - Mas espere! - disse o anão porta-voz. - Somente será
seu se...
- Sim, diga e eu farei qualquer coisa!
- Qualquer coisa mesmo?
- Sim, sim, qualquer coisa!
Então, os quatro anões apontaram outra vez os seus protuberantes narizes para ela
e todos disseram a uma só voz: - Queremos gozar das delícias dos seus braços, eis o
que é! - Freya levou algum tempo para entender, mas quando, finalmente, o fez deu uma
sonora gargalhada. - Eu... e vocês! - disse ela, muito divertida.
- Um de cada vez, é claro... - disse o anão um, meio desenxabido.
- Por que ela está rindo? - disse o anão quatro, que tinha uma suscetibilidade
inversa ao seu tamanho.
- Bem - disse a deusa, tentando conter o riso -, vocês compreendem, eu nunca fiz
antes com um... bem, com um... com um de vocês.
- Sabemos que nunca fez com nenhum de nós — disse o anão três, que não era lá
muito inteligente.
- Não, quero dizer, com um de sua espécie - completou a deusa, enquanto os
estudava detidamente.
Todos os quatro sentiram-se, então, observados da sola dos pés ao último fio de
cabelo - o que não podia demorar muito, afinal. Desta análise, dependia o resultado do
negócio, que prometia ser altamente rendoso para ambas as partes. Depois de algum
tempo - e de algumas olhadelas cobiçosas lançadas para o magnífico colar -, Freya
respirou fundo e, deixando que um grande sorriso aflorasse aos seus lábios, deu enfim a
sua resposta: - Trato feito, meus queridos!
Os quatro aplaudiram, sapateando de alegria.
- Então, quem é o primeiro?
Estas repentinas e inesperadas palavras, contudo, deixaram os quatro anões tão
profundamente perturbados que trombaram seus narizes uns contra os outros. De
repente, o desejo, que antes os assoberbara, parecia haver se convertido em um terrível
receio. "Santo deus, quem será o primeiro!", pensaram os quatro, mergulhados em
aflição. O anão dois, imediatamente, sugeriu que, pela própria hierarquia numérica,
deveria ser, obviamente, o anão um. Este, entretanto, tornando-se branco como a alma
dos coelhos, argumentou que não necessariamente; podia ser, perfeitamente, qualquer
um deles: o três, por exemplo! Mas, o três tergiversou e passou a bola para o quatro, que
teria saído correndo mesmo que tivesse só uma perna, se isto não fosse para si uma
tremenda desonra. Então, Freya, percebendo o pudor que se assenhoreava da alma dos
pobres anões, resolveu tirar a sorte.
- Dêem as mãos e façam um círculo ao meu redor - disse ela, imperativa.
Os quatro, meio sem jeito, fizeram o que ela ordenou e, num instante, estavam de
mãos dadas, encerrando-a num minúsculo círculo.
- Agora girem! - disse ela, batendo as palmas.
- Ela está caçoando de nós! - disse o anão quatro, cuja vermelhidão do nariz
espalhara-se para o restante do rosto.
- Vamos, girem!
Os quatro anões começaram a rodar em torno de Freya, que fechara os olhos.
- Fechem os olhos também! - disse ela, sentindo um vento cada vez mais forte agitar
a parte inferior do seu vestido. - Mais rápido, mais rápido!
Os anões rodavam velozmente como piões encadeados a ponto de suas barbas
tornarem-se oblíquas. Freya ergueu sua mão e fê-la descer às cegas.
- Pronto, é este...! - disse ela, agarrando com força um dos anões, para que não
houvesse confusão acerca do resultado. Quebrado o elo da cadeia, os outros três saíram
rolando pelo chão da caverna, cada qual para um lado, como bolas de boliche dotadas de
minúsculos braços e pernas.
O escolhido fora o anão três, o que tergiversara!
Seus irmãos ergueram-se a custo do chão, enquanto o três tresvariava diante de
Freya, vendo tudo rodar. Cinco ou seis Freyas misturavam-se à sua frente, mas, pelo
menos, aquela excitação toda servira para mexer com seu sangue, pois, tão logo passara
a tontura, ele todo empertigou-se e apontando seu adunco nariz para a deusa, disse-lhe
num tom de voz que encheu de espanto - e admiração -os outros, que estavam a
observá-lo de bico calado: - Vamos, então...?
Dando a mão ao minúsculo amante, Freya retirou-se com ele para o quarto de
hóspedes. Os outros três subiram em seus tamboretes e ficaram do alto a balançar
nervosamente, as suas perninhas. Um silêncio constrangedor pairava em cada milímetro
da apertada caverna.
- Talvez um gole de vinho... - disse o anão um, fazendo menção de buscar a botija.
- Não sei, pode provocar náuseas... - disse o quatro, precavidamente.
Uma porta abriu, de repente, às suas costas:
- Por favor, façam um pouco de barulho; isto servirá para acalmar o seu irmão e a
vocês também! - disse Freya, cujos braços já estavam completamente despidos, para
utilizar o casto eufemismo dos anões.
Os três anões desceram dos seus assentos e procuraram algo para fazer -algo com
bastante ruído. O anão um tomou do martelo e começou a malhar em ferro frio, o dois a
lixar um pequeno espadim, enquanto que o quatro, sem saber direito o que fazer, calçara
umas botas de ferro tacheadas e andava de lá para cá, batendo os pés com toda a força.
Assim, estiveram por um bom tempo até que viram voltar o anão três. Três pares de olhos
angustiados fixaram-se no rosto dele, que fazia todo o esforço do mundo para esconder
os seus sentimentos.
- O próximo! - disse Freya, cuja voz vinha do interior, fresca e animada. Tomado por
um impulso, o anão dois adiantou-se.
- Vou eu - disse ele, meio animado, meio assustado.
A porta fechou-se e isto foi o sinal de rebate para que os demais caíssem sobre o
que regressara como águias sobre a presa.
- E então? E então?
- Como foi? Vamos, diga!
- Deu certo?
- Deu errado?
- Não deu?
O anão três, entretanto, permanecia impassível.
- Nada menos que divino - disse ele, após uma longa pausa, empertigando o
narigão. - Ao menos comigo.
Uma bazófia...! Um suor frio correu pela espinha dos outros dois. Eles sabiam,
perfeitamente, o que significava a bazófia ou a triste vangloria: apenas o emblema de um
negro fracasso!
- Ruídos, meus queridos, ruídos! - bradou uma voz lá de dentro.
Os anões voltaram às suas ocupações, procurando fazer o máximo de alarido.
E assim foi com os outros dois - que retornaram também discretamente -até que o
anão um, o que ficara por último, finalmente retornou. Todos, agora, entreolhavam-se com
um brilho cúmplice no olhar, que compartilhava algum triunfo e, ao mesmo tempo, exigia
discrição para alguma pequenina derrota.
Jamais alguém ficou sabendo, exatamente, o que se passou dentro do pequeno e
confortável cômodo no famoso dia em que os Brisings desfrutaram dos braços da mais
bela das deusas. Sempre que se referiam ao episódio - o que só começaram a fazer
muitos anos depois - exaltavam sempre as belezas supremas da deusa, acrescentando o
desempenho magnífico que cada qual tivera e quase tornava cada vez mais magnífico a
cada nova narrativa a ponto de superar qualquer proeza amorosa conhecida entre os
anões e mesmo entre os deuses. Mas podemos ter a certeza que todos tiveram a melhor
experiência de suas vidas e que se algum pequenino percalço ocorreu, Freya, a
maravilhosa deusa do amor e do prazer, soube contorná-lo perfeitamente (não fosse ela
uma profunda conhecedora do assunto!...)
E foi assim que Freya conseguiu apossar-se do Brisingamen, o mais belo colar que
olhos humanos e divinos já viram.
Shiki ~
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 10:56 pm

O roubo do Brisingamen



Freya, a deusa nórdica do amor, havia ganho dos anões Brisings, em troca de
alguns deliciosos favores, o mais belo colar de todo o mundo. Como o negócio, no
entanto, fizera-se às ocultas (pois Freya, como uma perfeita negociante, não gostava de
tornar públicos os seus acordos), imaginou que ninguém ficara sabendo de nada.
Havia, porém, um indesejado - o perverso deus Loki -, que assistira escondido a
entrada dela na caverna dos anões altas horas da madrugada.
"Oh, céus!", exclamara o enxerido. "Mas até com anões ela já anda?"
Ninguém ignorava que Freya não era nenhum modelo de virtudes, e que era mesmo
o oposto de Frigga, a esposa de Odin, um exemplo perfeito de piedade, de virtude, de
retidão moral - e de chatice. Não à toa, o mais poderoso dos deuses volta e meia
permitia-se afrouxar um pouco os seus rígidos princípios e dar também algumas
"escapadinhas" em busca de uma companhia menos sufocantemente perfeita, o que ele
somente encontrava, quando caía nos braços de Freya, a deusa deliciosamente
imperfeita.
Sabedor disto tudo e desejoso também de se apoderar do magnífico objeto, além de
provocar mais uma discórdia entre os deuses - uma vez que nada podia lhe dar mais
prazer do que injetar um pouco de emoção num mundo que lhe parecia já
insuportavelmente enfadonho, Loki decidiu entrar logo em ação.
- Odin, meu caro, você não sabe da maior! - disse ele, entrando nos majestosos
salões de Gladsheim, onde o deus estava assentado em seu trono.
- O que foi desta vez? - disse o velho deus, franzindo as sobrancelhas, pois a
presença do importuno era sempre o prenuncio infalível de nova encrenca.
- Sua esposa está por peito? - disse Loki, passando o salão em revista.
- Não, está assistindo, escondida atrás do altar, ao vigésimo culto do dia que lhe
prestam em Midgard - disse o deus com um olhar enfadado, que parecia dizer: "Como
gosta de ser cultuada!"
- O problema é com a bela Freya, ó deus...
Odin ergueu um pouco a cabeça, pois este assunto lhe interessava.
- O que há com ela?
- Anda aprontando de novo, se me permite a expressão.
- Oh, Freya, você não sossega nunca!... - disse o deus, sacudindo a cabeça.
- Não seria melhor pôr logo um freio na adorável Freya?
Odin olhou-o com cólera.
- Mais uma gracinha e será expulso daqui!
- Perdão, poderoso Odin - disse Loki, curvando a cabeça - pretendia apenas animálo
um pouco.
- Com quem ela anda, agora?
- Com anões - disse Loki, baixando a voz.
- Ah, não...! - disse Odin, cobrindo a testa com a mão em pala.
- E não é só com um...! - disse Loki. - São vários!
Sem saber direito, se o maligno deus debochava, Odin cobrou-lhe explicações mais
detalhadas. Loki explicou-lhe toda a história e o velho deus escutou com uma ira
crescente, pois é sabido, que os ciúmes dos amantes, não raro, excedem aos dos
próprios maridos. Tão logo a matraca de Loki cessou de falar, Odin tomou o mensageiro
da desgraça pelo pescoço e lhe disse, rilhando os dentes:
- Tire o colar dela imediatamente! Nenhum castigo lhe poderá ser pior.
- E-eu, poderoso deus?
- Você mesmo! - respondeu Odin. - Não fez a intriga? Agora conserte!
- Mas como farei para adentrar os portões de Sessrymnir? - disse Loki, referindo-se
ao palácio onde morava a deusa. - Todos sabem que tem portas inexpugnáveis e que
somente ela detém as suas chaves!
- Não me interessa, dê um jeito! Quero este colar em minhas mãos, amanhã de
manhã, ou você pagará por tudo isto!
"Aí está, língua de trapo!", pensou Loki, retirando-se com um tremendo abacaxi nas
mãos para descascar durante a noite.
Na mesma hora, partiu para o palácio de Freya, pois não havia tempo a perder. A
noite já caía e ele ainda tinha uma tarefa ciclópica a cumprir: tirar das mãos da mais
vaidosa das mulheres o seu enfeite mais cobiçado!
Loki chegou, rapidamente, ao local onde ficava o majestoso palácio, graças aos
seus sapatos mágicos, que tal como os do Hermes grego, tinham a propriedade de voar.
"Um magnífico lugar para se morar, aquele, não resta a menor dúvida!", pensou,
enquanto observava os portões dourados de Sessrymnir. Ao alto, as cúpulas prateadas
afinavam-se até parecer longas espadas afiadas prestes a espetar o traseiro acolchoado
do céu, que estava recoberto de nuvens brancas e algodoadas.
"Mas, como farei para entrar?", pensou o deus, cocando a cabeça.
Mesmo sabendo que não teria sucesso, resolveu tentar forçar os portões:
- Hmf! - fez ele, com as duas mãos apoiadas a uma das portas. Nada.
Colou, então, o ombro direito ao portão e tentou novamente:
- Hmmmfff! - fez ele, sentindo o ouro gelado esfriar-lhe o osso do ombro. Nada, outra
vez.
Loki lembrou-se, então, de que tinha o poder de se metamorfosear em qualquer ser
que desejasse. Primeiramente, pensou em se transformar em um possante dragão ou um
troll gigantesco e botar abaixo a droga da porta. Mas abandonou logo o projeto: com todo
o estrépito que produziria, acabaria não só por acordar a deusa, mas Asgard inteira.
Retomando o bom senso, resolveu estudar melhor o obstáculo: com um olho fechado e o
outro extremamente arregalado pôs-se a esquadrinhar a espessura das frestas que havia
entre uma porta e a outra. Tentou introduzir o dedo bem na junção das duas pesadas
folhas, mas descobriu que naquela fissurazinha nem sequer a sua unha entrava.
- Maldição! - exclamou ele, baixinho.
No mesmo instante uma neve espessa começou a cair sobre os seus ombros,
irritando-o ainda mais. Ajoelhou-se, então, o máximo possível - até assumir uma posição,
verdadeiramente, constrangedora - só para observar a espessura da fenda sob a base
das portas. Com uma das mãos, raspou a neve ajuntada, soprando os minúsculos farelos.
Não, nem uma formiga passaria por ali!...
"Realmente, terei de me metamorfosear num ser verdadeiramente minúsculo para
poder ultrapassar qualquer fenda ou buraco...", pensou desanimado e, como nem ele nem
deus algum conheciam ainda os seres microscópicos, descobriu que estava, de fato, num
beco sem saída.
- Buraco?! - exclamou de repente. - É claro, o buraco da fechadura!
Sua inteligência dava os primeiros sinais de ter acordado. Encontrou logo a
fechadura, mas estava escuro demais para perceber algo, sequer se havia meio de entrar
ali e sair do outro lado.
- Só há um jeito! - disse ele, transformando-se numa pequena formiga.
Mas ao se ver no solo sob esta minúscula forma, descobriu também que aumentara
em pelo menos dez vezes o trajeto até a entrada da fechadura, que estava, agora, lá no
alto, muito acima da sua cabeça (que não era maior do que a cabeça de um alfinete).
Suas duas anteninhas vibraram de ira e frustração.
- Irra! Uma burrada atrás da outra! - gritou, sabendo, que sua vozinha, ridiculamente
inaudível, jamais seria ouvida.
Loki-formiga começou, então, a escalar a gigantesca porta, enquanto flocos de neve
do tamanho de nuvens passavam raspando sobre ele. Se formigas suam, esta estava
inteiramente encharcada quando alcançou a entrada. O buraco, agora, se tornara bem
espaçoso e ela pôde penetrar tranqüilamente por ele.
- Droga, mas continua escuro!... - disse Loki, tateando dentro da fechadura, que era
um emaranhado de curvas e voltas, por onde a chave devia se encaixar. Apesar de tudo,
finalmente conseguiu alcançar o outro lado, quando, então, readquiriu a sua forma
habitual. Seu corpo estava coberto de graxa, mas conseguira o seu objetivo: invadir o até
então inexpugnável palácio de Freya.
Após atravessar os salões de Sessrymnir, Loki subiu até ao quarto da deusa. A porta
estava fechada, porém, não trancada. Ele a empurrou e se deparou com uma peça
grande e confortável, onde todo o luxo que poderia assistir uma deusa, estava à sua
disposição: quatro toucadores de ouro repletos de objetos e acessórios de
embelezamento; uma grande lareira, onde um resto de fogo ainda ardia, iluminando
aquele cenário de sonho; e cortinas vaporosas, que se moviam, suavemente, impelidas
por uma suavíssima corrente de ar. E, finalmente, ao centro, estava o majestoso leito
onde a deusa descansava e tratava de seus aprazíveis negócios.
Entretanto, nenhum destes adornos e enfeites podia se igualar à beleza
maravilhosamente franca e natural de Freya adormecida: apesar de todo o frio, o calor da
lareira havia esquentado o quarto a tal ponto que a deusa havia afastado o pesado
cobertor - feito da pele alvíssima de um urso polar -, deixando à mostra o desenho
perfeito do seu corpo, que estava protegido apenas por uma veste tão delicada e
transparente, que parecia tecida da mais fina das teias de aranha.
Loki desviou imediatamente o olhar daquele corpo maravilhoso e tratou logo de
procurar o colar. Mas percebeu que esta seria uma tarefa mais ao alcance do cérebro do
que do mero esforço físico.
"Onde Freya guardaria seu bem mais precioso?", perguntava-se o astuto deus,
investigando silenciosamente o interior dos armários, mas sabendo de antemão que
dificilmente o encontraria ali. Então, quando revirava pela milésima vez os seus estojos,
teve uma súbita iluminação: "Seu bem mais precioso há de estar no lugar mais precioso
deste quarto!", pensou, aplaudindo-se por dentro.
Imediatamente Loki voltou-se para o bem mais precioso que havia dentro daquelas
quatro paredes: o próprio corpo de Freya. Pé ante pé, aproximou-se do leito, somente
para ter a confirmação do que já imaginava: em cima de seu divino colo subia e descia
mansamente, ao sabor da sua respiração, o maravilhoso adorno.
- Aí está o querido! - disse ele, bem baixinho, sem poder conter a euforia.
Tal como uma criança que adquiriu um brinquedo novo desesperadamente ansiado,
a deusa resolvera dormir com seu novo colar. Só havia, contudo, um pequeno problema:
ela estava deitada de barriga para cima e o fecho do colar estava localizado em suas
adoráveis costas.
Loki aguardou alguns instantes para ver se se ela virava ao menos de lado para lhe
possibilitar o furto, mas a deusa raramente se mexia e, quando o fazia, parecia hesitar,
como se uma voz interior lhe advertisse do perigo, tal como faz a menina que dorme
abraçada à sua boneca nova e invejada sem dela jamais despegar-se. Novamente Loki
teve de empregar toda a sua astúcia, transformando-se, desta vez, em uma pequenina
pulga. E tudo teria saído bem se, em um novo erro de cálculo, não tivesse ido cair dentro
do cobertor felpudo.
Loki permaneceu ali por um longo tempo, tentando desvencilhar-se dos fiapos do
pêlo, o qual era tão espesso, que mais parecia uma alva e inextricável selva. Mas
conseguiu, afinal, e tão logo se viu livre do labirinto de algodão, postou-se em cima da
coxa direita de Freya. Uma minúscula penugem dourada (que somente uma pulga poderia
perceber) a cobria, e foi nesta perfumada e roliça elevação que ele recomeçou seu trajeto
até chegar a seu objetivo, que era o colar. Foi subindo, subindo, subindo até que, tendo
recém costeado uma pequena floresta dourada, distraiu-se - naturalmente encantado por
aquela visão - e foi cair numa minúscula caverna.
- Essa não! - exclamou o pequeno Loki-pulga. - Onde estou?
Mas, embora não deixasse de ser mais um contratempo, aquela caverninha não
deixava, afinal, de ser um local aconchegante. Além do mais, Loki não precisou, senão,
dar um pequeno salto para se ver livre dela e descobrir que estivera o tempo todo no
umbigo da deusa, privilégio extravagante, que nem mesmo o mais poderoso dos deuses
um dia alcançara.
- Adiante! - disse a pulga, sempre saltitando.
De pulo em pulo, foi progredindo até que se deparou com duas belas e simétricas
montanhas. Um pouco mais atilado, desta vez, preferiu seguir pelo desfiladeiro que havia
bem no centro dos dois picos majestosos. Percorreu o delicioso trajeto sem qualquer
problema até alcançar, finalmente, o próprio colar, que estava um pouco abaixo do alvo
pescoço. Chegara, agora, o momento de pôr em prática a última parte do plano.
- Desculpe, Freya adorável, mas agora vou machucá-la um pouquinho! -disse o Lokipulga,
dando uma valente mordida no colo da deusa.
Freya levou instintivamente a mão até o seio ferido e deu um ligeiro suspiro, virandose
de lado - e isto era tudo o que Loki queria. Por isso, readquiriu logo a sua forma
original e depois de ter desapertado o fecho, tomou, finalmente, em suas mãos o
Brisingamen, o famoso colar de Freya.
No mesmo instante o ladrão desapareceu do palácio, vaidoso do seu triunfo.

***

Loki já ia longe, quando percebeu que estava sendo perseguido.
- Raios! - disse ele, apertando o passo de seus alados sapatos. - É aquele maldito
intrometido do Heimdall!
Loki referia-se ao famoso vigia de Asgard, que, com seus olhos agudos e
penetrantes, era capaz de enxergar tudo quanto se passava no universo, mesmo nas
maiores distâncias; havia uma rixa permanente entre estas duas divindades e qualquer
pretexto era o bastante para que ambos se engalfinhassem. Heimdall, então, ao ver que
Loki apertara o passo, esporeou com mais vigor o seu cavalo branco, que em matéria de
velocidade somente perdia para Sleipnir, o cavalo de oito patas de Odin e o mais veloz do
universo.
Quando Heimdall estava a um passo de alcançá-lo, Loki resolveu recorrer ã sua
habitual arte da transmutação o se transformou numa grande chama.
- Quero ver pegar-me, agora, intrometido! - disse ele, cuspindo labaredas para todos
os lados.
Mas Heimdall também conhecia os segredos desta antiga arte e se transformou
numa imensa nuvem cinza e tempestuosa. O céu inteiro recobriu-se de escuridão e, num
piscar de olhos, começou a desabar uma chuva torrencial, que um vento selvagem
lançava para cima da fogueira infernal na qual Loki havia se convertido. Mas este,
pressentindo a derrota, tornou-se imediatamente um possante urso polar.
- Oh, vem com água, então? Pois seja! - disse o urso, abrindo sua bocarra repleta de
dentes amarelos. - Afinal, este calor me deu uma sede infernal!
Heimdall resolveu, então, contra-atacar com as mesmas armas do inimigo:
imediatamente transformou-se em outro urso ainda maior, e partiu para cima de Loki. Este
tratou de se esconder nuns rochedos escarpados que havia por perto, metamorfoseandose
rapidamente numa foca. Heimdall também se transformou em outra e, deste modo,
começou uma verdadeira perseguição pelos rochedos até que a foca Loki arremessou-se
para dentro da água gelada, levando atrás a foca inimiga, que estava disposta a segui-lo
até as tétricas moradas de Hei, a deusa infernal. Deste modo, percorreram os mares
gelados e cinzentos de toda a costa nórdica: Loki ia adiante, contornando velozmente os
icebergs que surgiam pela frente, enquanto Heimdall seguia ziguezagueando no seu
encalço, infatigável.
- Desista, tratante, e devolva já o colar! - gritava a foca perseguidora, enquanto a
foca perseguida exclamava, irada: - Largue da minha cauda, intrometido, e volte para o
seu portão antes que seja demitido por deixá-lo desprotegido!
A lembrança de suas funções de guardião da ponte Bifrost, que conduzia a Asgard,
no entanto, só serviu para dar mais agilidade a Heimdall, que redobrou a velocidade a tal
ponto, que Loki se viu obrigado a subir para a terra firme, onde, sob um gigantesco
iceberg, travou-se uma luta severa entre os dois contendores - ainda sob a forma de
focas. Mas como Heimdall fosse mais forte, Loki duramente golpeado, acabou por se
render e entregar o colar ao guardião.
- Que isto lhe sirva de lição! - disse Heimdall, pronto para retornar ao palácio de
Freya a fim de lhe devolver o colar e retomar o mais rapidamente possível as suas
funções à porta principal de Asgard.
- Nós nos vemos, novamente, na Ragnarok...! - disse Loki de olho roxo, referindo-se
ao grande combate final, que oporia os deuses aos seus inimigos.
E assim Freya recuperou o seu belo presente, não sem antes ter tido que dar
algumas explicaçõezinhas a Odin, o seu eterno amante, a respeito da maneira pouco
ortodoxa pela qual o havia obtido - mas nada que não tirasse de letra; afinal, diante de
sua astúcia, nada valiam os estratagemas de Loki e muito menos as rabugices do "deus
caolho", como chamava Odin nos seus momentos de ira.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 10:59 pm

A aposta de Loki



Sif era a encantadora esposa de Thor, embora este não fosse o seu primeiro
marido; antes, ela já fora casada com um gigante anônimo, cujo nome se perdeu na noite
dos tempos. Sif era dona de muitos encantos, mas, de todos eles, nenhum impressionava
mais do que a sua dourada cabeleira. De fato, descendo do alto como uma ondulante
cascata de ouro, os fios resplandecentes percorriam os vales, montanhas e planícies do
seu corpo inteiro até alcançar-lhe os pés num desaguar majestoso.
Certa manhã, entretanto, a deusa acordou, sentindo uma ausência inquietante em
sua cabeça. Suas próprias idéias pareciam ter se evaporado, pois não conseguia
perceber o que a afligia. Então, após ter-se erguido, levou, instintivamente, as mãos à sua
cabeleira para jogá-la para trás. Mas seus dedos encontraram apenas o vazio, deslizando
por uma superfície inteiramente lisa, sensação inédita que ela não soube interpretar
direito.
- Mas, o que é isto? - disse, horrorizada, ao tomar rapidamente um espelho.
- Oh, não!... Onde estão os meus lindos cabelos?!
Um grito de terror atroou o palácio de Thor, que, até então, não havia percebido
nada, uma vez que ainda dormia profundamente. Acordado, entretanto, pelo grito da
esposa, abriu os olhos e se deparou com uma estranha dentro do seu próprio quarto.
- Quem é você, bruxa careca? - disse ele, como se ainda estivesse imerso em seus
pesadelos. - Desapareça já da minha frente!...
Thor já ia dar um tremendo murro naquela diaba calva, quando percebeu que se
tratava de sua pobre esposa.
- S-s-sif... é você? - perguntou o deus, sem crer no que seus olhos viam.
- Não, não sou eu...! -exclamou a pobre, com o rosto lavado em lágrimas. - Como
posso ser Sif, sem meu maior atributo?! Como posso ser Sif, sem minha querida
cabeleira? Oh, Thor querido, ajude-me, por favor!
O deus do trovão não precisou pensar muito para entender que o dedo de Loki
estava metido naquilo. Loki era um ser insaciável em armar confusões para os deuses de
Asgard e, sempre que podia, não perdia uma oportunidade de prejudicá-los.
- Vou procurar aquele pilantra! - disse o deus, tomando a sua carruagem.
Dali a instantes trouxe de arrasto o perverso Loki, que pelo aspecto maltratado
parecia já ter recebido, por antecipação, uma boa dose do castigo.
- O maldito canalha já confessou! - disse Thor à chorosa Sif, que não tinha nem
forças para odiar o seu algoz.
Depois de dar mais alguns safanões no desgraçado, Thor arrancou dele a promessa
de que iria arranjar, fosse onde fosse, uma nova cabeleira para sua esposa.
- Uma de verdade, já sabe! - disse o deus, brandindo, ameaçadoramente, o seu
cabeludo punho na cara de Loki. - Se me aparecer com uma peruca, vou arrancar todos
os pêlos do seu corpo, entendeu bem? Todos!...
Quem poderia confeccionar uma cabeleira nova, tão bela e dourada quanto a da
deusa e que crescesse naturalmente como aquela? Somente os anões, c claro, os
artífices mais talentosos do universo poderiam ser capazes desta tarefa, pensou Loki,
partindo imediatamente para Svartalfheim, o reino dos anões.
Depois de fazer uma rápida viagem, chegou finalmente à forja de Dvalin, um mestre
artífice, e lhe encomendou a cabeleira, dizendo que o pedido era feito em nome de Thor e
que uma chuva de recompensas desabaria sobre a sua cabeça caso conseguisse, ao
menos, igualar a magnífica obra da natureza.
- Está bem, verei o que posso fazer - disse o anão, pondo logo mãos à obra.
Normalmente os anões precisam recorrer apenas à sua própria arte para
confeccionar as suas maravilhas; mas há casos bem mais difíceis, diante dos quais têm
de buscar auxílio também na magia. Por isto, Dvalin não hesitou em recorrer ao feitiço
das runas, de tal forma que, dentro de pouco tempo, tinha em suas mãos, absolutamente
perfeita, uma nova cabeleira. Os fios escorriam de seus dedos como raios sedosos de sol
e o feito provocou tamanho espanto e admiração cm seus colegas anões que ele se
empolgou e resolveu fazer mais algumas maravilhas, enquanto Loki não retornava.
De suas mãos mágicas e operosas surgiram ainda Skidbladnir - um navio mágico,
que tinha o dom de navegar até o seu destino sob qualquer tempo e ainda o de ser
portátil, podendo ser dobrado e colocado no bolso tão logo terminasse a viagem - e a
lança Gungnir, que mais tarde viria a ser o principal atributo de Odin, o mais poderoso dos
deuses.
Quando Loki retornou para pegar a cabeleira de Sif, ficou espantado diante de
tamanha perfeição. E, como se isto não bastasse, ainda levou de quebra o navio e a
lança, para fazer uma média com Odin, que já andava farto de suas trapaças. O deus
apoderou-se logo da lança, deixando o navio mágico para o deus Freyr, irmão de Freya, a
deusa do amor.
O sucesso foi tão grande que Loki, empolgado pelo triunfo, resolveu fazer com os
anões a única coisa que sabia realmente fazer: passar-lhes a perna. Procurou, então,
outros dois, chamados Brock e Sindri.
- Bom dia, meus amigos! - disse ele, chegando à forja deles.
Os dois mal e mal responderam, ocupados que estavam com seu trabalho.
Loki comentou acerca dos três trabalhos que seu colega Dvalin havia feito, tentando
levar a inveja a seus corações.
- Nada de mais perfeito, tenho absoluta certeza, poderá sair das mãos de qualquer
anão em qualquer tempo! - disse o intrigante, com um sorriso confiante.
Brock e Sindri tentaram manter-se impassíveis diante da provocação; afinal, ainda
havia muito trabalho a ser feito para que fossem se meter com outras encomendas:
bastava observar o metal acumulado no chão e as lanças e espadas, que ainda estavam
quentes dos golpes da forja e do martelo. Mas Loki era incansável e jamais desistia de um
pilhéria depois de havê-la começado.
- Eu seria capaz até de apostar a minha própria cabeça como anão algum jamais
será capaz de superar os trabalhos de Dvalin, o mestre inigualável! - disse Loki, que desta
vez cometera a imprudência de, no arroubo, exagerar na bazófia.
- Trato feito! - disse Brock, decidido a ver a cabeça de Loki rolando no pó.
Sindri pensou o mesmo, admitindo que valia a pena um esforço extra para se ver
livre para sempre daquela criatura irritante. - Vamos, Brock, jogue mais lenha nesta forja! -
disse ele, expulsando o intruso da caverna.
Imediatamente, começaram a trabalhar no primeiro objeto, pois sabiam que teriam
de fazer algo realmente impressionante. Sindri começou a murmurar alguns
encantamentos rúnicos, enquanto seu irmão, Brock, suava na forja.
O trabalho já ia adiantado quando uma mosca entrou por uma fresta e se pôs a
sobrevoar o anão. Sem dar por isto, Brock continuou o seu trabalho até que a mosca
pousou sobre a sua mão e lhe deu uma dolorida picada.
- Ai! - disse o anão, dando um grande berro. Mas decidido a não permitir que aquele
pequenino incidente atrapalhasse a feitura da sua obra, continuou a malhar, sem retirar
por um único instante a sua mão do trabalho. Tanto esforço e dedicação foram, afinal,
recompensados: algumas horas depois, a obra estava terminada.
- Sindri, veja que maravilha! - gritou o irmão, retirando da forja um maravilhoso javali
de cerdas de ouro.
Era Gullinbursti, o grande javali voador, que viria a ser a montaria predileta do deus
Freyr. Os dois anões congratulavam-se, satisfeitos, enquanto Loki, pousado sobre o teto,
observava, angustiado, aquela verdadeira maravilha que era o javali.
- Vamos produzir outro prodígio, pois um só, certamente, será insuficiente para que
vençamos a competição! - disse Sindri a Brock.
Ambos correram, outra vez, para a forja e recomeçaram o seu trabalho. Sindri voltou
a entoar as suas runas mágicas, enquanto as barbas de Brock quase chamuscavam na
forja, tal o ímpeto em produzir uma nova obra-prima. Visto de costas, podia-se mesmo
observar que um ligeiro vapor subia dele, o que não passava de seu suor, que ao lhe
escorrer do rosto evaporava, no mesmo instante, por força do calor das chamas. Loki,
amedrontado com o que pudesse surgir, desta vez, mergulhou em novo ataque.
- Ai! - exclamou o anão Brock, sem, no entanto, levar a mão à bochecha, local que a
mosca escolhera para enterrar o seu ferrão.
Novamente, sua dedicação foi recompensada: dali a instantes, Brock retirou da forja,
sob o olhar maravilhado de Sindri, um esplendoroso anel.
- Eis Draupnir, o mais precioso de todos os anéis! - disse o anão, orgulhoso de sua
obra. - Será tão perfeito que dele brotarão, a cada nove noites, outros oito anéis tão
perfeitos quanto ele!
Este maravilhoso anel acabaria sendo de propriedade de Odin e era tão belo que
Loki teve a certeza de que agora tudo estava perdido. Mesmo assim, teve que escutar
com indizível terror a voz fanhosa do anão Sindri dizer outra vez:
- Acho que ainda há tempo de fazer mais uma maravilha antes que aquele fanfarrão
idiota retorne; o que você acha, Brock?
O anão concordou imediatamente e ambos se puseram, mais uma vez, a serviço do
seu talento e da magia das runas. Antes, porém, Brock esteve a pensar um pouco sobre o
que fariam desta vez.
- Terá de ser algo espetacular! - disse ele, puxando com as duas mãos suas longas
barbas, que se desprendiam aos punhados, chamuscadas que já estavam. - Temos de
terminar este dia proveitoso com um fecho de ouro!
- Fecho de ouro? - perguntou Sindri, com uma luz de euforia no olhar. - E, por que
não, um martelo de ouro?
Não foi preciso mais nada para que o outro anão arrojasse para longe as suas
vestes, ficando quase nu diante da forja, pois queria ter inteira liberdade em seus
movimentos.
- Vamos a ele! - esbravejou Brock, enquanto Sindri recomeçava a taramelar as suas
runas encantatórias.
A noite já caía sobre Svartalfheim. O anão, quase montado sobre o imenso fole,
espertava as chamas com tanta gana, que, ao longe, dava a impressão que a gruta, onde
ambos viviam, estava tomada por um terrível incêndio, ou que, lá dentro, estivesse a rugir
uma tempestade com relâmpagos e trovões incessantes.
A mosca Loki, quase assada pelo calor infernal que reinava naquele lugar, decidiu,
entretanto, tentar uma última investida.
- Desta vez, vou picar para valer! - anunciou o endiabrado deus, lançando-se do alto
como uma águia de quatro patas.
A mosca veio zunindo e empinando o seu ferrão, como se fosse uma lança, até
cravá-la com toda a força sobre a pálpebra do anão.
- Aaaiiii! - fez o anão e, desta vez, não só deu um grito tremendo como também
levou uma das mãos ao olho ferido, pois o sangue que escorria da ferida perturbava-lhe a
visão. Mas, logo em seguida, retomou o seu ofício com o mesmo ardor.
- Aqui está, Sindri! - disse ele, retirando da forja um martelo de ouro, que refulgiu
como um pequeno sol, iluminando a caverna inteira.
O outro anão correu até ele e se pôs também a admirar a preciosidade. Apenas lhe
pareceu, contudo, que Brock falhara ao confeccionar o cabo, que ficou um pouco curto
demais. Mas, nada obstante, aplaudiu, entusiasticamente, este novo feito da arte e da
magia conjugadas.
- Aqui, está o martelo Miollnir! - disse o anão Brock, regozijando-se. -Que outra arma
melhor poderia caber a Thor para defender Asgard inteira do ataque dos gigantes? -
perguntou, sabendo que aquele deus não pensaria duas vezes antes de se apropriar
daquela magnífica arma e adorno.
De posse de seus objetos, Brock e Sindri partiram, na mesma hora, para levar os
presentes até a morada dos deuses. Ao chegar lá, encontraram Dvalin, o outro anão
artífice, que também trouxera seus presentes. Uma comissão julgadora foi formada para
analisar quais seriam os presentes mais valiosos, composta pelos deuses Odin, Thor e
Freyr.
Depois de avaliar todas as obras e de as elogiar com muita ênfase, Odin ficou
encarregado de proclamar o veredicto:
- São todos magníficos presentes - disse o velho deus, assumindo a postura de
árbitro supremo, que tanto adorava -, mas, como se trata de uma disputa, e disputas
pedem um vencedor, elejo os irmãos Brock e Sindri como os melhores!
Os dois anões pularam de alegria, sendo abraçados pelo concorrente, que admitira
elegantemente a derrota. Logo em seguida, Brock puxou da bainha de sua cintura uma
espada - a mais afiada de quantas pôde produzir em sua forja -e a entregou a Thor.
- Cumpra-se agora a aposta! - disse ele, olhando de esguelha para Loki, que estava
branco feito a neve.
Thor tomou a espada com gosto e já ia arrancar fora a cabeça do desafortunado
deus, quando este, caindo de joelhos, resmungou um último argumento, que estivera
compondo, enquanto os outros se divertiam com o julgamento:
- Perdão, deuses poderosos, mas isto não pode ser assim! - disse ele, pondo toda a
convicção em sua voz. - É verdade que devo a minha cabeça aos cruéis anões; mas não
o meu pescoço!
Ninguém pareceu compreender direito.
- O que está dizendo, tratante miserável? - disse Thor, abaixando a espada.
- Sim, pensem comigo - implorou Loki, de joelhos -: Os anões têm todo o direito a
cortar fora a minha cabeça, desde que isto não provoque danos ao meu pescoço, uma
vez que ele não faz parte da aposta!
Uma gritaria ergueu-se na assistência - pois havia um grande público ao redor,
disposto a ver rolar a cabeça do nefando deus - e estiveram todos a debater o argumento
de Loki, até que Odin, árbitro supremo, viu-se obrigado a dar razão a ele.
- Está bem, você tem razão - disse ele ao réu, meio contra à vontade. - Mas como
uma aposta é uma aposta - e vocês todos sabem o quanto nós, os nórdicos, apreciamos
uma bela jogatina -, decido que os anões escolham uma outra punição no perdedor, sem
que, no entanto, lhe tirem a vida.
Loki deu um grande suspiro de alívio e foi beijar, de maneira subalterna, a mão de
Odin - claro, escondendo, ao mesmo tempo, um pérfido sorriso em seus lábios -,
enquanto os anões confabulavam entre si para encontrar um castigo digno daquele patife.
- Já que ele nos engambelou pela boca, que sua punição recaia também sobre ela -
disse Brock, sendo apoiado, imediatamente, pelo irmão.
- Queremos que este linguarudo tenha a sua boca costurada! - disse Brock, com um
sorriso de escárnio.
Imediatamente o pobre Loki foi agarrado e Sindri costurou os lábios do perverso
deus, que urrava de dor pelo nariz - uma verdadeira tortura! Tão logo concluiu-se a
punição, Loki saiu correndo com as mãos postas à boca ensangüentada, arrancando um
a um os fios de cobre que uniam os seus maltratados lábios. E, durante muito tempo, um
cavanhaque de sangue enfeitou o seu pobre rosto, pois as feridas profundas custariam
ainda muito a sarar.
De toda esta brincadeira, resultou, afinal, que os deuses ganharam alguns
brinquedinhos novos para se divertir, enquanto Loki, com uma ferida nova e inestancável
na alma, tornara-se ainda mais pérfido, decidido, cada vez mais, a planejar a ruína
definitiva dos deuses - e, sem saber, a sua própria.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 11:02 pm

Odin na corte do Rei Geirrod



Havia, outrora, dois irmãos, filhos do rei Hrauding. O mais velho chamava-se
Agnar e tinha dez anos de idade, enquanto o outro tinha oito anos e se chamava Geirrod.
Certa feita, ambos haviam saído para pescar, com a autorização do pai, mas como o
vento estivesse muito forte, acabaram por se perder e sua embarcação foi parar numa
distante ilha.
- E agora, Agnar? - disse o frágil Geirrod, tentando manter a embarcação acima das
águas junto com o irmão.
Mas todos os seus esforços resultaram inúteis: depois de dois ou três arremessos
mais violentos, a frágil embarcação desfez-se nos penedos que recortavam a ilha. Agnar
e Geirrod puderam dar-se por muito felizes por ter escapado com vida do terrível
naufrágio.
Nem bem chegaram às areias da praia, mais mortos do que vivos, foram recolhidos
por um pescador e sua mulher. Como o inverno recém tivesse começado - e fosse,
conseqüentemente, época de muitos temporais, o que lhes impossibilitava o retorno à sua
pátria -, Agnar e Geirrod viram-se obrigados a permanecer na ilha na companhia do casal.
O pescador e sua mulher mostraram-se muito amáveis com os dois jovens, mas,
desde logo, ficou claro que ele tinha uma especial predileção por Geirrod, enquanto ela
não disfarçava uma maior afeição por Agnar. Embora isto, viveram Iodos em paz e
harmonia durante todo o período em que permaneceram na ilha até que a primavera deu
os seus primeiros sinais.
- Agnar, meu irmão - disse o caçula Geirrod -, acho que chegou a época de voltar
para a casa de nosso pai.
- Estou de acordo - respondeu o outro. - Vamos pedir aos nossos protetores que nos
ajudem a construir uma nova embarcação.
E assim se fez. O pescador e sua esposa não se furtaram a ajudá-los, embora
sentissem um aperto no coração por ter que se separar, tão cedo, daqueles dois jovens,
que já lhes pareciam, de certa maneira, seus próprios filhos.
Agnar e Geirrod partiram, afinal, num belo dia de sol. Antes de embarcar, foram se
despedir dos seus benfeitores e o pescador aproveitou para murmurar algo ao ouvido de
Geirrod. Uma vez embarcados, tomaram com segurança o rumo de casa, enquanto que
Odin e Frigga - pois não eram outros o pescador e sua mulher, senão, as duas principais
divindades nórdicas, que ali estavam a passeio - começaram a debater entre si sobre qual
dos irmãos seria o mais justo e correto.
- Não resta a menor dúvida que Agnar tem o coração mais puro - disse Frigga,
convicta de suas palavras. - Somente a sua obtusa teimosia poderia levá-lo a pensar o
contrário.
- Asneiras! - disse Odin, abanando a cabeça com desdém. - Qualquer idiota pode
ver, perfeitamente, que o jovem Geirrod é, infinitamente, melhor que o irmão.
E a esta discussão entregaram-se com tanto gosto, que, em breve, já estavam a um
passo de se engalfinhar. Odin decidiu, então, retornar para Asgard antes que o tempo
fechasse de uma vez.
Mas lá foi pior, pois Frigga, que se julgava uma deusa muito virtuosa - e por isto
mesmo muito rabugenta - retomou a discussão no ponto em que parará.
- Agnar é que é o tal! - corneteava ela o dia inteiro no ouvido do marido, que se fazia
de desentendido. - Geirrod não é de nada! Viva Agnar! Viva Agnar!
Não restava dúvida alguma de que ela queria uma boa briga: em casa, no conforto
do lar, enxergando todos os seus objetos e conhecendo o ambiente com a palma da mão,
Frigga estava em seu território. Odin não tardou a perder a paciência e saiu em defesa de
Geirrod e nesta chateação ficaram os dois por muito tempo, atazanando a paciência dos
demais deuses com os gritos da luta conjugai.
Enquanto isto, em alto-mar, e já perto da costa onde ficava seu reino, os dois irmãos
não viam a hora de desembarcar.
- Finalmente, caro Geirrod, estamos quase em casa! - gritava Agnar, sem conter a
euforia.
Geirrod, no entanto, tinha o olhar voltado para a praia. Seus olhos vasculhavam a
costa inteira para se certificar de que ninguém os enxergava.
- O que houve? - disse Agnar, intrigado com o mutismo do irmão.
- Nada, nada... - disse o outro, procurando disfarçar. - Estou tentando avistar algum
conhecido na beira da praia.
O barco aproximou-se da costa. Geirrod pediu, então, que Agnar fosse buscar algo
no fundo da embarcação e, tão logo este lhe deu as costas, golpeou-o com um pesado
bastão.
- Pronto, agora fique quietinho aí!... - disse ele, com um sorriso perverso.
Tomando do remo, ele aproximou a embarcação da praia, desembarcou num pulo e
devolveu às águas o barco, o qual, engolfado rapidamente numa corrente marinha, foi
levado para bem longe do reino. Geirrod tinha certeza que o irmão pereceria de fome e
sede antes de chegar a qualquer lugar habitado.
- Adeus, importuno! - disse Geirrod, abanando para a embarcação. - A partir de
agora, o herdeiro da coroa passa a ser eu!
Geirrod apresentou-se no mesmo dia diante do pai, o velho e quase decrépito rei
Hrauding, e lhe contou a história à sua maneira, repetindo-a tal como ocorrera, mudando
apenas o final.
- Oh, papai...! - disse ele, engasgando fingidamente. - Não sei como lhe diga...! O
seu adorado Agnar morreu em alto-mar e nossos olhos nunca mais o avistarão!
O adorado Agnar, entretanto, fora parar muitos dias depois, com as roupas em tiras
e virado em um esqueleto semi-morto, numa ilha habitada por gigantes, onde ficaria ainda
por muitos anos até se restabelecer da ferida provocada pelo traiçoeiro golpe, bem como
das seqüelas da inanição.
Mas tudo isto deveria servir, pelo menos, para resolver, de uma vez, a pendenga em
Asgard: o canalha era mesmo Geirrod.
***
Infelizmente, não serviu: a partir daí mesmo é que a discussão pegou fogo na
morada dos deuses. Odin, sem querer dar o braço a torcer - mesmo após o ato
abominável perpetrado pelo seu favorito -, teimava, como um pai cego pelo amor, em
declarar o perverso Geirrod melhor que o irmão Frigga, a seu turno, possuída pela ira e
repleta de argumentos, investia contra o esposo como uma valquíria enfurecida.
- Vai teimar ainda, depois de tudo o que seu queridinho fez? - disse ela, com as
mãos na cintura. - Então, ficou cego dos dois olhos de uma vez...!
- Geirrod é que é o tal - só dizia o deus, sem encontrar outro argumento.
Os anos passaram e Odin resolveu recorrer ao deboche, uma vez que Frigga não
cessava de tripudiá-lo. Um dia, então, estando sentado em seu trono mágico, de onde
podia avistar tudo o que se passava em qualquer parte do universo, chamou sua irritante
esposa.
- Está vendo os dois? - disse ele, com uma indisfarçada nota de presunção na voz. -
Geirrod é, hoje, um rei em seu país; já seu protegido não passa do afilhadinho efeminado
de uma giganta qualquer numa ilha perdida no fim do mundo!
Não adiantava Frigga retorquir que Geirrod era um patife e que adquirira sua posição
à custa de um odioso crime: ela bem sabia que um passado vil se dilui, facilmente, diante
de um presente magnífico. Geirrod era agora um rei inconteste, sólido em seu trono, tal
como Odin no seu - e, para a ralé mundana, era isto o que contava.
Então Frigga, cuja virtude neurastênica a tornava extremamente hábil na invenção
de tormentos e castigos, decidiu fazer com que seu obtuso esposo provasse um pouco da
perversidade de seu protegido. "Infelizmente, somente desta maneira dolorosa meu pobre
esposo chegará a reconhecer a verdade...!", pensou Frigga, sentindo-se tão nobre e
piedosa que chegou a converter a pena fingida que sentia por seu marido numa pena
sincera por si mesma.
- Seu queridinho é tão mesquinho e egoísta - disse Frigga - que tem o péssimo
hábito de torturar os próprios hóspedes, desde que não lhe caiam no agrado!
Odin enfureceu-se de verdade desta vez.
- Oh, mulher vil e caluniosa...! - disse Odin, expelindo, involuntariamente, alguns
perdigotos divinos pela boca. - De onde tirou tal disparate?
- Todos sabem disto naquela corte infame! - retrucou Frigga, triunfante. - Só você, o
grande patusco, é que desconhece o fato!
Odin fez, então, o que sua esposa já esperava que fizesse: prontificou-se a ir até a
corte do seu protegido para provar que aquilo era uma calúnia baixa.
- Desta vez, você desceu demais e eu vou lhe provar isto!... - disse o deus,
erguendo-se num ímpeto e indo logo buscar na estrebaria o seu magnífico cavalo, Sleipnir
- aquele de oito patas, que era o mais veloz do universo e tudo o mais.
- Espere, leve, ao menos, um agasalho para não apanhar um resfriado na viagem -
disse Frigga, demonstrando um súbito resquício de afeto, que chegou a embaraçar, por
alguns instantes, o seu irado esposo. Enquanto Frigga esteve ausente - um bom tempo -,
Odin chegou mesmo a sentir por ela um resquício de ternura.
"Ora, gostei disto...!", pensou ele, com uma certa umidade no olhar. "Ela ainda
preocupa-se comigo, afinal!" E chegou a dar graças a si mesmo por não lê-la chamado de
Frigga frígida, ofensa medonha que só usava em último caso, por saber que nada a
deixava mais enlouquecida.
Dali a muito tempo, ela retornou com a pele de urso predileta de Odin, dizendo:
- Pronto, vá lá e veja você mesmo com quem está lidando!
***
Odin chegou à noite à corte de Geirrod, incógnito, sob o nome falso de (irimnir.
- Deixem-me passar, lacaios! - disse ele, ao chegar ao portão do palácio tio novo rei,
pois não fazia muito tempo que o velho havia morrido e o tratante assumido o seu lugar.
O que ele não sabia, no entanto, é que Frigga havia ordenado a um de seus mensageiros
que fosse na frente levar um recado ao perverso rei (daí a demora em lhe trazer a pele de
urso). Este recado dizia simplesmente:
"Magnífico rei: um canalha e traidor da pior espécie, que atende
pelo nome de Grimnir, aproxima-se de sua morada para lhe trazer a
desgraça e o infortúnio; se ainda quiser ter o pescoço em cima dos
ombros no alvorecer do próximo dia, trate logo de aprisioná-lo e metêlo
nos tormentos, assim que ele ousar pôr os pés no mesmo chão que
seus divinos pés abençoam. "
Ass.: "Uma Amiga."
Odin foi recebido de maneira um tanto desleixada pelo rei, o qual estava mais deitado
do que sentado em seu trono ordinário (pois aquele reino era, na verdade, bem miserável,
comparado a outras cortes, infinitamente, mais ricas e brilhantes).
Um serviçal vil e careca, que parecia se regozijar, imensamente, com sua
subalternidade, acabara de ler ao tirano o conteúdo do bilhete. As palavras sussurradas
pelo verme calvo pareciam ter-lhe deliciado ao extremo, pois, logo em seguida, as duas
tiras secas dos seus lábios se arreganharam num sorriso torpe.
- Ah! É você, então, o ilustre estrangeiro! - disse ele, escorregando mais um pouco
no seu troninho de pau, pintado com uma casquinha de ouro tão fina que a unha poderia
descascá-la.
Odin olhou para o alto, pois sabia que de algum lugar sua esposa o observava.
"Ilustre estrangeiro...!", pensou ele, com a vitória na mão. "Aí está, linguaruda",
acrescentou, esquecendo o fiapo de ternura e assumindo, outra vez, a postura cruel do
vencedor.
O estrondo de um escudo que caíra ao se desprender de uma das paredes
encardidas, entretanto, atroou todo o recinto, dissolvendo o seu pequenino triunfo.
- Oh, o escudo magnífico de meu bisavô! - exclamou Geirrod, irado. -Quem foi o
imbecil que o deixou cair?
Fora o Tempo, o imbecil que deixara o velho escudo cair, mas já outro imbecil - o
lacaio da cabeça pelada - arremessara-se a ele sem perder um segundo.
- Aqui está, realíssima alteza!... - disse o serviçal, cuja careca estava es-carlate pela
expectativa de uma recompensazinha.
- Idiota! - exclamou o tirano. - Deixou que ele amassasse!
De fato, o escudo maravilhoso - o melhor e mais rico objeto do palácio inteiro -
depois da queda, virará uma bacia velha e amassada. Na verdade, o metal do qual fora
feito era tão ordinário que o ferrão de uma abelha poderia atravessá-lo de lado a lado.
Mas logo as atenções estavam voltadas, novamente, para o visitante.
- O seu nome...! - disse Geirrod a Odin, com secura na voz. - As coisas começavam
a dar para trás e isto era o bastante para ele mandar às favas o verniz que recobria, mal e
porcamente, a sua péssima educação.
- Grimnir é meu nome! - disse Odin, com altivez.
- Levem-no imediatamente! - bradou o rei. - E já sabem para onde!
Por que Geirrod usara daquele tom?, pensava Odin, desconfiando um pouco da
fidalguia do seu anfitrião. Mas, quando os guardas agarraram-no pelos braços e o
levaram de arrasto para dentro do palácio, Odin ficou mais branco que um coelho
enterrado na neve. O deus foi lançado na mais fétida das masmorras, e ali esteve
trancafiado a noite inteira até que, ao alvorecer, dois guardas vieram e o levaram, coberto
de algemas e correntes até a presença do rei.
Quando chegou ao salão, viu que havia duas fogueiras armadas.
- Coloquem-no entre as duas fogueiras! - disse o rei, que estava com uma perna por
cima da guarda do trono, como quem estivesse prestes a assistir a um espetáculo muito
divertido. - Agora você ficará aí nos próximos oito dias, até confessar quais são seus
nefandos propósitos!
Odin estava envolto num manto escuro de propriedades mágicas e, graças a ele,
pôde suportar os primeiros dias daquela bárbara prova, o que lhe deu ânimo para inventar
desculpas para o comportamento monstruoso de seu anfitrião.
- Afinal, está um frio dos diabos, mesmo!... - disse, mais para que sua esposa Frigga
escutasse do que para si mesmo.
Mas, no quarto dia o suplício tornou-se a tal ponto insuportável que Odin teve de
admitir, finalmente, que estava diante de um tremendo canalha.
- Muito bem, Frigga, você venceu! - exclamava ele, em meio às labaredas.
O manto de Odin tinha esquentado tanto que já aderira à sua pele, causando-lhe
indizíveis dores. No oitavo dia, entretanto, o filho de Geirrod - que linha o mesmo nome de
seu infeliz tio, Agnar, e também o seu bom coração - sentiu pena do hóspede maltratado
e lhe levou um chifre repleto de hidromel.
Um pouco refeito dos seus padecimentos, Odin chegou à conclusão dique já era
hora de acabar com sua teimosia.
- Muito bem, tirano maldito! - disse o deus, liberte-me já! Caso contrário será punido
com a morte!
- Enlouqueceu de vez! - disse o rei, ainda mais deliciado.
Então Odin começou a entoar as suas runas mágicas e as cadeias foram caindo
uma a uma a seus pés, ao mesmo tempo em que as duas fogueiras se extinguiam diante
dos olhos do rei.
Liberto, o deus supremo pôs-se em pé, pronto para a desforra. Geirrod, aterrado,
ergueu-se lambem, mas ao ver que seu inimigo avançava sobre ele, tomou de sua
espada. Porém, ao descer de seu trono mambembe, meteu o pé num furo do tapete
vermelho e caiu de cara na ponta da espada, morrendo no mesmo instante.
Agnar, o filho de Geirrod, sucedeu ao pai no trono e a primeira medida que tomou foi
mandar trazer do exílio o seu tio, de modo que ambos viveram felizes para sempre
naquele pobre, porém, decente reino.
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Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 11:04 pm

Thor e o rapto de Loki



Loki, o deus das confusões, tinha uma predileção especial pelo casaco de falcão
da deusa Freya - um casaco mágico que permitia àquele que o vestisse voar livremente
feito aquela ave. Um dia, resolveu tomá-lo emprestado e saiu a viajar pelo mundo. Voou
por tudo até chegar, finalmente, ao castelo do gigante Geirrod.
- Ufa!... Vou fazer uma parada... - disse ele, pousando na amurada.
Geirrod, no entanto, estava por perto e avistou aquela estranha ave pousada numa
das torres do seu castelo.
- Que falcão estranho! - disse ele a um criado próximo.
De fato, nunca ambos haviam visto um falcão tão feio e desengonçado.
- Vá buscá-lo - disse Geirrod ao lacaio. - Deve ser um espião disfarçado. O criado
cumpriu a tarefa com tanta eficiência que, em poucos instantes, estava de volta com a
ave presa pelo pescoço.
- Veja seus olhos - disse o gigante - não são de uma ave, mas de uni homem.
Vamos, impostor, diga logo quem é e o que pretende!
Loki, surpreendido pela violência do gigante, preferiu calar, mesmo tendo o pescoço
quase esganado pelos dedos de ferro do seu algoz.
- Ah, não vai falar? - disse Geirrod, voltando-se para o criado - Prenda-o em uma
caixa e o deixe sem alimento até que resolva abrir o bico.
Três meses durou a agonia de Loki, até que um dia o gigante reapareceu c rolhou de
dentro da caixa um falcão desmilingüido e com as penas todas amassadas.
- Es...tá bem.... - disse Loki, num fio de voz. - Vou con...tar... tudo...
Loki confessou a sua identidade, o que fez o gigante dar um sorriso tão satisfeito
que lhe arreganhou os dentes até o siso.
- Vejam só: é o companheiro do Thor, o nosso maior inimigo! - disse Geirrod,
esfregando as mãos. - Muito bem, franguinho, tenho uma proposta a lhe fazer.
Geirrod expôs, então, os termos do seu acordo: Loki seria liberto somente se
conseguisse atrair Thor para o seu castelo.
- Mas, atenção: deverá vir sem o martelo ou o cinto de força - acrescentou o gigante,
pois sabia perfeitamente que se o deus do trovão viesse com suas armas, promoveria ali
um verdadeiro massacre.
Loki partiu sem o casaco de Freya - que ficara em garantia - e, após implorar muito,
conseguiu convencer Thor a fazer o que o gigante queria.
- Com ou sem martelo, gigante nenhum é páreo pra mim! - disse Thor, confiante.
Os dois partiram numa manhã clara, porém, muito fria - como de hábito, naquelas
regiões. Andaram, andaram, andaram até que chegaram à casa de uma giganta - o que
significava que já estavam nas proximidades do castelo de Geirrod.
- Bom dia, senhora - disse Thor, gentilmente. - Estamos indo até o castelo de
Geirrod e gostaríamos de renovar nossas forças antes do encontro, pois é quase certo
que o tempo vai fechar por lá...
- O castelo de Geirrod? - exclamou a giganta, arregalando dois olhos enormes como
duas luas. - Oh, pobrezinhos, serão mortos com toda a certeza!
Loki sentiu um calafrio quanto à parte que lhe tocava.
- Thor é forte o bastante para salvar a nós dois - disse o ladino, reforçando as duas
últimas palavras.
- Não, não! - retrucou a giganta, sem convencer-se disto. - Não devem se fiar em
suas próprias forças. - Ela correu até seus aposentos e retornou de lá com um cinto de
força, um pesado porrete e umas luvas de ferro. - Aqui está: leve tudo isto, valente
peregrino, para que possa se safar das ciladas do perverso Geirrod.
Thor aceitou os presentes e logo os dois estavam de volta à estrada. Depois de
andar mais um longo trecho, chegaram às margens do rio Vimur, com águas não muito
profundas, mas que tinha uma forte correnteza.
- Vamos atravessá-lo a pé - disse Thor.
Dito isto, o deus do trovão meteu-se logo na água, segurando numa das mãos o
porrete e tendo ao lado Loki, que agarrava a todo instante o seu cinto com medo de ser
levado pela correnteza.
Iam já a meio do trajeto quando Loki - que, como bom medroso, tinha um faro
apurado para o perigo - alertou o companheiro:
- Não lhe parece que as águas estão subindo rapidamente?
Thor nada havia percebido até então, importunado que estava pelos agarra-mentos
constantes do cauteloso colega. Mas, avisado do fato, olhou para baixo e percebeu que,
realmente, a água, que antes dava-lhe com folga pela cintura, agora já lhe ia pelo peito
sem nunca parar de subir.
- Apressemos o passo - disse ele.
Neste mesmo instante, Loki avistou alguém na outra margem um pouco mais acima
de onde estavam.
- Veja, Thor! - gritou Loki, apontando naquela direção. - Seguramente que aquela
criatura tem algo a ver com tudo isto!
Thor ergueu a cabeça e avistou uma enorme mulher agachada na água com as
saias arregaçadas até a cintura. Como se tratava de uma giganta, a água sequer lhe batia
nos joelhos e, por isso, ambos puderam ver perfeitamente o que ela fazia.
- Maldição! - esbravejou Thor. - O que está fazendo?
- Ora, não está vendo, boboca?... - gritou a rotunda giganta, sem ruborizar-se ou
interromper a sua tarefa.
Ela era Gialp, uma das filhas de Geirrod, e, certamente, não estava ali à toa.
- O que faremos, agora? - disse Loki, que já estava trepado nos ombros do deus.
- Só há um meio de represar um rio - disse Thor, com segurança - é estancando-lhe
a fonte. Arremessou, então, o seu porrete, acertando em cheio o crânio da giganta, que
foi cair morta dentro da água. Infelizmente, a solução trouxera um novo problema, pois o
sangue que jorrava da cabeça rachada vertia cm ondas, aumentando a enchente e
tornando escarlate o leito do rio.
Thor apertou o passo - a esta altura já inteiramente submerso -, enquanto Loki
permanecia acavalado em seus ombros, trazendo apenas a cabeça para Cora da água,
como se ele próprio fosse um gigante. Por sorte, ambos já estavam bem próximos da
margem e conseguiram se safar a tempo.
Depois que recuperaram o fôlego, os dois tomaram uma íngreme encosta o
galgaram-na, penosamente, até chegar ao castelo do temível gigante.
- Cá estamos - disse Thor. - Vamos ver, agora, o tal Geirrod!
Loki sentiu um tremor afrouxar-lhe os joelhos, pois estava de volta ao cenário de
seus padecimentos. "Sabem as Nornas, o que mais me espera!", pensou ele, referindo-se
as deusas que tramam o destino.
No entanto, ao se apresentar, foram surpreendidos por uma amável recepção
prodigalizada pelo solerte gigante. Ele estava sentado a uma mesa gigantesca repleta de
iguarias, que ocupava quase todo o salão.
- Ora, sejam bem-vindos! - disse Geirrod, erguendo-se e batendo com estrondo as
palmas das mãos em suas nádegas gigantescas, que era a sua maneira ímpia de se
regozijar. Um som cavo reboou pelas paredes e, somente quando o último eco se perdeu
nos confins gelados do castelo, é que ele recomeçou:
- Thor, quero que saiba que é uma honra imensa tê-lo em minha casa; quanto a
você - disse, piscando um olho matreiro para um Loki apavorado -, já nos conhecemos
bem, não é? Afinal, desfrutou por três meses da minha generosa hospitalidade!
Loki balbuciou algo inaudível, enquanto Geirrod ria e malhava outra vez, à toda
força, as suas nádegas descomunais. Depois se sentou e convidou os visitantes a lhe
fazer companhia. Infelizmente a segunda parte da sua hospitalidade esteve longe de
condizer com a primeira, pois Geirrod acomodou-os no mesmo estábulo onde ficavam as
cabras.
Ao centro do aposento havia apenas uma única cama, cujos pés não se
enxergavam, ocultos pela armação. Thor, exausto da viagem, atirou-se ao leito para
descansar. Loki, mais cauteloso, preferiu dormir em pé, pois aquela cama solitária lhe
parecera de mau agouro; além do mais, suas suspeitas aumentaram quando percebeu no
teto um renque inteiro de lanças com as pontas afiadas apontadas para baixo, bem na
direção do suspeitoso leito.
Thor, é claro, não era tão tonto que não houvesse percebido também aquele enfeite
bizarro; porém, depois de se certificar bem, chegara à conclusão que não havia perigo
algum, pois as lanças estavam solidamente presas ao teto. Deixando de lado, então, as
preocupações, Thor ajeitou-se no leito para dormir - ou antes, para roncar. Roncou, de
fato, um bom pedaço, como um perfeito deus do trovão, até acordar, de repente, pois
sentira um ligeiro solavanco sacudir o seu leito. Entreabriu um olho (ele dormira de barriga
para cima, por precaução) e viu que as lanças ainda estavam lá, solidamente presas ao
teto. Entretanto, pareciam estar - ou seria apenas impressão? - ligeiramente mais
próximas.
"Bobagens!", pensou cruzando as mãos sobre o ventre e recomeçando a roncar.
Loki, a seu turno, também caíra num sono profundo, desabado no chão recoberto de
palha. Mais um tempo passou e Thor acordou novamente, por causa de um novo
sacolejão. Desta vez pareceu escutar, nitidamente, uma voz abafada que censurava
alguém. Abriu os olhos e enxergou o teto outra vez. Só que, desta feita, as lanças
pareciam estar ainda mais perto - ou seria mero efeito da sugestão?
- Ora bolas, disse ele, virando-se de lado.
Antes de cerrar os olhos, outra vez, viu Loki adormecido, que roncava também lá
embaixo.
"Depois fala de mim, o porcalhão", pensou, ajeitando-se melhor em seu leito. -
"Mesmo desta altura, ainda posso escutar a sua tuba perfeitamente!"
Então deu-se conta, afinal, de que algo errado ocorria com a cama. Abriu os olhos e
viu seu companheiro bem pequenino lá embaixo. Num reflexo, virou-se para diante,
somente para descobrir que as pontas das lanças que pendiam do teto estavam quase
metidas no seu nariz. Descobriu também que, de pé, já nau podia mais ficar, mas que
ainda podia voltar a cabeça para ver o que havia debaixo da cama. Ao fazê-lo, porém,
verificou que um rosto enorme, balofo e horrendo o encarava, coberto por gotas de um
suor espesso como o azeite. Virou-se, imediatamente, para o outro lado e viu outro rosto
não menos pavoroso que o primeiro. Tratavam-se de duas gigantas, filhas de Geirrod,
que o empurravam, com cama e tudo de encontro às lanças.
- Acorde, Loki, idiota! - bradou Thor, sem poder ver mais se ele o escutava. A ponta
de uma das lanças já imprimia para o lado a ponta do seu nariz e Thor tateou,
desesperadamente, à procura do seu porrete.
Ali estava ele!, pensou aliviado, ao encontrar sua arma. Imediatamente, enfiou-o
entre as lanças e começou a empurrar de volta o leito para baixo, e o fez com tal força,
que um ruído de algo que se parte, reverberou pelas paredes. No mesmo instante a cama
veio com tudo para baixo, esmagando as duas gigantas - pois as suas colunas haviam se
partido, quando Thor dera o empurrão prodigioso.
Loki acordara com o terrível estrondo apenas para se deparar com a visão horrenda
do leito repousado sobre alguns braços e pernas esmagados que ainda se contorciam e
uma piscina de sangue ao redor.
Thor ergueu-se de um pulo e, empunhando o seu porrete, dirigiu-se ate' o custeio. O
dia amanhecia e o deus, com um chute, deitou abaixo a porta. Foi encontrar o perverso
Geirrod sentado à mesa, como de hábito.
No cocho outra vez, besta insaciável? - bradou Thor ao gigante, julgando que ele
fazia já o seu café da manhã.
- Outra vez? - disse o gigante, percebendo a luz do dia, que penetrava ainda de
forma discreta pela porta. - Oh, não, está enganado! Estou ainda jantando...!
Thor, então, que trazia em cada uma das mãos as cabeças balofas das suas filhas,
arremessou-as à mesa, com um grito feroz:
- Junte isto ao repasto...! - As duas cabeças rechonchudas rolaram pela mesa até
irem colar as suas bocas numa montanha de purê de batatas, onde permaneceram
quietas, parecendo bastante satisfeitas.
Geirrod, percebendo a má disposição de ânimo do seu hóspede, ergueu-se e correu
até a lareira, rebolando o seu gigantesco traseiro. Ali, tomou um longo par de tenazes e
com elas recolheu do fogo uma grande barra de ferro incandescida.
- Segura esta, bobão...! - disse ele, arremessando o terrível projétil.
Thor desviou-se, agilmente, e o lingote foi derrubar uma parede às suas costas;
porém, como estivesse com suas luvas de ferro, pegou o lingote com as próprias mãos e
o arremessou de volta para o gigante.
Apavorado, Geirrod correu a se esconder atrás de uma larguíssima coluna de pedra.
Mas, como o gigante fosse fantasticamente gordo, foi como se uma melancia tivesse ido
se esconder atrás de um palito. O projétil, no final de tudo, atravessou a coluna, o crânio
do gigante, e fendeu ainda a parede externa do castelo, indo perder-se pelo mundo, com
os pedaços dos miolos do gigante aderidos a ele.
E, foi assim, se as crônicas não exageraram, que o poderoso Thor liquidou o temível
gigante Geirrod.
Shiki ~
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 11:08 pm

Idun e as maçãs da juventude




Odin e Loki estavam passeando, certa feita, por uma inóspita região. O primeiro
adorava vagar por toda a parte, muitas vezes, recorrendo ao disfarce de andarilho, e, se
devia a algo o fato de ser considerado o mais sábio dos deuses, era, justamente, à sua
inesgotável curiosidade.
- A curiosidade é o que diferencia o homem superior do medíocre - dizia ele a Loki,
tentando instruí-lo. - Na verdade, há apenas duas classes de homens: os despertos e os
adormecidos; os primeiros são aqueles que já acordaram do sono bruto da indiferença, no
qual os outros ainda estão miseravelmente imersos. Um sono imbecilizante, que os faz
crer que a vida se resume à meia dúzia de funções orgânicas, exceto a mais nobre: a de
usar os seus próprios cérebros para criar algo de belo, que os tome felizes como um
deus. E isto - arrematou Odin - somente alguém dotado de curiosidade pode fazer, ou
seja, alguém desperto.
Loki, que ainda estava na classe intermediária dos sonâmbulos, começou a sentir
um sono que ameaçava transportá-lo de volta ao reino dos adormecidos. Mas, foi salvo
pela fome - a madrasta comum de todos -, que o obrigou a interromper a predica de Odin.
- Tudo isto é muito bonito, mas estou com uma fome dos diabos - disse ele, que já
estava tomando uma coloração esverdeada.
- Muito bem, vamos comer, então - disse o deus, largando no chão o alforje.
Mas esta expressão na boca de Odin era um mero eufemismo, pois seu único
alimento era o hidromel, a bebida sagrada dos deuses. Loki, entretanto, que tinha muito
pouco de deus, começou a armar às pressas uma pequena fogueira. Logo um grande
pedaço de carne assava gloriosamente, espalhando pelas redondezas o seu atraente
perfume.
Enquanto Loki eslava acocorado diante da fogueira, comendo pelo nariz, Odin, que
eslava especialmente inspirado naquele dia, retomara sua lição:
- Diz uma lenda muito antiga, que um dia um jovem encontrou uma caixa velha e, ao
abri-la, viu sair de dentro um gênio poderoso - disse o deus, tomando placidamente o seu
hidromel. - A criatura, pródiga em poderes, perguntou-lhe, então: "Você tem direito a um
único pedido, reles mortal!" Depois de se recuperar do susto, o reles mortal o encarou e
disse: "Qualquer um?", e o gênio respondeu: "Qualquer um, menos a imortalidade!"
Então, depois de refletir um pouco, o jovem teve uma brilhante idéia: "Já sei!", pensou ele.
"Em vez de fazer um pedido que me acrescente algo - ou seja, uma nova necessidade -,
farei outro, que acabará com quase todas elas!". Voltando o olhar para o gênio, disse-lhe:
"Retire já o meu estômago!" Desde então, este jovem felizardo passou a ser o homem
mais livre que a terra já conheceu.
Loki, no entanto, não escutou direito a fábula (e, certamente, não a teria aprovado,
se a tivesse escutado), ocupado que estava em abanar o fogo, quase apagado por força
de uma ventania inesperada que surgira do nada.
- Droga! - exclamou ele, com as bochechas escarlates de tanto assoprar. - De onde
veio a droga deste vento?
Somente, então, perceberam que acima das suas cabeças, empoleirada em um alto
galho, estava uma imensa águia - na verdade, a maior águia que seus olhos já haviam
contemplado. A criatura abanava suas asas, parecendo fazê-lo de propósito.
- O que pensa que está fazendo, águia idiota? - gritou Loki, mostrando-lhe o punho.
- Refrescando-me - disse ela, com uma voz gutural, que nada tinha a ver com o grito
estridente da águia.
- Senhora ave, por que o deboche? - disse Odin, mudando o tom da interpelação.
- Vocês não querem comer? - disse ela, parando por um instante de abanar seus
dois gigantescos leques empenados. - Então, deixem que antes eu me sirva desta carne
saborosa.
Loki, sem ver outro meio de comer aquele dia, acabou por ceder.
- Está bem, mas veja se deixa algo sólido para mim!
- Naturalmente!...
- E algo bastante bom!
- Naturalmente, naturalmente!...O fogo ardeu outra vez e, dali a alguns instantes, a
águia descia de seu poleiro para se refestelar.
- Hmmrn! Que delícia de carne! - dizia a águia, engolindo os pedaços aos bocados. -
Meus parabéns, senhor assador...!
Sem dar ouvidos, entretanto, às queixas do esfomeado Loki, a águia devorou tudo,
deixando no espeto apenas os ossos do boi.
- Maldita tratante! - exclamou Loki. - Veja só o que me deixou!
- Não queria algo bastante sólido? - disse a águia, dando risada e agitando as asas
num acesso de hilaridade.
Mas Loki não achou graça nenhuma na piada e, por isto, agarrou num galho fino e
comprido que viu caído ao chão e começou a vergastar o lombo da águia.
Contudo, no primeiro golpe, percebeu que o galho colara-se às penas da águia;
esta, por sua vez, vendo-se maltratada, ergueu vôo imediatamente. Foi, então, que Loki
descobriu, aterrado, que levantara vôo junto, pois suas mãos haviam grudado no galho,
como por mágica.
- O que é isto? Socorro! - berrou ele até sumir no céu como um pontinho.
Sem dizer nada, a águia desceu, abruptamente, dando um vôo rasante um pouco
acima de uma espessa floresta, de tal modo, que sua presa foi se chocando contra os
ásperos galhos e os espinhos das árvores.
- Ai!... Ui!... - gritava o pobre Loki, esbarrando nas árvores em altíssima velocidade. -
Pare com isto, por caridade!...
Mas a águia, surda aos apelos, engendrara um novo suplício, retirando Loki todo
ensangüentado da floresta e o levando até as águas salgadas do mar, onde mergulhou-o,
sem contudo nunca cessar de voar.
- Um salzinho ajuda a sarar as feridas! - disse ela, com um grande riso.
Quando o desgraçado saiu de dentro da água, estava mais morto que vivo e, por
isto, a águia resolveu abrir o jogo de uma vez:
- Muito bem, agora, preste atenção! - disse ela, subindo às alturas até quase
alcançar o próprio sol. - Eu não sou uma águia, coisa nenhuma, mas o gigante Thiassi,
disfarçado. Se quiser escapar de minhas garras, terá de me fazer uma promessa!
Loki, que já provara dos arranhões da floresta e da água salobra do mar, agora.
estava às voltas com um calor sufocante, que o cozia em pleno ar.
- Está bem, está bem, eu prometo, seja lá o que for!
- Bela frase...! - disse o gigante alado. - Você fará, então, o seguinte: trará até mim a
bela Idun e suas maravilhosas maçãs mágicas!
Thiassi referia-se à deusa da juventude, de cujo pomar mágico brotavam maçãs
rejuvenescedoras. Desde que o mundo fora criado que os gigantes e os anões haviam
ambicionado provar destes frutos, mas eles eram propriedade exclusiva dos deuses.
- Enfim, chegou a hora de dividir a imortalidade entre todos! - exclamou Thiassi,
lambendo-se todo e se imaginando jovem e esbelto outra vez.

***

Loki foi libertado e tratou de procurar imediatamente a bela Idun.
- Loki, você por aqui? - disse ela, uma jovem loira, que tinha o olhar manso e o corpo
esbelto das corças.
A deusa estava justamente colhendo as maçãs em seu perfumado pomar. Grandes
frutos, vermelhos como grandes rubis, resplendiam dentro de seu cesto dourado. Podiase
imaginar o gosto sumarento de sua polpa amarela e úmida na boca, mesmo antes que
eles fossem provados.
- Você já não comeu a sua maçã recentemente? - disse ela, intrigada. -Lembre-se
de que a próxima refeição ainda está longe.
- Oh, pouco importa! - disse ele, afetando um ar de desprezo. - Afinal, quem vai
querer estas maçãs horrorosas, quando tem ao alcance outras infinitamente mais
saborosas e rejuvenescedoras?
- O que está dizendo? - disse Idun, tornando-se séria.
- Isto mesmo que você ouviu - retrucou Loki, enfático. - Descobri um outro bosque,
muito mais belo que este, onde vicejam as mais belas maçãs da juventude de todo o
universo.
A deusa, sem querer admitir que isto fosse possível, aceitou de imediato ir até lá
para ver se Loki dizia a verdade.
- Claro, vamos até lá - disse ele, animado. - Mas leve consigo o seu cesto, para
podermos compará-las; estão todas aí?
Sim, estavam, e logo ambos rumavam para o misterioso pomar. Mas, nem bem
haviam colocado o pé para Cora de Asgard quando a mesma águia que raptara Loki
desceu das alturas e cravou suas garras na jovem deusa, levando-a consigo para
Jotunheim, a terra dos gigantes.
- Socorro...! Salve-me...! - implorava a deusa, mas Loki já estava bem longe, uma
vez salva a sua adorada pele.
Imediatamente, os deuses começaram a perceber os efeitos da ausência de Idun e
de suas imprescindíveis maçãs: os cabelos de todos começaram a se tornar grisalhos e
suas faces a se enrugar espantosamente. Como todos eles eram muito antigos, o tempo,
uma vez restabelecido em sua autoridade, começara a cobrar as parcelas atrasadas com
grande voracidade.
Thor, por exemplo, apareceu um dia manquitolando, usando seu martelo como um
bastão de idoso; seus cabelos compridos, outrora lisos e loiros, agora, não passavam de
uma palha esbranquiçada que o vento arrancava aos punhados.
- Cadê as machãs, as malditas machãs! - dizia ele, banguelando, pois seus dentes
haviam desertado em massa da boca chupada.
Frigga, a esposa de Odin, por sua vez, que sempre se gabara de sua beleza, surgira
agora virada numa velha decrépita e senil a exigir em prantos o alimento reparador. O
próprio Odin - que de tão velho já tinha os cabelos brancos antes mesmo de deixar de
comer as maçãs - parecia, agora, um ponto de interrogação, sentado em seu trono de
rodas, com o nariz recurvo encaixado ao umbigo. Sua propalada sabedoria havia sumido
e a caduquice mais apavorante havia se apossado de sua outrora fulgurante inteligência.
Empurrando seu trono, vinha Heimdall, o vigia de Asgard, que agora era incapaz de
enxergar um palmo adiante do próprio nariz. Seus ouvidos afiados, que, outrora eram
capazes de escutar até a grama crescer agora, não seriam capazes nem de escutar um
vulcão que se abrisse a seus pés.
Todos eles, enfim, estavam aos pedaços. Então, Loki chegou também com os
cabelos esbranquiçados e aparentando velhice; mas era tudo disfarce seu e, por dentro,
ele se ria, deliciado da decadência dos deuses.
"Um bando de deuses caducos!", pensava ele, regozijando-se com a desgraça que
reinava em todo o Olimpo. Ele, entretanto, permanecia jovem sob o disfarce, pois
continuava a se alimentar secretamente das maçãs de Idun, que o gigante Thiassi havia
lhe cedido como recompensa.
Loki, você não sabe que fim levou Idun? - perguntou-lhe Thor, cercado pelos outros
deuses decrépitos.
Loki, fingindo-se tão senil quanto qualquer um deles, resmungou algo sem nexo,
babando-se todo. Mas, neste exato momento, uma tempestade desabou, fazendo com
que a cinza que havia espalhado sobre o cabelo desbotasse e as teias de aranha que
havia posto sobre o rosto como simulacros de rugas, se desmanchassem, revelando,
claramente, a sua juventude inalterada.
- Seu tratante! - exclamou Tyr, o deus maneta, apontando o único punho fechado
sobre o rosto de Loki. Uma bengala desceu sobre as suas costas e Thor ameaçou
despedaçá-lo com seu martelo - pois o Miollnir dourado não havia envelhecido.
Heimdall, seu figadal inimigo, aproximou-se e o ameaçou:
- Trate de trazer Idun de volta com suas maçãs ou farei com que o velho Odin lance
um tal esconjuro de suas runas mágicas sobre você que jamais tornará a ser o que era!
Loki, que sabia o estado no qual o velho deus se encontrava, e temendo que nunca
mais ele pudesse desfazer a maldição, resolveu reconsiderar.
- Está bem, vou dar um jeito de trazer de volta a deusa e as maçãs.

***

Freya, a deusa do amor, emprestou a Loki, mais uma vez, o seu casaco de pele de
falcão, o que lhe possibilitou viajar rapidamente até o esconderijo do gigante Thiassi,
mesmo local onde ficava o cativeiro da deusa da juventude.
Felizmente, quando lá chegou, encontrou-a sozinha, pois o gigante havia saído. A
pobre Idun, que de jovem não tinha mais nada, também estava inteiramente caquética,
parecendo agora a deusa da velhice, pois o perverso Thiassi havia impedido que ela se
alimentasse dos frutos.
- De hoje em diante somente os gigantes serão jovens e fortes! - exclamara ele, num
acesso de loucura perversa.
Loki, imediatamente, pegou um fruto do cesto - que estava bem escondido na
caverna - e o deu para que Idun o comesse. A deusa, instantaneamente, recobrou seu
antigo viço e beleza.
- Seu traidor infame, o que quer aqui? - disse ela, lembrando de tudo.
- Vim libertá-la - disse ele. - Feche os olhos.
Loki recitou um encantamento rúnico, que a custo conseguira arrancar de Odin, o
que possibilitou transformar a deusa em uma minúscula noz. Depois, metamorfoseado
ainda em falcão, estendeu as asas e se lançou ao espaço, carregando em uma das
garras a pequena noz-Idun e, na outra, o cesto com os frutos mágicos.
Já estavam ambos a meio do caminho, porém, quando Loki percebeu que Thiassi
vinha em seu encalço, virado na mesma águia de antes.
- Devolva já as minhas ricas maçãs! - berrava, esganiçadamente, a águia.
Uma perseguição alucinante cortou os céus em direção a Asgard. As batidas das
asas gigantescas da águia eram tão fortes que juntaram uma grande quantidade de
nuvens escuras e tempestuosas. De longe, os deuses perceberam a aproximação do
temporal. Thor, que ainda tinha o olhar um pouquinho melhor que o dos demais, avistou o
gavião trazendo Idun e o cesto:
- Depressa, vamos preparar uma fogueira! - bradou ele, apoiado ao martelo.
Apesar de tropeçar e esbarrar uns nos outros, os deuses conseguiram fazer o que
Thor sugerira. Tão logo Loki pousou, devolvendo Idun ao convívio dos deuses, a águia
medonha aproximou-se, guinchando pavorosamente.
- Agora, deixem comigo! - disse Thor, erguendo a custo seu martelo e dando uma
grande pancada sobre uma rocha, o que provocou uma chuva de faíscas, acendendo a
fogueira. A águia tentou deter o seu vôo, lançando as patas para diante, como se pudesse
travar seu avanço em pleno vôo, mas era tarde demais: logo as labaredas envolveram-na,
completamente, e ela se transformou num único grito de dor e de chamas. Somente seus
olhos sobraram do grande holocausto, que Odin - já restabelecido após haver comido
uma das maçãs rejuvenescedoras - tomou em suas mãos, lançando-os em seguida para
o céu, onde vieram a se transformar em duas luminosas estrelas.


Última edição por x Shiki em Dom Jun 13, 2010 4:46 pm, editado 1 vez(es)
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 11:14 pm

O casamento de Niord e Skadi



Tudo começou com a chegada a Asgard de uma jovem giganta chamada Skadi,
vinda do país gelado de Thrymheim, para vingar a morte de seu pai, o gigante Thiassi - o
mesmo que seqüestrara a deusa Idun para se apossar das maçãs da juventude. Os
deuses haviam-no queimado em uma gigantesca fogueira, que o consumiu inteiramente,
a exceção dos olhos, que viraram duas estrelas.
Sua filha, entretanto, não ficara nem um pouco consolada com a homenagem,
partindo do mesmo jeito em direção a Asgard para reclamar a sua indenização. Os
deuses receberam-na com cordialidade, tentando, de alguma forma, aplacar a fúria que
lhe chispava dos olhos negros como a noite.
- Diga-nos o seu preço e nós a indenizaremos de bom grado pela perda do seu pai -
disse Odin, de maneira gentil e conciliatória. - Reconhecemos que a sua pretensão a uma
recompensa é válida e estamos dispostos a negociar. Dê-nos, apenas, um ponto de
partida.
Odin estava ao lado daquele que, certamente, seria o ponto de chegada: um enorme
baú abarrotado de ouro. Por cima dele, como numa irresistível cobertura de sorvete,
esparramavam-se até cair pelas bordas colares, anéis e pulseiras divinamente
confeccionados pelos mais hábeis anões do universo.
A giganta inclinou a sua enorme cabeça até o baú e, depois de tomar o seu peso,
emborcou-o inteiro na mão. Todo o ouro e as pedrarias couberam na sua palma.
- Quero a vida de um Aesir pela vida de meu pai e não, ninharias! - disse ela, dando
um chute no baú, que voou de balão pela janela do palácio onde estavam. (Mas, nas tais
ninharias, ninguém em Asgard nunca mais pôs os olhos.) - Escolham: ou a vida de um
deus, agora, ou a invasão de todos os gigantes de Thrymheim, mais tarde! -concluiu
Skadi, num derradeiro ultimato.
O salão de Odin esvaziara-se, repentinamente, diante da fúria da explosiva giganta.
Mas, o imprevisível Loki decidira ficar e tentar acalmar a irascível jovem.
"Talvez isto sirva para apaziguá-la um pouco!", pensou, começando a executar, em
seguida, os passos da mais extravagante das danças, intercalando-a com saltos e
acrobacias; chegou mesmo ao extremo de incluir alguns números de franco mau gosto,
como amarrar-se a um bode pela parte mais inesperada (e sensível) do seu corpo e se
deixar arrastar desta forma grotesca por todo o salão.
Mas, como geralmente os extremos entendem-se, Skadi passou aos poucos da ira à
alegria, não podendo mais conter o riso diante de tantas loucuras.
- Basta, basta...! - exclamava ela, em meio às gargalhadas.
- Basta, besta...! Basta, besta...! - repetia Loki, que parecia um verdadeiro demônio,
ainda preso ao bode. - Depois, aproveitando a descontração da giganta, deu-lhe ainda
uma outra sugestão: - Antes de matar um de nós, por que não martirizá-lo um pouco?
Com um ar de incompreensão desenhado no rosto, ela indagou:
- Martirizá-lo? Como assim?
- Ora, casando-se com um de nós...! - disse Loki, afetando um ar de falsa seriedade.
- Por um momento, temeu-se que Loki pudesse ter posto tudo a perder com aquele
gracejo de gosto duvidoso; mas seu ar era tão diabolicamente maroto, que a jovem Skadi
caiu no riso outra vez.
"Casar-me com um deus?", pensou, indecisa, com os olhos ainda úmidos da
hilaridade. "Nunca havia pensado nisto!"
Entretanto, não eram nada incomuns as uniões entre deuses e gigantes desde o
começo dos tempos. Bor, um dos ancestrais mais antigos dos deuses, por exemplo,
casara-se no alvorecer do mundo com a giganta Bestla, embora a disputa entre as duas
raças tivesse recém começado.
- Está bem - disse ela -, aceito a sugestão, desde que eu mesma possa escolher
meu futuro marido.
Os deuses ficaram paralisados; Odin achava que, se assim fosse, certamente ela
acabaria por escolher Balder, o mais belo dos deuses. De fato, desde sua chegada a
Asgard, os olhos da giganta haviam pousado sobre ele e não era preciso ser mago ou
vidente para prever qual seria a sua escolha.
Loki, entretanto, veio em auxílio com mais uma de suas idéias. Mas, mesmo depois
de tê-la explicado a Odin, este ainda pareceu cético quanto à sua aplicação.
- Não se preocupe - disse Loki. - Antes, vamos regá-la a bastante hidromel.
Skadi foi convidada a se sentar à mesa com todos os Aesires. Após um banquete
farto em comidas picantes, foi trazido o grande caldeirão de hidromel.
- Agora, bebamos à nossa futura irmã! - disse Odin, passando um grande chifre
ornamentado de rubis e esmeraldas à convidada.
Skadi bebeu de um trago todo conteúdo, tal era a sua sede. Ato contínuo, foi
enchido novamente o seu chifre e, assim, a noite inteira a bela giganta bebeu junto com
os deuses até que, animada, ela deu à certa altura um grande grito:
- Quero escolher, agora, o meu marido!
Todos os deuses retiraram-se às pressas para uma outra sala, ficando naquela
somente Odin e Loki. Este adiantou-se e disse, enfeitando as suas palavras com novos
trejeitos e palhaçadas:
- Ótimo, ótimo! Skadi irá escolher seu marido! - Tomou-a pela mão e a levou até uma
outra sala, onde os deuses já estavam preparados. - Pronto, adorável Skadi: aqui estão
todos, apenas esperando que você faça a sua escolha!
Os deuses estavam todos postados atrás de uma grande cortina escura, deixando à
mostra apenas os pés.
- Que brincadeira é esta...? - disse a giganta, com uma grande risada, ao ver aquela
fileira ridícula de pés à sua frente.
- Um destes pés será o seu marido! - disse Loki, com um ar divertido. -Não é um
modo original de escolha?
Skadi parou um pouco para pensar, mas acabou chegando à seguinte conclusão: se
Balder era o mais belo dos deuses, conseqüentemente seus pés haveriam de ser também
os mais belos.
- Está bem, vamos logo a isto! - disse ela, numa voz um tanto pastosa.
Um a um, ela foi analisando aqueles divinos pés (os quais, verdade seja dita, nem
por serem divinos deixavam também de ter as suas imperfeições). Depois de tê-los
estudado, detidamente, apontou o par, que estava à esquerda, no fim da fila.
- São os pés mais lindos que já vi em minha vida! - exclamou ela, segura de que
Balder era o dono deles.
- Podem descer a cortina! - ordenou Odin.
Assim que o pano caiu foram todos tomados pela mais grata surpresa, pois o
escolhido fora Niord, um deus marítimo. Ele era pai de Freyr e Freya, deuses da
fertilidade, e fora enviado com eles para Asgard, há muito tempo, para selaras pazes
entre Aesires e Vanires, as duas estirpes divinas que viviam em guerra desde o começo
dos tempos. Niord vivia sozinho em Noatun, o seu palácio situado nas profundezas do
mar, desde que deixara a distante pátria dos Vanires.
Quanto a Skadi, a sua noiva e futura esposa, sentira-se ludibriada num primeiro
momento, mas, depois de estudar um pouco melhor a situação, acabara por se consolar,
afinal, com a escolha; Niord não era um deus nada feio e era rebente de um grande
império marítimo. Mas, acima de tudo, era obrigada a admitir que seus pés eram
verdadeiramente sensacionais!
- Quero que ande sempre descalço - dissera ela, impondo apenas esta pequena
condição para aceitar o ajuste matrimonial.
- Claro, minha querida...! - exclamara um Niord vibrante de felicidade, pois sabia que
seus dias de solidão oceânica estavam prestes a acabar.
O casamento realizou-se em Asgard e, logo em seguida, o casal partiu em lua-demel
para o palácio marítimo de Niord.
Infelizmente, porém, os desentendimentos começaram já nos primeiros dias. E, não
foi nem pelo fato de Skadi ter sido obrigada a fazer uma pequenina modificação nos seus
hábitos respiratórios (afinal, respirar debaixo d'água o tempo todo, demora um pouco para
se acostumar), mas por uma mera questão de gosto pessoal: Skadi, acostumada à terra,
simplesmente, não conseguia adaptar-se a vida marítima.
Beleza havia de sobra por lá, é verdade; ela mesma era obrigada a reconhecer isto,
quando observava a dança uniforme dos corais e liquens ao redor das carcaças dos
navios vikings afundados. O palácio de Niord, todo recoberto por um tapete de húmus
esverdeado, também era uma coisa fantástica de se ver. E, mesmo a sua vistosa corte,
com bandos de peixes de todas as cores a nadar de lá para cá (tal como as nossas aves,
embora mudos e com cara de bocós), não deixava de ser algo sumamente interessante.
Mas, nem só de beleza podia viver uma pessoa, argumentava ela, já nas primeiras brigas
que travara com seu esposo.
- Veja só o estado de minha pele...! - dissera ela, mostrando as mãos e o rosto
enrugados de tanto estar debaixo d'água. - Pareço uma velha de cento e vinte anos!
E depois, aquela umidade constante pela casa, as roupas que nunca secavam,
aquele eterno gosto de sal na boca - "estou me sentindo um pedaço de charque
ambulante!", dizia ela, enojada de si mesma -, e, ludo isto, sem falar nos tubarões ferozes,
que andavam soltos e sem coleira por toda parte, que horror!
De tudo isto, resultou que ambos resolveram tentar a vida na pátria de Skadi. Niord,
é claro, não ficara muito entusiasmado com a mudança, mas, enfim, era o jeito. Menos de
um mês depois, já estavam morando em Thrymheim.
No começo tudo correu bem, mas, logo, foi a vez de Niord se queixar.
- Que barulheira infernal! - disse ele, após perder o sono pela milésima vez. -
Acostumado ao silêncio majestoso do oceano, quebrado apenas, de vez em quando,
pelos gritos estridentes de um golfinho ou de uma baleia, agora era obrigado a suportar
toda espécie de gritos, uivos, rugidos, zurros e uma infinidade de outros meios de
expressão, que eram, positivamente, infernais.
- Meu deus, como podem agüentar esta zoeira permanente? - exclamava ele, à
noite, ao escutar o alarido exasperante de um grilo, perdido na escuridão.
Desacostumado também ao vento, tomara-se de tal pavor por esta novidade
atmosférica que, já no segundo dia, mandara lacrar todas as janelas da casa, receoso do
famoso vento encaixado que sabia ser o terror da velhice sobre-aquática.
Além disso, havia ainda um outro sério inconveniente: acostumado a viver num
estado de banho permanente, não podia suportar, nem por um segundo, aquela sensação
angustiante de ter qualquer sujeira, por menor que fosse, aderida à pele. E o mau odor,
então...! Bastava uma caminhada e, logo, estava todo suado e malcheiroso como um
cavalo!
- Além do mais, não suporto insetos - dissera ele, ao pôr um ponto final em sua
estada na terra de Skadi. - Prefiro um tubarão a um mosquito...!
Instalada a discórdia, ambos ainda tentaram consertar as coisas, fazendo com que
cada qual passasse um determinado tempo em sua própria terra, e o restante juntos. Mas
nem assim as coisas melhoraram, pois o curto período de tempo no qual eram obrigados
a se violentar um na terra do outro, era longo o bastante para o ressurgir das
desgastantes lutas conjugais.
Então, finalmente, o bom senso prevaleceu e ambos fizeram, de comum acordo, o
que sempre se deve fazer em tais ocasiões: cada qual foi viver sozinho, mas em paz, em
sua respectiva casa. Às vezes, até se visitavam para matar a saudade; mas antes que a
primeira discussão ameaçasse realmente matá-la, retornavam, à toda pressa, cada qual
para o seu doce lar.
Shiki ~
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Múmia Anciã
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Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 11:18 pm

A captura do lobo Fenris




Loki, o mais astucioso dos deuses nórdicos, era mestre na arte da dissimulação e
dos disfarces, tendo conseguido transferi-la aos próprios filhos. Destes, os mais
importantes são Iormungand, a serpente do mundo; Hel, a deusa infernal; e Fenris, o lobo
gigante.
A princípio os três eram gigantes normais, mas logo tomaram as formas
monstruosas que seu perverso pai determinara, pois todos haviam sido gerados com um
único propósito: o de destruir os deuses, pondo fim ao seu domínio sobre o céu e a terra.
Odin, entretanto, previu tudo isto por meio de um oráculo das suas runas c resolveu
dar, logo, caça a estes monstros, enquanto ainda eram crianças.
Sozinho, deu conta da serpente, lançando-a ao mar, onde ela cresceu de maneira
tão desmedida que se tornou capaz de dar a volta ao mundo e morder a própria cauda.
(Thor, mais adiante, tentou pescá-la, porém, sem sucesso.)
Hel, a sombria deusa da morte, foi lançada às regiões escuras e geladas do
Niflheim. Com seu rosto metade claro e metade negro, tornou-se a autoridade maior do
reino dos mortos. Mas, às escondidas, passou também a arregimentar um terrível exército
espectral que seu pai Loki, haveria de comandar no dia da Ragnarok (o "Crepúsculo dos
Deuses"), a grande conflagração final, que poria fim aos deuses e ao próprio mundo.
Já com o lobo Fenris, a história foi bem mais complicada, pois nenhuma outra
criatura se mostrou tão arredia e perigosa aos deuses quanto este animal.
Tudo começou quando Odin chegou a Asgard conduzindo um pequeno animalzinho
que, a princípio, não era maior do que um filhote de Ruskie. Com seus olhos
oceanicamente azuis, encantou logo a todos na morada dos deuses, cm especial, às
mulheres, que não cessavam o dia inteiro de acariciá-lo.
Fenris, no entanto, olhava sempre de lado para aquela raça inimiga e, desde o
começo, deixou bem claro que não ia com a cara de ninguém por ali. Da cara feia, passou
logo às dentadas e foram tantos os conflitos, que todos fugiam espavoridos do animal - o
qual crescera de maneira tão prodigiosa, que, já nos primeiros dias, havia alcançado o
tamanho de um leão avantajado.
Imediatamente, começaram a surgir queixas de todos os lados.
- Odin, onde é que você estava com a cabeça, ao trazer esta fera para dentro dos
portões de Asgard? - disse um dia Frigga, sua esposa, que já contabilizava quatro
mordidas pelo corpo (uma delas, num local bastante incômodo).
- Ora, um animalzinho tão dócil...! - disse Odin, tentando disfarçar o erro.
Mas, ele próprio sabia que a coisa não era bem assim, pois dentre todas as
divindades parecia ser ele a presa mais visada, a ponto de não poder chegar perto do
lobo sem que ele lhe arreganhasse as presas afiadas como punhais.
Afinal, a coisa evoluiu de tal modo, que a criação de Fenris foi entregue a Tyr,
considerado o mais corajoso dos deuses.
- Deixem comigo - disse ele, tomando o lobo e o levando para casa.
Mas, nem mesmo o deus feroz foi capaz de amansar o seu gênio. Diversas vezes,
escapulia e voltava a espalhar o terror entre os deuses até que Odin chegou à conclusão
que deveriam prender o animal num local ermo e afastado de tudo.
- Do jeito que ele continua crescendo - disse Tyr, na reunião que decidiu o destino
do lobo gigantesco -, logo ele será capaz de engolir Asgard inteira, numa única bocada.
Então, os deuses providenciaram uma corrente chamada Laeding, a mais forte que
puderam encontrar. Seus elos de ferro tinham a espessura de uma coluna e seu cadeado
fora forjado do mais puro aço.
- Desta, ele jamais escapará - disse Tyr, ao apresentar a magnífica corrente.
- Mas como o convenceremos a se deixar acorrentar? - disse Odin ao conselho.
- Simples - respondeu Tyr, socando os punhos (era um velho hábito seu) -, basta
que lhe digamos que se trata de um desafio à sua extraordinária força. Sendo filho de
quem é, não se furtará a um bom exibicionismo.
Odin, diante destes bons argumentos, resolveu arriscar.

***

Fenris era um lobo dotado de fala, mas não era de muita conversa, como já se pôde
perceber. Na manhã seguinte, aceitou ser levado até um lugar muito distante de Asgard, a
pretexto de um passeio. Odin aproximou-se, cautelosamente, e se pôs a tagarelar com o
animal que permaneceu impassível, a observá-lo do alto com os olhos semi-cerrados. A
única coisa que se escutava de Fenris -que se convertera num monstruoso animal, mais
alto que o maior dos palácios de Asgard -, era um grunhido sinistro, como se houvesse
um monte de seixos rolando dentro da sua garganta.
- Fenris, você é um animal, verdadeiramente, grandioso! - disse o deus, tentando
conquistar-lhe a confiança. - Na verdade, há um consenso unânime mire os deuses de
que não há nenhuma outra criatura em todos os nove mundos que lhe exceda em
tamanho e vigor. Por isto, decidimos propor-lhe um desafio.
Fenris virou-se para o lado e viu algo que parecia uma imensa centopéia negra, a
rastejar, penosamente, pelo terreno acidentado do vale. Era Tyr e uma legião de
ajudantes que traziam acima dos braços a imensa corrente estendida.
O ruído gorgolejante na garganta de Fenris redobrou de intensidade.
- O que acha desta corrente? - disse Odin, assim que os esbaforidos deuses
haviam-na depositado diante de Fenris.
- Que tem ela? - respondeu, finalmente, o lobo numa voz que era mais um uivo
medonho do que qualquer outra coisa.
- Que tal testar nela a sua força?
Fenris observou bem a pesadíssima corrente, alisando os elos com sua imensa pata
esbranquiçada. "Barbadinha!", pensou.
- Podem amarrar-me nesta tira de sandálias - disse o lobo, com um ar de desdém.
Imediatamente, todos os deuses começaram a envolver o lobo - que se estirara ao
comprido - nos elos da pesadíssima corrente. Vários cadeados foram afixados e, quando
Fenris pareceu estar, finalmente, bem aprisionado, todos correram para longe.
- Muito bem, tente agora se libertar! - disse Odin, com um grito.
Fenris abriu uma bocarra enorme, tão escura, que se fez noite ao seu redor; em
seguida, fingiu espreguiçar-se, estirando todos os seus musculosos membros. Um
estrondo apocalíptico reboou pelo vale desolado, fazendo com que Iodos os deuses se
agachassem - menos, é claro, Tyr, o mais valente deles.
Quando o lobo medonho fechou a boca, novamente, e a luz voltou a brilhar,
percebeu-se, então, que da corrente só haviam restado os seus elos partidos, espalhados
por todos os lados como anéis de chumbo que algum gigante houvesse espargido, por
pirraça, para o alto.
"Brincadeira sem graça...!", pensou Fenris, pondo-se em pé, outra vez, pronto a
fazer alguém pagar o preço do seu enfado.
Os deuses estiveram atônitos por um largo tempo até que Odin reassumiu o controle
da situação.
- Muito bem, Fenris! - disse ele, aplaudindo o lobo. - Agora, vamos ver se você é
mesmo o tal! - E virando-se para os companheiros, ordenou: - Vamos, tragam logo a
outra...!
Por precaução, havia sido preparada uma outra corrente (que o ferreiro, autor dela,
reputara como infinitamente mais sólida do que a primeira), a qual foi trazida ainda com
mais lentidão do que a primeira, tal o seu peso descomunal.
- Que tal lhe parece? É Droma, a mais sólida corrente já feita. Será que esta você
agüenta? - disse Odin, com um ligeiro tom de mofa na voz.
Um reboar sinistro sacudiu as entranhas do lobo, parecendo que ele guardava
dentro de si um depósito de trovões. Aproximou-se da corrente, que parecia bem mais
sólida do que a primeira, e a examinou atentamente. Seu poderoso focinho entrou em
ação e começou a farejar, demoradamente, a corrente, tempo bastante para que seu
cérebro pudesse identificar todos os metais que compunham a liga daquela espantosa
cadeia. "Barbada!", pensou, porém, não tão seguro como da primeira vez.
- Podem amarrar-me nesta corda de enforcar! - disse ele, lambendo os beiços.
De novo, todos os deuses e seus ajudante entregaram-se à tarefa estafante de
estender sobre o pêlo macio de Fenris os elos da cadeia gigantesca.
- Está pronto? - disse Odin, dando novo grito.
O lobo deu um grande latido, que derrubou uma montanha próxima.
- Pode começar! - disse o deus, disparando junto com os demais, à exceção, é claro,
de Tyr, o mais destemido, que ficou a observar tudo quase ao lado do lobo, socando os
punhos, como de hábito.
Desta vez, Fenris encontrou um pouco mais de dificuldade, pois não lhe bastou
retesar, simplesmente, os músculos. Um sorriso de vitória desenhou-se nos lábios de
Thor, o deus do trovão - que estava por perto, de martelo na mão, para alguma
eventualidade -, bem como no semblante dos demais deuses.
Fenris rosnou e um latido de raiva cortou os ares. Então, começou a se debater e a
lutar, verdadeiramente, contra a corrente, o que bastou para a despedaçar em poucos
minutos. "Isto cansou-me um pouquinho!", pensou o lobo. "Mas alguém vai pagar!"
Frustrados, os deuses viram-se obrigados a abandonar o local do desafio e já
estavam todos retornando, cabisbaixos, junto com o perigoso animal - que abanava
alegremente a sua cauda, provocando um vendaval atrás de si - quando Skirnir, o fiel
ajudante do deus Freyr, aproximou-se de Odin e lhe disse:
- Poderoso deus, permita que eu vá até a terra dos anões, ver se consigo arrumar
com eles uma corrente verdadeiramente forte!
- Os anões...? - disse Odin, cocando a barba.
- Sim, não são eles os maiores ferreiros de todo o mundo? - ajuntou Skirnir, cheio de
esperanças. - Com toda a certeza, serão capazes de forjar uma cadeia indestrutível,
capaz de aprisionar Fenris ou qualquer outro ser tão forte quanto ele!
Odin aceitou a sugestão na mesma hora e propôs a Fenris passarem a noite ali
mesmo, no aguardo do retorno de Skirnir, que ficaria encarregado de trazer, junto com
outros homens, a tal corrente dos anões (não revelou, no entanto, quem seriam os seus
artífices, pois temia que o lobo desistisse do desafio quando soubesse). Todos os demais
retornaram junto com Odin, pois desconfiavam, naturalmente, do mau gênio do lobo.
Aquela, com certeza, não foi a noite mais agradável que os deuses passaram neste
mundo.

***

Skirnir fora até Svartalfheim, a terra dos anões, situada nas profundezas da terra.
Montado no cavalo de Odin, o mais veloz do universo, ele lá chegara ainda antes do
anoitecer. Encontrou os anões atarefados, como de hábito, e explicou o caso, misturando
sua voz ao ruído dos martelos e dos foles, que rugiam sem parar.
- Realmente, é um caso bem difícil - disse um dos anões, retirando o gorro e dando
uma valente cocada na cabeça.
Estas duas coisas reunidas, para um perito cm anões, queriam dizer simplesmente:
"Está bem, faremos o que pede, mas o preço serão alguns bons barris repletos de ouro!"
Skirnir, usando das mesmas metáforas consagradas pelo uso, respondeu:
- A coisa está preta pra todo mundo, mas veremos o que se pode fazer... - o que
significava mais ou menos isto: "Está bem, seu tratante, nós temos urgência do serviço e,
só por isso, iremos pagar o seu preço!"
Os anões largaram, então, tudo o que estavam fazendo e se puseram a confabular
secretamente. O líder deles destacou, logo, meia dúzia de colegas para que fossem
procurar os artigos necessários para a confecção da corrente. Skirnir, por sua vez,
sentou-se num local afastado e ficou a observar a atividade dos pequenos seres.
- Eles custarão a retornar? - disse ao anão-chefe.
- Depende... agora é noite e como está muito escuro... - (ou seja, "Ponha mais um
barrilzinho aí!")
Skirnir balançou a cabeça:
- Sim, mas haverão de encontrar... - (ou seja, "Só mais um, miserável!")
Parece que os anões andarilhos haviam escutado a conversa, pois retornaram,
rapidamente, trazendo cada qual um artigo mais insólito que o outro: o primeiro trouxe o
som das passadas de um gato; o segundo, os fios da barba de uma mulher; o terceiro, as
raízes de uma montanha; o quarto, os tendões de um urso; o quinto, o hálito de um peixe;
e, finalmente, o sexto, o cuspo de uma ave.
Eram estes os ingredientes principais da corrente que se chamou Gleipnir, embora
algumas versões apócrifas ainda incluam muitos outros elementos dificílimos de
encontrar, tais como a luz dos olhos de um cego, as solas dos sapatos de um pé de
página, a piedade de uma beata, as promessas generosas de um fala-mansa - e uma
dezena de outras quimeras, as quais somente a astúcia gigantesca dos anões é capaz de
encontrar.
Imediatamente, entregaram-se todos à confecção da corrente, usando da arte e da
magia, pois só a arte não bastaria para fazer uma corrente absolutamente indestrutível.
Antes do dia amanhecer, ela estava pronta e foi apresentada a Skirnir, que já roía as
unhas de apreensão pela demora.
- Aqui está Gleipnir, a nossa obra-prima! - disse o anão-chefe, coberto de suor, mas
com o semblante iluminado de quem fez algo de que pode se orgulhar.
Skirnir tomou-a nas mãos; ela estava toda enrolada e, apesar disso, não pesava
mais que a boa-fé de um cínico.
- Isto é um deboche? - perguntou Skirnir, indignado por aquilo que lhe parecia uma
reles pilhéria de anão. - Um punhado de algodão pesa mais do que isto!
- Tente quebrá-la, então - disse o anão, estendendo-lhe um machado.
Skirnir desceu o gume afiado sobre o fio estendido - que tinha a textura da mais fina
das sedas - e o resultado é que o machado partiu-se em duas partes.
- Bem... não me parece inteiramente mau, afinal... - disse Skirnir, querendo dizer:
"Nossa, que preciosidade! Passem logo para cá!"
- Esperamos que não o tenha decepcionado inteiramente - disse o anão-chefe, ou
seja, "Aí está, bobão, mas não esqueça dos nossos ricos barrilzinhos!"
Skirnir agarrou a corrente, montou em Sleipnir e partiu a todo galope rumo ao local
onde deixara os deuses às voltas com o perigosíssimo lobo.

***

Odin não acordou muito cedo aquela manhã - simplesmente porque não dormira um
minuto sequer. Desde os primeiros sinais da aurora, o deus vasculhava já a risca do
horizonte com seu único olho em busca do criado de Freyr. Aos poucos, os demais
deuses foram erguendo-se, enregelados, e começaram a expulsar a neve que cobria seus
mantos.
- Será que Skirnir conseguiu? - disse Freyr, aproximando-se de Odin.
Mas antes que o deus pudesse responder, o lobo gigante deu, novamente, um de
seus bocejos colossais, quase trazendo de volta as trevas da noite.
- Onde está o pigmeu que foi atrás dos anões? - disse o lobo, impaciente. - Quero
cair fora logo daqui!
De repente, porém, Odin exclamou, aliviado:
- Vejam... aquele pontinho distante... bem lá ao fundo... é Sleipnir!
Todas as cabeças voltaram-se, instantaneamente, naquela direção.
- Aond...
- Aqui está a amarra! - disse Skirnir, apeando já do cavalo. (Aquele cavalo era
realmente rápido!)
Odin tomou nas mãos o carretel que trazia enrolada a corda. Um ar de frustração
lançou uma sombra em seu rosto.
- Não se preocupe, deus poderoso - disse Skirnir, ao ouvido de Odin. Eu já a testei e
corrente alguma seria capaz de igualá-la.
Odin olhou para os demais deuses em busca de uma opinião, mas foi Freyr, o patrão
de Skirnir, quem o tranqüilizou:
- Pode confiar no que ele diz e, ainda mais, na arte dos anões.
Sem mais conversas, dirigiram-se, então, até onde Fenris estava sentado.
- Vamos terminar com isto de uma vez - disse Odin ao pavoroso lobo.
Fenris, no entanto, pareceu extraordinariamente curioso com aquela cordinha
mixuruca que haviam trazido.
- É alguma piada sem graça daqueles tatus das cavernas? - disse ele, repetindo a
incredulidade de Skirnir.
- Oh, não! - disse Odin. - É uma corda muito sólida. Ao menos foi o que garantiram
os tatus... digo, os anões.
Odin fazia um esforço para se mostrar quase tão incrédulo quanto o lobo, para que
ele não desconfiasse de nada. Fenris dilatou o focinhão e farejou logo a perfídia no ar.
Os deuses já estavam desenleando o fio, sem dar muito tempo ao lobo de
raciocinar. Mas este correu logo até o carretel e começou outra vez a farejar a corda que
o envolveria. "Aqui tem coisa!", pensou. Cheirou, cheirou e já estava disposto a ceder,
sem qualquer condição, quando identificou de repente um odor traiçoeiro na comprida
corda (a lenda não especifica qual teria sido, mas podemos, perfeitamente, imaginar que
fossem as "passadas do gato" ou as tais "promessas generosas de um fala-mansa").
Fenris, então, assaltado pela dúvida, viu travar-se dentro de si uma tremenda
batalha entre a Vaidade e a Precaução: ambas, iradas, atiraram-se uma sobre a outra,
com um fúria verdadeiramente diabólica. Ao final do combate, a Vaidade havia triunfado;
porém, a Precaução, ainda que toda arranhada, ganhou um prêmio de consolação:
- Muito bem, vamos a isto! - disse o lobo, inteiriçando-se. - Mas, desta vez, imporei
uma condição.
Os deuses entreolharam-se, desagradados.
- Condição? - disse Odin, cerrando o único olho. - Que condição?
- Quero que algum de vocês mantenha uma das mãos dentro da minha boca durante
toda a operação.
- A troco do quê?... - disse Thor, adiantando-se.
- Se estiverem tramando uma maldita armadilha para cima de mim (como realmente
parece que estão!) - disse o lobo, exibindo as presas -, saberei vingar-me na mesma hora!
Um silêncio opressivo desceu sobre o vale. Mais uma vez, a velha história do gato e
do guizo repetia-se (ou se antevia): quem colocaria a mão na boca do lobo?
Todos eles eram deuses amantíssimos da coragem, mas a precaução (convieram,
então, unanimemente), também era uma bela coisa. Cada qual procurou, assim, uma
desculpa para se esquivar: Odin alegou que já perdera um olho e que perder uma mão
também já seria demais; Thor alegou que sem a mão não poderia arremessar seu martelo
(ninguém ousou levantar a constrangedora objeção de que possuía outra mão); Freyr
disse que suas mãos eram o complemento necessário uma da outra e que, por isso
mesmo, não podia prescindir de nenhuma das duas (argumento, evidentemente, pífio,
mas que externou de maneira tão obscura, que ninguém chegou sequer a entendê-lo).
E, assim, todos os demais foram se esquivando como puderam até que, finalmente,
o deus Tyr, enojado com tanta covardia - nojo que expressou apenas pelo seu gesto -,
adiantou-se e exclamou:
- Está bem, eu coloco a mão na boca do lobo...!
Um silêncio aliviado desceu sobre o vale. Sem dizer mais nada, os demais
recomeçaram a difícil operação.
Derrubaram grandes árvores que, depois de desbastadas, serviram de estacas para
firmar os membros atados do animal. Dezenas de vezes, o fio sedoso, mas ultraresistente,
cruzou os membros de Fenris até imobilizá-lo completamente. O mais difícil foi
fazer tudo isto sem que o lobo cerrasse suas poderosas mandíbulas sobre a mão de Tyr.
O deus audaz, entretanto, permanecia impassível como um verdadeiro mártir do
destemor, sentindo sua mão encharcada da saliva que gotejava de maneira incessante
dos dentes da fera.
- Está terminado! - exclamou Odin, depois de muito tempo.
De fato, tudo estava firmemente amarrado - até a cauda peluda, que por si só
poderia arremessar à distância um exército inteiro de deuses.
Então, Fenris começou a se debater, pois sabia que aquela cordinha, aparentemente
frágil, escondia uma artimanha divina. A terra inteira sacudiu-se com os sacolejões que o
animal dava para se ver livre das terríveis amarras. Foi um milagre que não só a mão,
mas o corpo inteiro de Tyr, não tivesse sido engolida nestes arremessos. Durante quase o
dia inteiro, o lobo descomunal lutou para se libertar de suas cadeias, porém, sem
sucesso. Quando, finalmente, convenceu se que caíra mesmo numa solerte armadilha,
deu um grande rosnado - pois em momento algum desprendera os dentes do pulso de Tyr
- e cerrou com toda a força as presas sobre ele.
O valente Tyr, diga-se em sua honra, não despediu um grito sequer, embora suas
feições tenham adquirido a cor terrosa dos mortos. Quando ele retirou o toco do punho -
sua mão já estava para sempre na goela do monstro -, um jato de sangue tingiu o pêlo de
Fenris e é por isto que ele passou a ter uma grande mancha vermelha pintada no dorso.
Mas, embora a vingança, nem assim Fenris sossegou, começando, em seguida, a
latir com tal intensidade que os deuses se viram obrigados a levá-lo -sempre amarrado -
para uma gruta profunda debaixo da terra. Ali, o próprio Tyr colocou sua espada entre os
dentes do lobo, fazendo assim a sua própria vingança.
- Mastigue isto, agora! - disse ele, dando em seguida as costas, junto com os
demais.
Fenris, o temível lobo, ficaria acorrentado desta maneira ainda por muitos e muitos
anos, até que chegasse o dia da grande conflagração final entre os deuses e seus
inimigos. Quando, liberto de suas cadeias, enfrentaria o próprio Odin num duelo mortal.


Última edição por x Shiki em Dom Jun 13, 2010 4:43 pm, editado 1 vez(es)
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 11:21 pm

O roubo do hidromel marcador



Hidromel, a bebida dos deuses, teve uma origem um tanto curiosa. Segundo a
lenda, tudo começou com Kvasir, um deus obscuro, cuja personalidade e atributos
perderam-se nas brumas do tempo. Sabe-se, apenas, que nasceu de uma forma um tanto
extravagante, quando Aesires e Vanires, deuses adversários, fizeram uma trégua em sua
disputa e se reuniram para selar um pacto de paz. Cada qual, nesta ocasião, cuspiu
dentro de um vaso cerimonial e, da reunião de todas as salivas, surgiu Kvasir.
Este deus, contudo, acabou morto por dois anões chamados Fialar e Galar, que
cobiçavam a sua sabedoria, seu atributo principal. Durante a noite, enquanto dormia, o
deus foi apunhalado pelos dois perversos irmãos, tendo seu sangue sido recolhido por
eles e colocado num caldeirão. Depois, tão logo chegaram em rasa, misturaram-no a uma
porção de mel e o fermentaram até obter o saboroso hidromel, bebida mágica que confere
o dom da poesia a todo aquele que a bebe.
Durante muitos anos, os dois perversos anões gozaram das delícias desta bebida, a
qual, infelizmente, se tivera o dom de torná-los poetas, não tivera o de torná-los melhores,
pois continuaram a cometer, alegremente, as suas torpezas até que numa delas,
mataram, por um motivo incerto, um casal de gigantes. Suttung, o filho destes, entretanto,
descobriu os autores do crime e foi logo tirar satisfações, exigiu, sob pena de morte, que
lhe entregassem, como reparação, o precioso caldeirão, o que eles tiveram o juízo de
fazer sem pestanejar. Desde então, foi o gigante quem passou a saborear este néctar - e
podemos, perfeitamente, imaginar que lenha se tornado também, senão um grande poeta,
ao menos um poeta grande.
Ora, estando Indo entendido, é preciso dizer, agora, que este gigante tinha uma bela
filha chamada Gunnlod. Era ela a guardiã do caldeirão, passando o dia e a noite inteiros a
cozinhar e a provar a aromática bebida - o que, por conseqüência, deve tê-la tornado a
maior poetisa de todos os tempos. Todos os dias seu pai, Suttung, passava pela caverna,
onde Gunnlod morava para provar um pouco do hidromel.
- Ó linda guardiã do hidromel, isto está cada dia mais delicioso! - dizia ele, dando um
beijo na filha e saindo, em seguida, para os seus afazeres.
Era este o melhor momento do dia, quando Gunnlod tinha a consciência de estar
livre das companhias indesejadas, tendo pela frente apenas o seu delicioso ofício, o qual
exercia na mais perfeita solidão das profundezas de sua caverna -um magnífico salão
recoberto de estalactites vermelhos e iluminado por tochas e quartzos que esplendiam por
todas as concavidades como milhares de vaga-lumes prateados engastados nas rochas.
Esta sensação enchia a jovem de tamanha alegria, que ela se punha, imediatamente, a
pular descalça, feito uma menina, pelos corredores e salões de pedra de seu paraíso
subterrâneo, sabendo que estava livre dos problemas relesmente mundanos que afligiam
ao povo da superfície.
Esta afeição de Gunnlod por subterrâneos - que destoava um pouco da sua
condição de giganta - levava, muitas vezes, o pai a chamá-la, afetuosamente, de minha
duendezinha. Isto, contudo, ao invés de aborrecê-la, a enchia ainda mais de orgulho: -
Tenho, realmente, a alma de um duende! - dizia sempre, satisfeita.

***

Por esta época, entretanto, já andava pelo mundo um deus, ainda muito jovem, mas
que já era sábio e dinâmico o bastante para ter criado muitas coisas. Seu nome era Odin
e poucos desconheciam o seu poder e inteligência. Por muito tempo, intrigara-o o caso do
infeliz deus Kvasir, morto pelos anões. Todos, em Asgard, sabiam da tragédia e a grande
especulação estava voltada para o fato de se saber onde andaria o tal caldeirão do
hidromel, pois todos queriam provar desta maravilhosa bebida.
- Odin, somente você poderá nos trazer este deleite supremo! - diziam-lhe todos,
confiando no seu gênio e na sua capacidade de conseguir o que queria.
Depois de tanto ser aborrecido com esta história, Odin decidiu-se, afinal, a ir
procurar pela tal bebida. O deus seguiu a pista dos anões e, após havê-los encontrado,
conseguira arrancar deles a história dos seus crimes.
- Onde está o hidromel, vermezinhos? - disse ele, ameaçando-os com uma terrível
punição.
Os anões confessaram que Suttung, o filho dos mortos, havia-o levado, o que bastou
para Odin dar-lhes as costas e os deixar chacoalhando os joelhos em cima de duas
pequenas poças amarelas. O deus dirigiu-se, imediatamente, para as terras de Suttung.
Já ia a meio do caminho, quando passou por um campo onde havia nove homens
ceifando. Eram os lavradores de Baugi, o irmão de Suttung. Odin percebeu, logo, que as
foices que eles usavam estavam completamente cegas.
- Ei, campônios, não querem amolar as suas foices? - disse ele, com um grito.
- Oh, sim! claro que queremos! - responderam, aliviados.
Odin não levou muito tempo para torná-las tão afiadas como eram no dia em que
saíram da forja, graças à sua afiadíssima pedra de amolar.
- Esta sua pedra é mágica! Dê-a para nós! - exclamou um deles.
- Claro, aqui está - disse Odin, lançando-a para eles.
Imediatamente, todos se precipitaram para apanhá-la. Na confusão, entretanto,
foram com tanta gana à pedra, que se engalfinharam numa briga tremenda, terminando
todos estendidos no solo com as gargantas cortadas.
- Oh, deuses, que lástima! - disse Baugi, o senhor dos nove servos mortos.
- Não se aflija - disse Odin, adiantando-se. - Terminarei o serviço deles em troca,
apenas, de uma deliciosa taça de hidromel.
- Quem é você, afinal, homem da pedra que mata? - disse Baugi, intrigado.
- Meu nome é Bolverk - respondeu Odin, começando a ceifar o campo.
(Bolverk quer dizer "perverso", mas Baugi não foi atilado o bastante para se dar
conta do perigo.)
- Infelizmente, o caldeirão onde ferve o hidromel está sob o controle do meu irmão -
disse Baugi, cocando a cabeça -, mas vou falar com ele e ver se consigo arranjar-lhe uma
taça.
- Faça isto, meu amigo - disse Odin, de cabeça baixa e afetando indiferença.
Odin ceifou todo o campo - o que lhe custou um bocado de tempo - até que,
finalmente, concluiu sua tarefa. Infelizmente, Baugi não conseguira nada com o irmão,
que não queria ceder nem um único gole da preciosa bebida.
Odin e Baugi decidiram, então, recorrer à astúcia para que o primeiro pudesse se
apoderar do seu justo prêmio.
- Mas me prometa que se servirá somente de uma pequena taça! - disse Maugi ao
colega, que prometeu, prontamente, com um sorriso oculto nos lábios.

***

O irmão de Suttung conduziu Odin pelas regiões elevadas onde ficava a caverna de
Gunnlod, a guardiã do hidromel. Era uma grande cordilheira que eles percorreram a custo
até chegar ao seu objetivo, quase ao final do dia.
- É aqui, ceifador incansável - disse Baugi, apontando para uma pequena entrada
escavada na rocha bruta. - No mesmo instante, começaram ambos a escavar com
picaretas, pois a entrada estava bloqueada por um rochedo, que somente Gunnlod, de
dentro, podia remover por um mecanismo especial. Depois de terem atravessado um
paredão inteiro e muitos túneis, chegaram, afinal, à gruta subterrânea onde Gunnlod se
refugiava.
- Agora, você segue sozinho - disse-lhe Baugi, temeroso de ser descoberto.
- Está bem, dono dos nove servos - disse Odin, sem nem lhe agradecer, pois o
perfume inebriante da bebida já começava a lhe transtornar os sentidos. -Odin foi
avançando até que sua cabeça brotou do alto por uma fenda, o que lhe possibilitou
descortinar um panorama, verdadeiramente deslumbrante: a grande gruta do caldeirão,
com seus estalactites vermelhos e as tochas a reverberar pelas paredes faiscantes. Bem
ao centro, estava o caldeirão fumegando, embora a guardiã estivesse ausente.
"É agora a grande chance!", pensou o jovem deus, começando a descer pelo
paredão com a agilidade de um verdadeiro alpinista. Infelizmente, porém, quando recém
havia posto o primeiro pé no chão, teve a desagradável - ou seria agradável? - surpresa
de ver surgir Gunnlod por uma entrada lateral.
- Oh, quem é você, escalador de paredes? - gritou ela, fazendo sua voz ecoar pelos
paredões escarpados.
- Nada tema, bela jovem - disse Odin, aproximando-se. - Só quero provar um pouco
de sua divina bebida.
Gunnlod sentiu-se, instantaneamente, atraída por aquele belo e esbelto intruso. Mas
a sua missão de guardiã falou mais alto e ela, como que despertando de um transe,
empertigou-se toda. Na sua mão direita havia um arco com uma flecha pronta para o
disparo.
- Não acha que eu mereço ao menos um gole pela façanha de devassar o seu belo
esconderijo? - disse ele, com um sorriso maroto.
- Fora daqui - gritou ela -, e não vou repetir duas vezes.
- Calma, bela guardiã; na verdade, estou aqui apenas para receber o pagamento por
um trabalho feito a seu tio e, por extensão, a seu pai egoísta.
- Como ousa?...
- Sim, egoísta, pois trabalhei para seu tio pelo preço de uma taça de hidromel e,
agora, o pérfido Suttung não quer cumprir a sua parte.
- Modere a sua língua, invasor de cavernas!
- Acalmemo-nos, bela Gunnlod - disse, então, Odin, dando um tom conciliatório à
sua voz. - Se não quer me dar a bebida, pronto, não dê!... Não pretendo forçá-la a nada. -
Odin avançou ainda mais e estava já a ponto de encostar seu peito ao dela, quando
Gunnlod ergueu de novo a sua seta. Mas a mão dele a impediu, suavemente, de realizar
o disparo. - Já não lhe disse que não vou obrigá-la a nada? - disse ele, enfatizando a
última palavra.
Os dois ficaram olhando-se durante um bom tempo, até que Odin colou os seus
lábios aos de Gunnlod. O aroma do caldeirão envolvia a ambos numa fumaça
avermelhada que dissipou qualquer resistência que pudesse haver no coração da jovem
guardiã que, em momento algum, teve consciência do seu fracasso, senão, de que algo,
infinitamente mais belo que uma simples missão apresentara-se em sua vida.
Depois de muito tempo, Odin, tendo ainda a jovem em seus braços - mas já deitados
-, reclamou que tinha muita sede.
- Deixe-me provar do hidromel - disse ele, com suavidade.
- Está bem, pode beber... - disse ela, preferindo, no entanto, dar as costas ao amado
para não presenciar a derrocada final da sua missão. Mas, subitamente, sentiu sua voz
repetir a autorização, agora, como se não fosse dela, com uma sombra estranha de
euforia na voz: - Pode beber à vontade..A
Odin encontrou três enormes taças e as encheu a ponto de esvaziar completamente
o caldeirão. Depois, emborcou-as pela boca como quem estivesse há iliv. anos sem beber
uma única gota. Quando retornou para se despedir, percebeu, no entanto, que Gunnlod
dormia.
- Adeus, guardiã do meu coração! - disse ele, baixinho, retirando-se com a mesma
discrição com a qual entrara.
Mas ela não estivera nunca dormindo, nem nunca diriam dela que fora enganada.
Desta acusação, que ela julgava a pior, ela fazia questão de estar livre.
- Nada se fez sem a minha autorização - disse ela, como se já estivesse diante de
seu pai irado. Gunnlod sabia, desde já, que nunca mais poderia ser a guardiã do caldeirão
ou de qualquer outra coisa neste mundo.
- Ora, basta! - exclamou ela, tornando-se repentinamente altiva e serena outra vez. -
Serei, então, doravante, a guardiã de mim mesma!

***

Odin partiu à toda pressa, mas quando percebeu que Suttung vinha atrás dele
transformado em uma águia sedenta de sangue - como ele descobrira o seu plano, jamais
ficaria sabendo -, transformou-se também em outra velocíssima águia.
Principiou-se, então, uma perseguição alucinante pelos ares gelados da cordilheira
que se estendeu por milhares de quilômetros até que, finalmente, viu brilhar ao longe as
torres douradas de seu amado palácio Gladsheim, em Asgard.
Odin deu um grande grito de alerta, o que fez com que todos os habitantes da
morada dos deuses corressem, logo, a espalhar pipas enormes e jarros de todos os
feitios pelas ruas. Então, Odin-águia começou a regurgitar todo o hidromel que havia
ingerido na caverna de Gunnlod sobre os recipientes, de tal sorte que em três voltas
inteiras que deu sobre a cidade havia expelido de seu estômago até a última gota da
saborosa bebida. Suttung, ao ver que os deuses recolhiam rapidamente os jarros e cubas,
reconheceu-se vencido e, com um grande grito de ira, partiu de volta à sua terra.
E foi assim que, graças a uma sedução e a um traiçoeiro furto, o hidromel passou a
ser a bebida predileta dos deuses.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 11:26 pm

Thor e a serpente do mundo



Aegir, tal como Niord, era um dos deuses do mar. Era casado com sua irmã Ran,
considerada a deusa da morte porque tinha o costume de envolver os navegadores
vikings em sua rede e os arrastar para as pi oi lindezas do mar.
Apesar disso, o palácio submarino onde este casal morava não era, nem de longe,
um lugar desagradável: ali ocorriam grandes banquetes regados a muito hidromel, pois o
deus tinha em seu palácio um grande caldeirão repleto deste saboroso néctar. Os
convidados de Aegir (um eufemismo - ou "kenning" - para designar os afogados) ficavam
refestelados em confortáveis divas sob os cuidados da generosa divindade.
Particularmente bem-vindos, eram os suicidas que se lançavam ao mar carregados de
ouro, sendo muito bem recebidos pelo casal neste úmido local de idílio. Aegir e sua
esposa, Ran, estavam, então, desfrutando das delícias de seu palácio quando viram
chegar apressados os deuses Thor e Tyr.
- Bom dia, asgardianos! - disse Aegir alegremente. - O que os traz, a minha morada?
- Acabou-se o hidromel em Asgard - disse Thor, com o ar preocupado. - Odin, deus
soberano, pede que lhe remeta o máximo que puder de sua produção.
- Mas vocês são muitos - argumentou o deus do mar -, meu pequeno caldeirão não
será capaz de produzir quantidade suficiente nem para a metade dos deuses.
- Ora, isto não é problema! - exclamou Tyr, o deus de uma só mão. - O gigante
Hymir possui um imenso caldeirão em sua casa.
- Então, vamos já para lá! - disse Thor, que não era de muita conversa.
A distância era longa, mas Thor trouxera a sua carruagem e, logo, chegaram à
perigosa terra dos gigantes.
- É aqui - disse Tyr, apontando o único indicador para unia casa enorme.
Thor e Tyr apresentaram-se, mas ficaram frustrados ao descobrir que Hymir não se
encontrava em casa. Em compensação, sua avó lá estava, a qual tratou de recebê-los,
amavelmente, com suas novecentas cabeças. Sua filha também estava ali, embora, não
se diga, em parte alguma, quantas cabeças tivesse.
Dali a instantes, chegou Hymir, que parecia não estar lá muito bem-humorado, pois
seu olhar fez com que todas as traves da casa rachassem.
- Papai, há quanto tempo! - disse Tyr, tentando melhorar o seu humor.
- O que querem aqui? - disse ele, dando uma mirada feroz na direção do matador de
gigantes, alcunha pela qual Thor era famoso em todo o mundo.
Tyr tratou, então, de acalmar o pai com o resumo das novidades e o fez com tanto
talento que ele, aos poucos, foi se acalmando, a ponto de oferecer, no final, um jantar aos
visitantes. Três bois foram mortos para tanto, dois dos quais Thor encarregou-se de
comer sozinho. A avó de Hymir, entretanto, apesar de suas novecentas bocas, comeu
muito pouco, pois, segundo ela mesma disse: "tenho novecentas cabeças e não
novecentos estômagos".
- Que tal uma pescaria amanhã? - disse o gigante, de repente, a Thor.
Este, pego de surpresa, aceitou o convite. Na manhã seguinte, bem cedo, estavam
ambos prestes a embarcar, quando Thor percebeu que havia esquecido a isca. Sem
pestanejar, ele correu até o local onde estava o rebanho do gigante e cortou fora a
cabeça de um dos bois. Parece que o deus levantara-se de mau humor, ou então, não
estava mesmo a fim da tal pescaria.
O fato é que ambos embarcaram no bote e seguiram rumo ao mar aberto. À
distância, porém, a visão parecia um tanto estranha, dando a impressão de que aquele
era o primeiro bote com mastro no mundo, tal a diferença de estatura que havia entre
Thor e o gigante.
- Aqui, está bom - disse Hymir, lançando a sua linha assim que haviam cruzado a
linha da rebentação.
Mas Thor achava que estavam ainda muito perto da costa. - Vamos além!... Afinal,
não vim aqui para pescar mariscos! - disse ele, enganchando a cabeça do boi no anzol.
- Não é aconselhável - disse Hymir, ficando branco de medo. - Mais para o fundo,
podemos dar de cara com a Serpente do Mundo.
Também chamada de Iormungand, era ela um dos filhos de Loki, o deus sinistro.
Quando pequena, fora lançada ao mar por Odin e ali crescera tanto, que seu corpo
escamoso chegou a fazer a volta ao mundo.
- Tanto melhor se a encontrarmos - disse Thor, que sonhava um dia derrotá-la em
feroz combate.
O bote avançou, cavalgando as ondas que se tornavam de minuto a minuto mais
encorpadas, fazendo com que o bote oscilasse perigosamente.
- V-vamos voltar...! - gaguejou Hymir, vítima de um mau pressentimento.
- Vamos mais além! - esbravejou Thor, que estava realmente disposto a se
confrontar com a temível serpente.
Dali a instantes, dito e feito: um grande puxão esticou o anzol de Thor, deixando-o
reto como uma finíssima lança
- Mãe dos gigantes! - exclamou Hymir, sentindo que nenhum outro ser poderia fazer
aquilo. - Vamos embora, deus louco!
- Calado! - disse Thor, retesando as pernas dentro do bote. - Se não pode ajudar,
também não atrapalhe!
De repente, a serpente gigantesca surgiu num salto inesperado, sacudindo a cabeça
na tentativa agoniada de se desvencilhar daquele incômodo fio dental. Seus olhos
amarelos chispavam, enquanto sua língua fendida cuspia sangue com seu pestífero
veneno.
- Louco, desista disto! - gritou o gigante ainda uma vez. - Mas Thor não eslava
disposto a perder esta oportunidade única de pescar Iormungand, o terror dos mares. -
Chegue para o lado, covarde...! - disse o deus, irritado com as choraminguices de Hymir.
Então, a serpente enrodilhou-se numas rochas - pois, a esta altura, já havia
arrastado a pequena embarcação de volta à costa - e puxava o anzol com toda a força, o
que só lhe servia para fazer aumentar a dor na mandíbula. Thor, por sua vez, retesara
ainda mais os músculos das pernas, com o corpo todo inclinado para irás, de modo que
tínhamos um cabo-de-guerra em pleno mar.
De repente, o gigante escutou um grande estalo vir do seu lado. Ao se voltar para
Thor, percebeu que seus pés haviam rompido o fundo do bote e, agora, com ambos
enterrados na areia, abaixo da linha d'água, forcejava ainda mais pura puxar a besta
feroz. A vitória pendia cada vez mais para o lado do deus, que conseguiu trazer a grande
cabeça verde e ovalada de Iormungand quase até ele.
Frente a frente, o deus e a serpente encararam-se por alguns instantes e, quando
Thor estava prestes a se lançar à garganta da fera, sentiu que a corda, bruscamente,
rompera-se. Lançado para a frente, só teve tempo de ver a Serpente do Mundo afastar-se
mar afora com um grande urro de dor. Ao seu lado estava Hymir com a machadinha que
usara para cortar a linha do anzol.
- Imbecil! - gritou Thor, no último limite da fúria. - Veja só o que fez! Thor ficou tão
furioso com o gigante que o lançou borda afora, despedaçou o barco e voltou a pé para
casa, andando pelo fundo do mar para se acalmar.
A caminhada, com efeito, ajudou Thor a se acalmar e, quando chegou em casa, já
estava quase sereno. Hymir chegou bem depois, todo molhado e trazendo duas baleias,
que ainda conseguira pescar depois do desastre. Isto foi o bastante para terminar de
aplacar a ira de Thor, que somente diante de um bom prato se arrefecia completamente.
Quando o deus terminou de comer, Hymir resolveu fazer uma brincadeira para
descontrair:
- Vamos, quebre, agora, a sua caneca de encontro a qualquer coisa!
Thor arremessou o utensílio contra a parede e nada. Depois, lançou-a contra tudo
quanto foi objeto e também nada obteve.
- Arremesse-a agora em minha testa! - disse Hymir, apontando para o local.
Thor fez o que o gigante mandou - pois ainda tinha dentro de si um resto de mágoa
pelo fracasso na pescaria - e, para sua surpresa, viu a caneca partir-se em vários
pedaços. - Muito bem! - exclamou o gigante. - Agora, podem levar o caldeirão que vieram
buscar.
Finalmente, falava-se no objeto da busca dos dois deuses...!
Primeiro, Tyr tentou erguer o imenso utensílio, mas foi em vão. Thor, por sua vez,
teve de usar toda a sua força para fazê-lo, mas enquanto o fazia, viu surgir do nada uma
legião de gigantes, que o traiçoeiro Hymir havia ajuntado no caminho para matar o
detestado hóspede. Iniciou-se, assim, um combate feroz, que terminou com a morte de
todos os gigantes - incluindo o imprudente Hymir, que ousara reacender a ira quase
apagada do irritadiço deus.
E foi assim que Thor e Tyr retornaram para o palácio de Aegir, o deus do mar,
levando o caldeirão que lhe possibilitou fermentar o hidromel para os deuses.
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Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta Empty Re: Mitologia Nórdica - Histórias para Consulta

Mensagem por Shiki ~ Sáb Jun 12, 2010 11:29 pm

O gigante Hrungnir



Hrungnir, era um gigante que tinha o coração e a cabeça feitos de pedra e que
defendia o corpo com um poderoso escudo feito do mesmo material. Este gigante tinha
um cavalo muito veloz, chamado Gullfaxi. Certa feita, o deus Odin, inimigo declarado
daquela raça, resolveu fazer uma aposta ao passar em frente do castelo de Hrungnir:
- Montado em Sleipnir, o cavalo mais veloz do universo, posso vencê-lo com uma
perna nas costas! - disse ele, com uma grande risada. (E, certamente, poderia fazê-lo, já
que Sleipnir tinha oito patas.)
- Vale o que, nanico? - gritou Hrungnir, do alto das suas torres.
- Ora, a minha própria cabeça...! - disse Odin, desprezando a prudência.
O gigante, afrontado, não pensou duas vezes e montando num salto Gullfaxi, o
cavalo de crinas douradas, lançou-se com Odin numa corrida veloz.
Foi uma bela disputa, mas à certa altura, Odin, percebendo que poderia perder a
aposta, resolveu desviar o rumo para Asgard, a morada dos deuses. - Abram os portões! -
disse ele a Heimdall, o eficiente guardião da cidade.
O porteiro assim o fez e, quando Hrungnir percebeu a cilada em que estava se
metendo - visto que seria imprudência ainda maior meter-se na cidadela dos deuses -,
puxou as rédeas de seu cavalo; mas tamanha era a sua ira que resolveu, mesmo assim, ir
enfrentar os deuses em sua própria casa.
- Fui enganado por este farsante! - exclamou ele, após cruzar Bifrost, a ponte do
arco-íris que dava acesso a Asgard.
Odin, reconhecendo a sua pouca lealdade, resolveu reconsiderar.
- Está bem, peço-lhe desculpas. Venha jantar conosco e tudo estará esquecido.
Hrungnir reuniu-se aos demais deuses no salão dos banquetes. A princípio,
desconfiado, mas foi relaxando à medida que ingeria quantidades fantásticas de hidromel.
Bebida boa taí...! - exclamava ele a cada gole monstruoso.
Os outros deuses acompanhavam o seu progressivo descontrair até que a própria e
singela descontração começou a ceder lugar à perigosa jactância.
- Tudo isto é muito belo - dizia ele, fazendo um semi-círculo com a taça
transbordante de líquido -, mas, um dia, serei obrigado a botar tudo ao chão!
Um silêncio constrangido desceu sobre os ouvintes, o que o imprudente gigante
entendeu apenas como uma autorização para que prosseguisse nas suas bazófias. - Sim,
pois não tarda a grande batalha da Ragnarok, quando os gigantes, liderados por mim,
finalmente, invadirão esta belezinha de reino e o reduzirão a cinzas. Um brinde a este
dia...!
Somente, então, Hrungnir percebeu que o mal-estar se apossara de todos os demais
convidados. Seus olhos pousaram sobre Sif, a esposa de Thor, e Freya, a mais bela das
deusas.
- Oh, jovens e belas deusas, não fiquem alarmadas! - disse ele, abanando com força
a taça, que espirrava hidromel para todos os lados. - Vocês, belas como são,
naturalmente estarão a salvo da matança; ficarão como o mais belo espólio de guerra que
nós, gigantes, já obtivemos algum dia!
Neste momento, Thor, que estava de viagem, apontou na entrada do salão.
Imediatamente, seus olhos pousaram sobre o gigante, que resmungava coisas para a sua
mulher com a boca úmida e a voz empastada.
- O que este sujeito está fazendo em nossa mesa e ao lado de minha mulher? -
bradou ele, ainda de pé.
O gigante olhou para Thor, mas a bebedeira era tamanha que só pôde dizer isto,
com uma grande gargalhada: - Venha, venha logo desfrutar desta jovem dos
encantadores cabelos dourados, pois logo ela mudará de dono!
Thor ergueu, num reflexo, o seu martelo, e já ia arremessá-lo sobre a cabeça do
tresloucado gigante, quando Odin o impediu: - Pare! Não pode matar um visitante à nossa
mesa. Isto seria infringir, gravemente, a lei da hospitalidade a que todos estamos
obrigados. - Depois, voltando-se para o gigante, disse: -Senhor hóspede, bem sabe que
suas palavras violaram todas as leis da cortesia e do respeito. Desde já, considere-se
intimidado a enfrentar o marido ultrajado num combate singular, em campo aberto.
Hrungnir deu outra grande risada e exclamou:
- Um duelinho, então?... há! há! há!... Muito bom um duelinho!
Mas, três dias bastaram para que o gigante mudasse um pouquinho de idéia:
- Meu deus, o que vai ser de mim? - dizia, com as duas manoplas na cabeça.
Mas, agora, não havia mais jeito: dali a instantes, ele teria de se apresentar diante
de Thor para o terrível embate.
No entanto, a regra do duelo era bem clara: tanto os duelantes quanto as suas
testemunhas deveriam bater-se igualmente. Por isto, Thialfi, o criado de Thor, foi obrigado
a se apresentar para cumprir a sua parte.
"Essa é boa...!", pensou o criado lá com os seus botões. "Essas briguinhas de
deuses e gigantes já estão passando da conta!"
Hrungnir, por sua vez, escolheu um gigante de barro de dezenas de metros para
fazer frente ao escudeiro de Thor. Mokerkialfi era o seu nome e tinha cara de
pouquíssimos amigos. Dentro do peito, a criatura enlameada levava o coração de uma
égua, pois os gigantes imaginavam que, desta forma, o autômato iria se mostrar ainda
mais veloz e audaz.
As duas duplas postaram-se, finalmente, em campos opostos. Dado o sinal, Thialfi,
que tinha dentro do peito um coração de raposa, gritou ao gigante:
- Ei, bobão! Se eu fosse você, abaixava este escudo de pedra, pois Thor é forte e
astuto o bastante para vir por debaixo da terra e liquidá-lo.
Hrungnir, assustado, imaginando que tal coisa fosse possível (talvez ainda estivesse
um pouquinho sob o efeito da bebida para ter caído num truque barato como este),
abaixou o poderoso escudo e subiu em cima dele.
- Pode vir agora, deusinho de araque! - bradou ele.
Thor, aproveitando-se do descuido do gigante, arremessou com toda a força o seu
poderoso martelo Miollnir, que foi se chocar no ar com a gigantesca pedra de amolar que
seu adversário lançara. Um estrondo sacudiu tudo e os estilhaços da pedra voaram em
todas as direções. Um deles, entretanto, foi se alojar na cabeça de Thor, que caiu
desfalecido ao chão. Quanto ao seu martelo, após ter despedaçado a arma do gigante,
seguiu adiante e foi acertar em cheio a cabeça «Io adversário, arrebentando o seu crânio
como se este fosse uma casca de ovo. Os miolos do gigante esparramaram-se pelo chão
como uma gema amarelada, numa t i-na positivamente asquerosa.
Quanto ao duelo subalterno travado entre Thialfi e o monstrengo de barro, não teve
nem graça, pois esta criatura era tão ou mais estúpida que o seu criador. Basta dizer que,
já no primeiro lance do duelo, tropeçara nos próprios pés, indo estatelar-se ao chão,
tornando-se assim um alvo facílimo para a destreza de Thialfi - o que o deixou em toda a
assistência a certeza de que, se o coração do monstro era o de uma égua, o seu pobre
cérebro devia ser o de um asno.
Mas, apesar da vitória dos deuses, havia ainda um pequeno - ou antes, um imenso
empecilho a ser removido, pois, na queda, o gigante Hrungnir deixou sua perna por cima
de Thor, que, agora, além de ter um fragmento de pedra no crânio, ainda tinha sobre ele o
membro pesadissimamente morto de um gigante.
Todos forcejaram para livrá-lo daquele peso incômodo até que Magni, um fedelho de
três anos de idade, que era filho de Thor, aproximou-se do corpo do pai.
- Sai daqui, moleque! - disse alguém, enxotando o garoto.
- Eu pode...! Eu pode...! - gritava o guri, saltitando e se misturando à selva de pernas
dos adultos na tentativa de chegar ao pobre pai abatido.
- Sai, guri metido...! - exclamou outro sujeito, chegando mesmo a lhe dar um
safanão.
Então, Magni, o moleque de três anos de idade, limpou o ranhozinho do nariz e
expulsou todo mundo com um grito medonho:
-EU POOOOOODE...!!! - e, assim, conseguiu remover o colossal entrave.
Logo em seguida, Thor foi levado para o seu palácio, onde vários especialistas
tentaram retirar, sem sucesso, a lasca de pedra de sua cabeça. Até que uma bruxa, que
atendia pelo nome pavoroso de Groa, empregou nele as suas artes mágicas,
conseguindo retirar, finalmente, a maldita pedra da cabeça do deus.
- Magnífico! - exclamou ele. - Você é Groa, esposa de Aurvandil, não é?
- Sim, sou eu mesma, poderoso deus! - disse ela, depois de afastar o nariz para o
lado para poder ser entendida.
- Oh, lembro-me, perfeitamente, do seu marido! - continuou a dizer Thor, pois
lembrara-se de um episódio que tivera com aquele sujeito. - Certa feita, eu atravessei o
rio Eliavar gelado com ele numa cesta - era pequenino, então - e, ao chegar ao outro lado,
descobri que seu dedo congelara. Apiedado do pobrezinho, arranquei seu dedo e o
arremessei para o céu, onde virou uma estrela.
Uma cor escarlate começou a subir desde o pescoço da mulher até a raiz dos
cabelos, como se uma seringa gigante estivesse injetando mercúrio na cabeça. Quando a
vermelhidão terminou de tingir o último milímetro de sua pronunciada testa, ela pegou de
novo a lasca da pedra, enterrou-a de volta na cabeça de Thor e desapareceu,
velozmente, deixando na casa apenas o seu grito infame.
Desde então, Thor teve de conviver com aquele pedregulhozinho na cabeça e com a
idéia de que falar demais sempre redunda em desastre.
Shiki ~
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Múmia Anciã
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Ficha do personagem
Nome: Onizaki Shiki
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